Contenção e caos: Eva Hesse e Robert Smithson
A transparência de seus meios materiais e a maneira como são construídos mostravam claramente a sua atualidade, revelando a escultura como sendo um conjunto de partes e articulações, e não um todo sem emendas. Para Eva Hesse, o fazer era um ato não-ilusório. "Não seria possível reduzir ainda mais as ilusões sem que os materiais se tornassem o material não-designado da não-construção."4 Além disso, a evidência do processo deu ao seu trabalho a aparência da matéria em curso: um objeto pego num estado momentâneo, com a possibilidade de ser transformado novamente em outro estado. As partes podiam ser redistribuídas, expandidas ou contratadas num determinado espaço: a relação entre elas, embora independente, permanecia em curso devido ao caráter temporário de cada instalação. Os materiais fugidios, impermanentes de Eva Hesse também desafiam sistemas de caráter fixo; eles mostram os efeitos dos processos naturais e das forças gravitacionais·pendendo, ruindo, como partes que saem de seu estado de totalidade ou se sujeitam aos efeitos da decadência e deterioração. Contenção e controle foram, na melhor das hipóteses, temporários. Seu trabalho misturava o planejado e o imprevisto: "[. . .] há muitas coisas que prefiro deixar acontecer [. . .]".5 Quando ocorre a transformação, o caos suplanta a permanência. Mas na fragmentação das partes e na natureza cambiável das substâncias materiais ocorre "a desintegração de uma ordem em favor de uma nova"6 e a arte ganha novos significados. 1960 Três pinturas Untitled [Sem título]. Hesse começa pela tinta, o retângulo da moldura do quadro, figuras feitas com formas circulares, seios e ventres inchados, formas arredondadas inscritas num quadrado. 1965 Ringaround arosie [Ciranda]. Um retângulo, ausência de figura, os círculos que agora formam padrões concêntricos, vórtices de energia, seios com bicos, seios e ventre, The Venus of Willendorf [A Vênus de Willendorf], cordões umbilicais, "um seio e um pênis"7·masculino e feminino se tornam uno. Esta é uma pintura escultórica, a junção entre pintura e instalação escultórica. Mas é também a alimentação do eu pelo fazer de um corpo feminino que nutre, redondo e prenhe, que se amarra a esta identidade com cordões, enquanto destrói a imagem do corpo·apagando a semelhança, cortando-a em pedaços·, numa desintegração canibalista do todo. O quadrado torna-se a estrutura escultórica, um receptáculo para o corpo, o corpo dela própria, em camadas pessoais e associativas. Elementos simples e duros produzidos por outros contêm os elementos sensuais dela: sua mão se mistura com as de outros, e todas estão absortas no trabalho da artista. 1967 Washer table [Mesa de lavar]. A base, criada por seu amigo e artista minimalista Sol LeWitt, é um dispositivo ordenador no qual foram colocadas, porém não rigidamente fixadas, arruelas industriais de borracha, cujas superfícies estão desgastadas de maneira diferente, definidas de forma individual. 1967 Accession II [Acessão II]. Esta caixa perfurada de metal rígido, fabricada industrialmente sob encomenda, serviu de matriz dentro da qual Hesse cortou e enfiou em cordões mais de 30.000 tubos plásticos, moles e flexíveis, uma mistura caótica de "cerdas" parecidas com cabelo. 1968 Aught [Tudo]. Quatro lençóis dependurados na parede da galeria. Suas superfícies são painterly, porém suas formas são escultóricas. Eles estão recheados e despencam, embora estejam contidos por molduras retangulares. 1970 Untitled ("Wall piece") [Sem título ("Peça de parede")]. Acamada pela doença, a artista continuou trabalhando, dirigindo as mãos de outros. No ano em que morreu prematuramente, Hesse ainda confrontava a dualidade de ser: geometria serial e formas orgânicas, contenção e caos. Menos minimalistas do que antes, retirados do chão e recolocados na parede, cada quadro retangular tem sua singularidade única, existindo fora de um sistema rígido de relacionamentos: quatro unidades, cada uma com tamanho e profundidade diferentes e texturas variadas. De cada uma delas saltam cordões, veias que correm com energia e vitalidade para o chão, onde ricocheteiam. Para Hesse, o uso do quadrado e do cubo fornecia um formato no qual conter a arte, um sistema para fixar a forma, acuar o caos. Quadrado e cubo eram lugares onde se podiam fazer experiências com processos seriais, mas sem ter vinculação com eles; lugares onde expressar o pessoal; um contêiner para ser quebrado, a fim de dissolver o todo, e depois reconstruir o todo novamente. Era um contêiner para pedacinhos de realidade, partes do corpo e da psique, que os contivesse e tentasse retardar sua mudança e desintegração. Contudo, as partes enganavam a contenção: arruelas danificadas, tubos indisciplinados, tentáculos estendidos. Ao mostrar evidências de entropia por meio da decomposição ou degeneração de materiais, sua arte é reabsorvida num estado de não-arte. Hesse resignava-se, e até mesmo filosofava sobre a perda inevitável: "A vida não dura, a arte não dura, não importa".8 Toda ordem é efêmera, a permanência é uma ilusão ideal. O caos consome a ordem. Mesmo assim, o caos possui uma estrutura e, mesmo que não nos seja revelada, sua própria ordem. Em referência a um de seus últimos trabalhos, Eva Hesse disse: "Sua ordem poderia ser o caos. O caos pode ser estruturado como não-caos. Isto sabemos desde Jackson Pollock".9 Em sua arte, Hesse tornou visível a imagem da ordem do caos. 1. Lucy Lippard, Eva Hesse, Nova York: Da Capo Press, 1992, p.205. 2. William S. Wilson, "Eva Hesse: On the threshold of illusions", Inside the visible: an elliptical traverse of 20th century art, ed. M. Catherine de Zegher, Kortrijk, Bëlgica: The Kanaal Art Foundation, 1996, p.427. 3. Wilson, p.430. 4. Idem.
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