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CoBrA: transgressão e voracidade
"Sur un coup d'humeur, contre le verbiage, l'hésitation, le centralisme, c'est à Paris, le 8 de novembre 1948, dans un café formant coin du quai Saint-Michel avec l'axe de la rue Saint-Jacques, qu'est signé l'acte fondateur de CoBrA", relata Pierre Alechinsky1. Os artistas discutiam o envolvimento da Internacional Surrealista com o Partido Comunista. Concluíram que não levava a coisa alguma e assinaram as seguintes resoluções: "Consideramos que a única saída para uma atividade internacional contínua seja uma cooperação orgânica e experimental que evite todas as teorias estéreis e dogmáticas. [. . .] Vimos que temos um modo comum de vida, de trabalho e de sentimento, entendemos uns aos outros num nível prático e nos recusamos a aderir a uma unidade teórica que é artificial. [. . .] É num espírito de reciprocidade que adicionamos experiência dialética entre nossos grupos e nossas experiências nacionais".
O movimento CoBrA foi criado por Asger Jorn (Dinamarca), pelo poeta Charles Dotremont, Joseph Noiret (Bélgica), Karel Appel, Constant e Corneille (Holanda), que participavam de um congresso de art d'avantgarde em Paris. A denominação-CoBrA-veio das iniciais das capitais-COpenhague, BRuxelas e Amsterdã-de seus países. O CoBrA não tinha praticamente nenhum apoio do establishment do mundo da arte. Algumas exceções vieram da parte de Michel Ragon e Willem Sandberg, diretor do Stedelijk Museum de Amsterdã. Outros críticos parisienses consideraram o grupo conservador, porque não era "abstrato" como a "Escola de Paris". Além disso, o elemento expressionista do CoBrA não foi reconhecido pelo establishment de Paris, como fora o caso de Munch e dos expressionistas alemães.
O CoBrA foi provavelmente o último grupo de seu gênero, na tradição dos dadaístas, futuristas, construtivistas e surrealistas, a se basear no trabalho cooperativo entre artistas. Asger Jorn colaborou com Pierre Wemaêre, de 1940 ao final dos anos 80. A colaboração entre os artistas do grupo era condição essencial para seu trabalho; valiam-se do respeito ilimitado ao indivíduo e um "épainouissement tout aussi illimité dans la communauté".2 O CoBrA cultivava também um intercâmbio com cientistas, músicos e diretores de cinema.
Os artistas trabalhavam em grupos organizados com o intuito de promover novas idéias artísticas que não recebiam apoio do establishment da arte. Muitas vezes, tão logo esse apoio surgia, os grupos se dissolviam ou se degeneravam em formas de poder pessoal. Esse foi o caso da Internacional Surrealista, que depois da guerra se transformou em ferramenta pessoal de André Breton. Na realidade, o CoBrA foi fundado como alternativa à ditadura de Breton sobre a Internacional Surrealista. Durante a ocupação da França, Dotremont havia pessoalmente mantido acesa a chama do surrealismo. Tornou-se um oponente político de Breton, que estreitara a definição do "verdadeiro" surrealismo e excluído alguns artistas do grupo. Breton desempenhava o papel de pai autoritário, tentando monopolizar os rumos do surrealismo. Em Bruxelas, pouco antes da criação do CoBrA, Asger Jorn, Dotremont, Eljer Bille, Egill Jacobsen e Carl-Henning Pedersen, entre outros, haviam fundado o Bureau International du Surréalisme Revolutionnaire, com uma abertura experimental oposta ao caráter canônico do surrealismo de Breton. Havia uma clara intenção transgressiva nas organizações do grupo. O CoBrA assumiu então o papel dos filhos que desafiam a autoridade do pai (Breton), como se gerações de artistas vivessem a situação de totem e tabu, discutida por Freud. Zero de conduite [Zero de conduta] (1961), uma pintura de Alechinsky, expressa essa pulsão transgressiva, enquanto Rage maitrisée [Raiva reprimida] (1952), de Jorn, aponta para a possibilidade de dar uma direção para a revolta, que é o CoBrA.
1. "Num golpe de humor, contra a verborragia, a hesitação, o centralismo, que em Paris, a 8 de novembro de 1948, num café da esquina do quai Saint Michel com a rua Saint-Jacques, foi assinado o ato fundador do CoBrA." Pierre Alechinsky, CoBrA et le bassin parisien, Paris: L'Echope, 1997, p.7.
2. "e uma proliferação ilimitada na comunidade", Per Hovdenakk, Jorn/Wemaêre, Silkeborg: Galerie Moderne, 1982.
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