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Géricault:
um olhar que investiga a realidade
 
Theodore Géricault
Rouen, França, 1791
Rouen, França, 1824




"Têtes coupées"
(Cabeças cortadas)
1818-1819 - tinta a óleo sobre tela
50 x 61 cm
Coleção Nationalmuseum,
Estocolmo
O quê?

A investigaçâo da realidade como tema na pintura;
a fragmentaçâo do corpo humano x o ideal classicista de beleza;
a organizaçâo da superfìcie da pintura pela direçâo das pinceladas.

Por quê?

Arte ë signo. Mais do que representaçâo pura e simples do real, tem motivaç§es estëticas que correspondem Ç inserçâo do artista em seu tempo hist�rico, Çs escolhas temžticas e aos recursos expressivos dos quais ele se vale.
"Tètes coupëes" demonstra um tema crucial relacionado ao canibalismo, o do "desmembramento", isto ë, a fragmentaçâo do corpo como um processo fetichista (culto de objetos materiais considerados em relaçâo a sua funçâo espiritual, mžgica).
As cabeças decepadas, alëm do estranhamento que geram no leitor da obra de arte, apresentam individualidades, expressas por meio de um cuidado ret�rico caracterìstico do realismo social.


Para quê?

Para permitir ao aluno:
identificar a postura investigativa do pintor que elege a morte como tema;
perceber como o pintor representa a figura humana individualizada e como suas diferenças sâo mutuamente valorizadas;
reconhecer, no tratamento pict�rico e na expressâo das figuras, as preferèncias tëcnicas e estëticas do Romantismo francès do sëculo XIX;
analisar e manipular em atividade pržtica a utilizaçâo de luz e sombra, bem como dos resultados que podem ser obtidos por meio da gradaçâo ou do contraste entre ambos;
introduzir uma discussâo sobre a representaçâo de fragmentos do corpo humano para evidenciar as transformaç§es e desfiguraç§es sofridas no contexto cultural e polìtico;
entender o Realismo social e as formas de investigaçâo dos quais Gëricault se valeu para produzir sua obra
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1. Géricault
Gëricault: "Passo todo o tempo surpreendendo-me com o fato de que nada parece s�lido, tudo me escapa. Nossas esperanças e nossos desejos, e mesmo nossos sucessos, sâo apenas ilus§es. Meu coraçâo nâo pode encontrar descanso, contëm mem�rias demais".
"Sem ousadia, extrema ousadia, nâo hž beleza."
"A novidade estž na mente que cria, nâo na natureza."
"Nâo precisamos tomar emprestado as riquezas de outras ëpocas para agradar o gosto dos medìocres."

 
Como? (Quando? Onde?)

Ver com nossos olhos
No primeiro contato com esta pintura de Gëricault na XXIV Bienal, ou com sua reproduçâo, surgirâo questionamentos sobre as intenç§es do artista, o porquè da escolha deste tema e os sentimentos antag–nicos de curiosidade e de repulsa que desperta em quem a observa.
Tratando-se de uma imagem com forte naturalismo1 em que o artista apresenta, a uma s� vez, "objetos" e emoç§es, ë importante valorizar as primeiras impress§es que, mesmo contradit�rias, poderâo motivar futuras pesquisas e descobertas enriquecedoras da leitura da obra.
Algumas quest§es iniciais poderâo convergir para o tema, Ç medida que este ficar mais evidente, embora tambëm seja importante estimular a observaçâo de outras caracterìsticas da pintura, as quais poderâo ser tomadas como ponto de partida para pesquisas a serem realizadas pelo grupo e como éncora de experièncias e anžlises que facilitarâo uma compreensâo ampliada da arte.
Uma descriçâo coletiva dessa pintura pode ser um instrumento valioso para revitalizar o conhecimento anteriormente acumulado sobre arte, abrangendo desde as caracterìsticas mais evidentes atë os detalhes mais sutis.
Para auxiliar na elaboraçâo da descriçâo inicial da obra e no levantamento de seus aspectos mais interessantes e/ou polèmicos, sugerimos as seguintes perguntas:
Qual ë o tema desta pintura?
Como o artista distribuiu os elementos que comp§em esta pintura?
Quais as principais semelhanças e diferenças entre os dois "objetos" centrais?
Qual a relaçâo entre cada "objeto" e a žrea a sua volta?
Com que intençâo os pintores utilizam objetos reais como modelo para suas pinturas?
Como esta pintura pode ser relacionada com o tema "Antropofagia e hist�rias de canibalismo", proposto pela Curadoria da XXIV Bienal?
O professor poderž acrescentar outras perguntas que facilitem, num primeiro momento, a identificaçâo pelo grupo das possìveis decis§es tomadas pelo artista, bem como da escolha de Gëricault pela curadoria. Poderâo, naturalmente, surgir na discussâo algumas consideraç§es sobre significados que nâo sejam evidentes ou reconhecìveis. Antes de julgar e eliminar a observaçâo de um aluno, por considerž-la divergente ou equivocada, convëm dar continuidade Çs demais etapas de estudo da obra e confrontar cada conceito novo com as etapas anteriores, o que conduzirž o grupo ao descarte de idëias nâo pertinentes.
Conforme o repert�rio de imagens que jž tenha sido analisado pelos alunos, ou mesmo incorporando imagens e situaç§es identificadas com o tema da pintura, novas associaç§es poderâo ser estabelecidas e acrescentadas Ç descriçâo. Do mesmo modo, cada afirmaçâo poderž ser transformada em objeto de investigaçâo sobre arte. O professor e os alunos podem optar por realizar, na ordem mais significativa para sua inserçâo no conteödo curricular, abordagens da obra em que a biografia do artista (e o tempo hist�rico vivido por este), os processos tëcnicos e materiais da pintura, o Romantismo2 francès (que tambëm pode ser estudado na mösica e na literatura) ou a utilizaçâo dos elementos da linguagem visual, basicamente a linha, a cor, a luz, a forma e a superfìcie sejam privilegiados alternada ou simultaneamente. As afirmaç§es sobre a obra, alëm de orientar o percurso de anžlise e pesquisa pelo grupo, poderâo indicar abordagens interdisciplinares (Hist�ria, Cièncias, Literatura).
 

2. Naturalismo
Fayga Ostrower: "Nessa forma de representaçâo, o artista irž particularizar certas feiç§es especìficas que caracterizam o objeto, distinguindo-o no espaço e tempo como um evento preciso. Figurando sua unicidade de ser, o artista quer revelar claramente o objeto como portador das emoç§es que ele transmite. ConseqÆentemente, n�s, espectadores, terìamos condiç§es de identificar a uma s� vez objeto e emoç§es desencadeadas".

 

3. Romantismo
Arnold Hauser: "Para os roménticos nada se apresentava puro de feiç§es em conflito; a natureza problemžtica de sua posiçâo hist�rica e a luta interior dos seus sentimentos refletem-se em todas as suas afirmaç§es. (...) Nâo os preocupa dominar ou vencer a realidade; querem, sim, ter a experiència dela e reproduzir tal experiència tâo diretamente, tâo fiel e completamente quanto possìvel. Sentem, incontestavelmente, que a vida do presente imediato, o mundo do seu tempo, o mundo que os rodeia, tempo e espaço, experiència e impress§es lhes fogem a todo momento, que os perdem para sempre. Para eles, a arte passa a ser um correr atržs do "temps perdu", da vida, que se lhes escapa e ë incoercìvel. Os perìodos do Naturalismo absoluto nâo sâo os sëculos em que os homens se julgam na posse segura e firme da realidade, mas aqueles em que temem perdè-la; pelo que o sëculo XIX ë o sëculo clžssico do Naturalismo".

Naturalismo: representaçâo realista da natureza. Preconiza a volta Ç natureza e Ç simplicidade primitiva, quer nas instituiç§es sociais, quer na maneira de viver.
 
Ver com os olhos do artista
Reapresentar a pintura de Gëricault, "Tètes coupëes"4, ou sua reproduçâo, para que seja confrontada com a descriçâo elaborada anteriormente.
Quando a reproduçâo da obra for utilizada, considerar sempre suas dimens§es verdadeiras. Nesse caso, estimular uma observaçâo mais detalhada da execuçâo da pintura (visibilidade do suporte, marcas da pincelada, distribuiçâo da cor, ocultamento do desenho inicial, entre outras caracterìsticas).
Para valorizar a necessidade de identificar-se com o autor da pintura, o grupo poderž questionar:
Quais foram as decis§es mais importantes para Gëricault?
Por que representou o tema desta maneira?
Terž sido esta obra realizada sob encomenda?
A escolha e a representaçâo desse tema por Gëricault teriam sido influenciadas por acontecimentos de sua ëpoca?
O professor poderž provocar uma discussâo em que sejam relacionados exemplos da utilizaçâo de pinturas como documento hist�rico5, anteriormente Ç popularizaçâo da fotografia. Trazendo essa discussâo para o cotidiano dos alunos, eles poderâo realizar uma atividade pržtica e construir uma narrativa visual com os recursos disponìveis (recortes, fotoc�pias, desenhos, gravuras etc.) para representar um fato conhecido por todos, interpretando-o individualmente. Ou, ainda, comparar as fotografias que tenham sido utilizadas por diferentes jornais e revistas para noticiar um mesmo evento. Esse percurso investigativo explicitarž o Realismo social caracterìstico de Gëricault.
 

4. "Têtes coupées"
Entre 1818 e 1819, Gëricault realizou grande variedade de estudos para a pintura "A jangada do Medusa" (491 x 716 cm), uma jangada que naufragara, matando vžrios tripulantes. Alëm de recolher todas as informaç§es publicadas nos jornais, entrevistou sobreviventes do naufržgio e o carpinteiro da barca, que o ajudou construir uma rëplica em miniatura, na qual estudava os agrupamentos de figuras modeladas em cera. Outro sobrevivente contou-lhe sobre o canibalismo necessžrio Ç sobrevivència durante a espera pelo resgate. Alëm dos estudos de modelo vivo, Gëricault visitava o Hospital Beaujon para estudar detalhadamente os doentes e moribundos e obter membros amputados do corpo humano que estudava em seu ateliè. Tambëm conseguia cabeças de bandidos, guilhotinadas, para estudar o sofrimento e a morte em seu processo de decomposiçâo durante atë quinze dias, conforme relato de outros pintores de sua ëpoca.

 

5. Documento histórico
Rudolf Arnhein: "Quem comparar as pinturas de Rubens6 e Rembrandt ficarž impressionado com a diferença de mundos que se apresentam nas obras desses dois artistas que estiveram tâo pr�ximos no tempo e no espaço. Ï importante saber que um deles trabalhava para um Estado tradicional feudal cujos governantes estavam rodeados da riqueza do imaginžrio cat�lico romano, enquanto o outro conheceu a frugalidade protestante, mas tambëm a recente prosperidade de uma classe mëdia de mercadores democraticamente organizada. Essas conex§es entre o conhecimento herdado e uma visâo prospectiva nâo sâo automaticamente evidentes. Devem ser tornadas explìcitas".

Rubens: (Peter Paul Rubens - 1577-1640). Pintor flamengo. A dramaticidade das pinceladas que em suas pinturas depositavam luz e cor ë uma caracterìstica que influenciou, com outros pintores dos sëculos XVI e XVII, os pintores roménticos do sëculo XVIII.
 
Ver e sentir
O grupo deverž observar e analisar a superfìcie da pintura para identificar a utilizaçâo de cor, contrastes de luz e sombra, a organizaçâo da composiçâo.
Ao analisar o uso da cor, identificar, sob o ponto de vista formal, seu papel na estruturaçâo da imagem: ë utilizada apenas para preencher as žreas definidas pelo desenho? Qual o grau de adequaçâo da seleçâo feita por Gëricault aos cénones acadèmicos7 de seu tempo?
Confrontar as respostas a esses questionamentos com:
outras pinturas de Gëricault (por exemplo, "Artilharia" ou "Corrida em Epson");
pinturas figurativas de contemporéneos de Gëricault na Europa, e que tenham retratado a figura humana de maneira naturalista ou idealizada, como, por exemplo, Delacroix ou Ingres;
pinturas figurativas realizadas no Brasil, sob influència do Romantismo francès, tais como as de Pedro Amërico e Vitor Meirelles;
"Study for a portrait", obra de Francis Bacon apresentada na XXIV Bienal; nesse caso, destacar a atitude realista, que pode estar presente em artistas que produziram em perìodos hist�ricos diferentes.
as obras de Brian Maguire apresentadas nesta XXIV Bienal e reproduzidas no Material de Apoio.
Ao analisar a relaçâo entre o uso da cor e a definiçâo das žreas de luz e de sombra, valorizar os efeitos expressivos obtidos. Relacionar a essa observaçâo a experiència real de utilizar determinada cor no vestužrio para destacar-se ou confundir-se com o ambiente. Comparar os efeitos da iluminaçâo artificial elëtrica com outros meios: velas, lamparinas, lampi§es, e refletir sobre as necessidades de domìnio de recursos tëcnicos para registrar visualmente esses efeitos.
Comparar os tipos de maquilagem utilizados pelos atores para enfatizar o caržter dos personagens que representam.
Considerando que a pintura ë, afinal, um objeto bidimensional, analisar a maneira como Gëricault representa as formas, os volumes, com pinceladas de cor. Observar, nas marcas deixadas pelo pincel, as direç§es que estruturam a composiçâo, os objetos e o espaço que os envolve. Estimular a experimentaçâo de diferentes sensaç§es provocadas pelo contato com diferentes texturas (mais ou menos žsperas, mais ou menos descontìnuas) e por sua justaposiçâo. Comparar as sensaç§es obtidas pelo tato com as obtidas pela visâo dos objetos em espaços diferentes (mais ou menos iluminados, em condiç§es de visibilidade diversas).
Comparar as cores utilizadas por Gëricault nesta pintura com as que tenham sido utilizadas em outras pinturas, consideradas mais "expressivas" ou mais "frias". Propor aos alunos que descrevam, conforme suas experièncias ou sua imaginaçâo, as sensaç§es que sentiriam ao entrar em um ambiente que tivesse as cores utilizadas por Gëricault em "Tètes coupëes".
O professor poderž aproveitar a curiosidade e a observaçâo do papel da cor na pintura despertados pela anžlise da obra para orientar uma atividade pržtica e de pesquisa sobre a teoria das cores, os princìpios bžsicos de utilizaçâo da cor na pintura em diferentes ëpocas, a hist�ria dos processos da pintura ou as propriedades dos pigmentos.
 

6. Cânones Acadêmicos
Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg comentam as regras que "(...) dominaram durante sëculos o fazer artìstico na Europa e que, em essència, constituìam a canonizaçâo de aspectos fundamentais da arte e da literatura da AntigÆidade greco-latina. Em sua feiçâo normativa, estes cénones apresentaram-se como sendo principalmente os da proporçâo, da racionalidade, da objetividade, da unidade, do equilìbrio, da harmonia, da moderaçâo, da disciplina, do desenho sapiente. Sâo os elementos de uma linha apolìnea, clara, löcida, harmoniosa, solar, diurna, que se pode definir como o estilo especìfico do Classicismo. Esse estilo, desde o Renascimento, pelo menos como busca deliberada, foi se impondo Ç literatura e Çs artes, como uma pržtica e um ideal".

Antigüidade greco-latina: a AntigÆidade Clžssica foi um perìodo cujos ideais estëticos buscavam um princìpio önico de proporçâo, harmonia e ordem para a representaçâo das coisas, criando obras que foram valorizados como paradigmas no Renascimento e em outros momentos da Hist�ria da Arte.
Renascimento: relativo Ç Renascença, movimento artìstico e cientìfico que pretendia um retorno Ç AntigÆidade clžssica.
 

Ver a realidade
Retomando o tema de "Tètes coupëes", o grupo poderž pesquisar sobre o processo adotado por Gëricault para pintar a realidade7. A observaçâo direta da realidade ë uma maneira de captar suas singularidades. A identificaçâo das singularidades representadas por Gëricault conduz Ç compreensâo de que um artista pode representar indivìduos e objetos valorizando mais sua sensibilidade ou sua racionalidade.
Outra possibilidade de trabalho decorre da relaçâo entre "Tètes coupëes" e a produçâo pict�rica de Gëricault8. Por que teria utilizado a pintura a �leo para representar este tema? Por que teria utilizado este formato? Em sua ëpoca, quais teriam sido as dimens§es aceitžveis para uma pintura? Por què?
Na discussâo das conclus§es extraìdas da anžlise da obra e de seus desdobramentos curriculares, avaliar a compreensâo dos conceitos trabalhados e sua articulaçâo com o tema do Nöcleo Hist�rico em que esta pintura estž inserida. Procure valorizar as caracterìsticas particulares (inseridas na temžtica da obra de Gëricault) e as universais (a investigaçâo das formas do mundo real) que determinam sua presença neste contexto.

Sugestões de continuidade
Pesquisar as exposiç§es de pintura, os sal§es parisienses, na primeira metade do sëculo XIX. Como eram selecionadas as obras, quais eram os critërios utilizados para a seleçâo? O que esses critërios tinham a ver com seu tempo hist�rico? Que critërio justifica a inserçâo de Gëricault na XXIV Bienal? O que esse critërio tem a ver com nosso tempo hist�rico?
Tambëm ë possìvel pesquisar os efeitos da aceitaçâo ou da recusa em exposiç§es sobre a carreira de certos artistas que sâo considerados atë hoje os grandes mestres do sëculo XIX.
Quais sâo os procedimentos adotados pelos artistas para representar as formas do mundo real? Sabemos que a execuçâo de uma pintura a �leo ë lenta, muitas vezes precedida de vžrios esboços a lžpis. Dessa maneira, quais teriam sido as raz§es de Gëricault para conviver com os "objetos" retratados em seu ateliè? O que essa convivència poderia ter acrescentado Ç representaçâo dos "objetos"?
Comparar as representaç§es da morte na arte cristâ em diferentes perìodos. Observar as diversas representaç§es de agonia, sofrimento e morte nas figuras que comp§em cenas religiosas. Conversar com os alunos sobre o que conhecem da morte9 e os rituais que a cercam.
Considerando o distanciamento que deve ser necessžrio para que o artista possa analisar e interpretar os "objetos" que pinta em seu ateliè como simples formas, Gëricault retratou em "Tètes coupëes" pessoas desconhecidas. Compare essa pintura com a sërie de desenhos do artista brasileiro Flžvio de Carvalho10, que retratou sua mâe durante o falecimento. A partir dessa comparaçâo, o que se pode inferir sobre o tempo hist�rico desses dois artistas?

 

7. Pintar a realidade
Auguste Rodin: "O feio na arte ë tudo o que ë falso. (...) Nâo que o artista veja todas as coisas como se fossem boas, jž que o sofrimento freqÆentemente ataca aqueles de quem gosta, e tambëm ele mesmo, rejeitando cruelmente seu otimismo. Mas para ele tudo ë belo porque caminha incessantemente sob a luz da verdade espiritual. Assim, mesmo no sofrimento, mesmo diante da morte de seus entes queridos, e mesmo diante da traiçâo de um amigo, o grande artista - com o que me refiro ao poeta, tanto quanto ao pintor ou ao escultor - encontra o tržgico prazer da contemplaçâo."

 

8. Produção pictórica de Géricault Walter Zanini: "Seu escopo ë realizar uma amžlgama entre o fervente clima roméntico e o comentžrio realista. Sua obra engloba a figuraçâo de soldados, cavalos (onipresentes na iconografia roméntica), retratos de loucos - numa pesquisa de situaç§es angustiantes ou de registros do feio, do repulsivo e do sinistro, assentados numa elaboraçâo plžstica de fortes contrastes de claro-escuro, de cores acaloradas, Çs vezes de lampejos 'informais' que apontam para a arte do sëculo XX".

Amálgama: mistura de elementos diversos que contribuem para formar um todo.
Iconografia: arte de representar por meio da imagem.
 

9. Morte
Segundo E. Morin, "A partir da segunda metade do sëculo XIX inicia-se uma crise de morte. (...) um clima de angöstia, (...) autèntica crise da individualidade perante a morte. (...) crise geral do mundo contemporéneo.(...) O romantismo ë em primeiro lugar crise de inadaptaçâo ao emburguesamento (...) ë recusa da vida nova, da civilizaçâo burguesa triunfante, do "novo ambiente" urbano, tëcnico, maquinista, (...) Essa inadaptaçâo suscita o desejo patëtico e impotente de reviver um perìodo de verdades originais (...) a saudade do passado "natural" pode-se aliar Ç expectativa profëtica de um futuro luminoso (...) Mas onde (...) o romantismo nâo se pode agarrar Ç esperança revolucionžria surge a solidâo do indivìduo num mundo de participaç§es que lhe sâo estranhas. (...) essa individualidade consagrada pela revoluçâo burguesa como valor absoluto (...) tanto no plano econ–mico e polìtico como no sociol�gico, encontrar-se-ž lançada num mundo de rupturas e participaç§es cada vez mais regressivas." Segundo Sypher: "Goya estž pr�ximo de Gëricault e Daumier porque descobriu o grotesco como Hugo entendia o termo (...).Victor Hugo insistia em que o drama roméntico deveria apresentar "o anormal e o horrìvel, o c–mico e o burlesco", a fera ao lado da bela."

 

10. Flávio de Carvalho
Flžvio de Carvalho (Barra Mansa, RJ, 1899 - Valinhos, SP, 1973) foi um artista paulista, pioneiro da arquitetura moderna brasileira, pintor, desenhista e escritor. Sempre distinguiu-se pelo arrojo e pelo ineditismo de sua atuaçâo, como em seu desfile com as roupas que desenhou para usar em paìses tropicais, incluindo uma saia masculina, com que desfilou em 1956 pelo centro de Sâo Paulo. Realizou muitos retratos e nus femininos com forte influència expressionista. Em 1947, fixou com grande sensibilidade os öltimos momentos de vida de sua mâe no leito de morte nos desenhos da "Sërie Tržgica", um ponto marcante em sua obra. Francisco Luìs de Almeida Sales comenta essa sërie: "A ousadia de Flžvio de Carvalho, postando-se löcido diante do coma maternal, abalou o burgo piratiningano, rico e burguès, mas submisso aos padr§es estereotipados da moral e do sentimentalismo. (...) Irreverència, frieza, insensibilidade, desrespeito? Eis os comentžrios que cercaram o macabro testemunho. O papel era um inv�lucro semelhante ao pano dos criminosos impiedosos, guardando membros sangrentos de suas vìtimas do �dio e do amor".


Glossžrio

Apolínea: relativo a Apolo, deus da luz e das artes que personificava o Sol; caracteriza-se por equilíbrio, sobriedade, disciplina e comedimento.

Canonização: glorificação, referente ao ato de canonizar, isto é, dar destaque a um elemento no conjunto em virtude de suas qualidades excepcionais.

Escopo: alvo, mira, intenção.

Incoercível: que não se pode coibir, irreprimível.

Onipresente: que está ao mesmo tempo em toda parte, ubíquo.

Pigmentos: substâncias colorantes utilizadas na fabricação de tintas.

Pintura a óleo: processo popularizado a partir do século XIV que permitiu a substituição dos suportes sólidos (madeira) por outros maleáveis e transportáveis, como a tela de linho esticada.

Processos técnicos da pintura: as técnicas tradicionais para pintura em cavalete ou pintura em mural são: óleo, têmpera, aquarela, guache, pastel, tinta acrílica, encáustica e afresco.

Realismo social: movimento artístico que sofre influência do desenvolvimento das ciências biológicas e vê todas as manifestações sociais a partir de princípios derivados da observação das relações sociais.
Texturas: qualidades táteis da superfície dos materiais.

Visão prospectiva: visão que especula em relação ao futuro..

  Bibliografia

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SALES, Francisco Luís de Almeida. A Série Trágica de Flávio de Carvalho. "Bienal Brasil século XX". São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1994.
HAUSER, Arnold. "História social da literatura e da arte". São Paulo: Mestre Jou, 1982. v. 2.
MAYER, Ralph. "A dictionary of art terms and techniques". New York: Barnes & Noble Books, 1981.
MORIN, Edgar. "O homem e a morte". Portugal, Publicações Europa-América, 1988. (2a edição)
MOTTA, Edson, SALGADO, Maria Luiza Guimarães. "Iniciação à pintura". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976.
OSTROWER, Fayga. "Universos da arte". Rio de Janeiro: Campus, 1983.
RODIN, Auguste. "Art: conversation with Paul Gsell". Berkeley, Los Angeles, Londres: California University, 1984.
ROSENFELD, Anatol, GUINSBURG, J. "Romantismo e classicismo". In: GUINSBURG, J. (Org.). "O romantismo". São Paulo: Perspectiva, 1978.
SYPHER, Wylie. "Do rococó ao cubismo". São Paulo: Perspectiva, 1980.
ZANINI, Walter. "A arte romântica". In: GUINSBURG, J. (Org.). "O romantismo". São Paulo: Perspectiva, 1978.