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Aprendendo com suas dúvidas:
Abaporu? Tarsila? Antropofagia?

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Tarsila do
Amaral

Capivari, SP, 1886
São Paulo, SP, 1973





"Abaporu"
1928 - tinta a óleo sobre tela
85 x 73 cm
Coleção Eduardo
Costantini, Buenos Aires

O quê?

A dúvida e o ensino/aprendizado de arte;
a Antropofagia, em Tarsila e no Modernismo brasileiro;
o uso da cor e da deformação como formas de expressão.


Por quê?

Conhecer arte é um processo contínuo: as indagações são respondidas por meio da busca de informações e da criação de hipóteses, que geram novas perguntas. Expressar suas dúvidas e associações sem receio e ouvir as dos outros com respeito, indicando na obra o que percebem ao compartilhar essas vivências, constitui exercício fundamental do diálogo.
Estudar o uso da cor e da deformação na arte de Tarsila é uma forma de iniciar a discussão do conceito de Antropofagia, importante por seu papel na obra de Tarsila, no Modernismo brasileiro e na proposta de articulação do conjunto de obras selecionadas pelos curadores desta XXIV Bienal.


Para quê?

Para permitir ao aluno:
transformar dúvidas e associações em estímulos para o processo de conhecer arte;
começar a conhecer Tarsila, a Antropofagia e o Modernismo brasileiro;
perceber como Tarsila cria uma linguagem própria com o uso da cor, da deformação e da criação de formas e figuras com significado simbólico pessoal;
apropriar-se em sua atividade de criação dos conceitos de deformação e das possibilidades expressivas do uso da cor.
E também para introduzir a importância da discussão do conceito de antropofagia na concepção desta XXIV Bienal.

 
Como? (Quando? Onde?)

Questionar e associar...

Ao olhar com curiosidade a obra de Tarsila na XXIV Bienal, ou sua reprodução, e ao lembrar ou descobrir informações sobre ela, diversas indagações e associações são despertadas, de acordo com a experiência de vida de cada um.
Peça aos alunos para anotar as perguntas e associações que surgirem no contato com a obra de Tarsila e com as informações apresentadas neste percurso. Cada questão abre caminhos, pistas para investigar e decifrar os significados presentes na obra.
O professor não deve temer o surgimento de questões que não saiba responder. Se aparecer uma dúvida para a qual não tenha resposta, procure anotar, pesquisar e responder num momento posterior. Essa atitude pode contribuir para ensinar os alunos a não ter medo de enfrentar o que desconhecem.
As dúvidas anotadas pelos alunos podem ser retomadas em diversos momentos pelo professor, que pode sugerir projetos específicos de pesquisa em arte ou fornecer referências para avaliar os conceitos de arte incorporados pelos alunos durante esse percurso educativo.
O caminho sugerido pode ser ampliado e integrado de diversas formas dentro da proposta de aula de cada professor, ao incorporar outras associações, outros questionamentos, informações e atividades que julgar pertinentes.
Estas são algumas das interrogações que orientaram a organização deste percurso educativo para conhecer arte:
O que esta figura representa para mim? E para as outras pessoas? E para Tarsila?
Tarsila deu a este quadro o nome de "Abaporu". O que isso quer dizer? Por que esse nome?
Por que Tarsila do Amaral criou este quadro? O que motiva alguém a ser artista?
Por que a tela foi pintada desse modo, com esse tipo de linhas, de formas, de cores ...?
Quais as inquietações dos artistas na época em que o quadro foi feito, no Brasil e no mundo?
Qual a relação deste quadro com a Antropofagia? E com a Antropofagia na XXIV Bienal?
 

1. Tarsila na XXIV Bienal
A curadoria desta XXIV Bienal destacou a Sala Tarsila do Amaral como "ponto de partida e de convergència do Nöcleo Hist�rico da XXIV Bienal. (...) Sua obra supera o exotismo e se constitui em sìmbolo de um paìs que se conhece culturalmente, capaz de estabelecer voz pr�pria. Tarsila revela um momento em que o Modernismo brasileiro compreende a dinémica cultural de nossa sociedade e a riqueza de sua formaçâo ëtnica". Em Tarsila, "a Antropofagia ë um ìndice da capacidade brasileira de abrir-se para outras culturas, de compreender-se möltipla, mediante linguagem pr�pria". Segundo Carlos Zìlio, "a absorçâo que Tarsila faz do P�s-cubismo (...) estarž intimamente ligada Ç apreensâo do Brasil. (...) Essa devoraçâo do pai totèmico - a cultura europëia - para incorporar suas virtudes reforçando o pr�prio organismo - a cultura brasileira - serž evidenciado na pintura de Tarsila, pela maior subjetividade que adquire graças Çs influèncias do Surrealismo, o que se farž sentir pela inclusâo da mitologia brasileira. (...) Na fase antropofžgica vai ficar evidenciada esta relaçâo entre as duas culturas".

Pós-cubismo: Perìodo ap�s 1912, quando o Cubismo dž origem ou se mescla aos diversos outros "ismos" da arte moderna com que Tarsila e os modernistas entraram em contato na Europa, como o Dadaìsmo, o Futurismo, o Surrealismo.
Surrealismo: Movimento artìstico europeu da dëcada de 20 que enfatiza o papel dos sonhos, do inconsciente e do acaso na criaçâo artìstica, foi fortemente influenciado pelas idëias do psicanalista Sigmund Freud (1856-1939).
 

2. Antropofagia na XXIV Bienal
A curadoria prop§e o conceito de Antropofagia nesta Bienal tambëm como uma metžfora do processo de construçâo da identidade cultural: "Enquanto pržtica simb�lica, o canibalismo compreende que somos formados a partir do outro, algo que estž na base da Antropofagia como conceito dinémico incidente em diversos campos de cultura, ontem e hoje. A Antropofagia ë exercìcio de identidade". O texto da curadoria "Noventa e cinco entre mil formas de Antropofagia e canibalismo" registra alguns dos möltiplos sentidos em que o conceito de Antropofagia ë incorporado Ç XXIV Bienal: apropriaçâo, voracidade, genocìdio, comunhâo religiosa, metžfora sexual...

 
Conversar sobre o Abaporu

Convidar os alunos a parar durante algum tempo frente ao "Abaporu" (ou sua reprodução) e a olhar, sentir, questionar esta obra de arte.
Apresentar a experiência de leitura e busca de significados como um desafio: por que é assim? O que quer dizer? Como esses significados são representados formalmente na obra? O que cada um do grupo percebe e entende?
O principal papel do professor nessa discussão é o de mediar a conversa entre seus alunos, estimulá-los a perceber e expressar as primeiras reações e associações, compartilhando essas vivências com o grupo.
O repertório de informações e vivências sobre arte de cada aluno orienta e delimita as possibilidades de interpretação em sua experiência com o "Abaporu". Para criar condições que ampliem seus conceitos de arte, é importante que o professor se familiarize com o repertório dos alunos e procure respeitar suas referências particulares no processo de discussão.
Cada forma de olhar tem sua validade e traz sua contribuição para o grupo; não é uma questão de acerto ou erro. Ao falar com o grupo sobre a experiência que vive com esta obra de arte, cada aluno compartilha significados e cria possibilidades para ampliar sua visão de mundo e a de seus colegas.
Procure orientar a discussão propondo outras questões e incluindo novos conteúdos que auxiliem a aprofundar e decodificar as primeiras impressões, envolvendo os estudantes no percurso educativo sugerido sem excluir suas motivações pessoais, expressas em seus questionamentos (evite colocar na roda um excesso de informações sobre o artista e a obra, que podem inibir a participação dos alunos).
Pedir aos estudantes para escreverem sobre sua experiência com a obra e sobre a discussão facilita avaliar como foram incorporados os conteúdos sobre Tarsila, o movimento antropofágico, o Modernismo brasileiro e a XXIV Bienal que o professor julgou adequados incluir na discussão, verificando como relacionaram essas informações com as questões que levantaram e com seu cotidiano.
 

3. "Abaporu"
Tarsila descreve o Abaporu como "uma figura solitžria monstruosa, pës imensos, sentada numa planìcie verde, o braço dobrado repousando num joelho, a mâo sustentando o peso-pena da cabecinha minöscula. Em frente, um cacto explodindo numa flor absurda". A partir de comentžrios de uma amiga, que dizia que suas pinturas "antropofžgicas" (1928/1930) lembravam-lhe seus pesadelos, Tarsila identifica a origem de sua pintura desta fase: "S� entâo compreendi que eu mesma havia realizado imagens subconscientes, sugeridas por hist�rias que ouvira em criança", contadas na hora de dormir pelas velhas negras da fazenda. "Segui apenas uma inspiraçâo sem nunca prever os seus resultados. Aquela figura monstruosa, de pës enormes, plantados no châo brasileiro ao lado de um cacto, sugeriu a Oswald de Andrade a idëia da terra, do homem nativo, selvagem, antrop�fago..." (citaç§es da obra de Aracy Amaral).

Oswald de Andrade: (Sâo Paulo, SP, 1890 - Sâo Paulo, SP, 1954): Escritor brasileiro, te�rico e articulador do movimento modernista e da Semana de Arte Moderna de 1922. Casado com Tarsila de 1926 a 1930. Seus textos "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" (1924) e "Manifesto Antrop�fago" (1928) sintetizam o idežrio poëtico do Modernismo.
 

4. Movimento antropofágico
Ao receber, em 11 de janeiro de 1928, este quadro de Tarsila como presente de aniversžrio, Oswald de Andrade comentou, impressionado: "Ï o homem, plantado na terra". Conversando com ela e com o colega Raul Bopp, propuseram-se a fazer um movimento em torno deste quadro, dando origem ao movimento antropofžgico. Seu tìtulo foi composto consultando um dicionžrio da lìngua dos ìndios tupi-guarani. Abaporu vem de aba (homem) e poru (comer) e significa o mesmo que Antropofagia, que vem do grego antropos (homem) e fagia (comer) . Segundo Paulo Herkenhoff, curador-geral da XXIV Bienal "A Antropofagia ë o momento hist�rico de grande densidade no modernismo brasileiro (...), um momento de busca por emancipaçâo e atualizaçâo destes artistas". Emancipaçâo da tradiçâo acadèmica, da importaçâo atrasada de modismos europeus. Atualizaçâo em relaçâo Çs quest§es relevantes no local e momento em que vivem e Çs discuss§es contemporéneas de artistas de todo o mundo sobre os rumos da arte moderna.

Tupi-guarani: Os tupis foram o grupo indìgena brasileiro que teve maior contato com os colonizadores. Sua lìngua foi a mais falada no paìs nos primeiros sëculos ap�s o descobrimento. Milhares de palavras em tupi ainda sâo utilizadas na lìngua portuguesa falada no Brasil.
 

Investigar o uso da cor e da deformação na arte e no cotidiano

Conversar sobre o uso da deformação e da cor em Tarsila, comparando esses aspectos de sua obra com:
outras obras da artista realizadas na fase "antropofágica";
obras de Tarsila realizadas em outros momentos de sua carreira, como as de seu aprendizado com o pintor acadêmico Pedro Alexandrino ou as realizadas na fase pau-brasil;
obras de outros artistas que façam uso diverso da cor ou representem a realidade segundo outros padrões, selecionadas entre as reproduções e obras a que tiver acesso em sua escola ou entre as demais obras apresentadas nesta XXIV Bienal.
Partindo das colocações de Tarsila sobre o uso das cores adequado ao Brasil e da relação entre a realidade e a arte como forma de representação, pesquisar e discutir outros usos da cor e da deformação no cotidiano, como:
comparar as formas como as diferentes "tribos urbanas" criam sua identidade por meio do uso da cor (nas roupas, na maquiagem, nas lentes para os olhos...) e de alterações do corpo (musculação, cirurgia plástica, tatuagem, anéis no nariz...);
comparar o "realismo" reconhecido nas fotografias (como as feitas pelas famílias dos alunos) e a "deformação" na construção dos personagens de história em quadrinhos (por exemplo, a cabeça grande e as mãos com quatro dedos de vários personagens da Turma da Mônica);
comparar a diferença do uso da cor aplicada nos desenhos de histórias em quadrinhos e nos desenhos animados (é comum o uso de cores fortes, chapadas, sem variação de luminosidade) com seu uso "realista" nas fotos publicadas em revistas e nos filmes;
comparar o uso da cor para criar climas emocionais diferentes em produções de diversos gêneros (por exemplo, um filme de terror e um filme romântico).
Na discussão dos resultados dessas pesquisas, ao comparar o uso da cor e da deformação por artistas pertencentes a grupos culturais diversos, podemos avaliar como os alunos compreendem os diferentes modos como os indivíduos e as culturas enxergam o mundo e as interações entre o regional e o universal, e se relacionam suas descobertas a suas vidas. Essa avaliação pode ser feita por meio da participação na discussão ou por um texto que registre as impressões de cada aluno.

 

5. A cor em Tarsila
A cor ë um fen–meno estudado por especialistas de diversas žreas. Sua definiçâo e classificaçâo assume diferentes significados para cada um deles: o quìmico a estuda como pigmentos, compostos por diferentes elementos; o fìsico como comprimentos de ondas eletromagnëticas; o psic�logo a descreve em termos de percepçâo visual; enquanto o artista se apropria dela por seu conteödo sensìvel e seu potencial expressivo. Segundo Aracy Amaral, "criada na fazenda, a menina Tarsila tinha natural predileçâo pelas cores que lhe falavam do calendžrio das festas populares do interior paulista: 'Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrâo do gosto apurado... mas depois vinguei-me da opressâo, passando-as para as minhas telas: azul purìssimo, rosa violžceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradaç§es mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco. Pintura limpa, sobretudo sem medo de cénones convencionais. Liberdade e sinceridade, uma certa estilizaçâo que a adaptava Ç ëpoca moderna. Contornos nìtidos, dando a impressâo perfeita da disténcia que separa um objeto de outro'".

 

6. A realidade e a arte
Gleizes e Metzinger: "A realidade ë mais profunda e complexa que as receitas acadèmicas", "O mundo visìvel s� se torna o mundo real atravës do pensamento", "Um objeto nâo tem uma forma absoluta, tem vžrias, tem tantas quantas as dimens§es existentes no domìnio do significado". Picasso: "N�s devemos agradecer aos pintores a imagem que temos da natureza. N�s a percebemos atravës de seus olhos. (...) Eles criaram imagens que sâo aceitas como a verdadeira natureza, porque sua sintaxe estž bem estabelecida. (...) Na realidade, esta ë uma questâo de signos. (...) Ï uma convençâo estabelecida, nos comunicamos pelo uso destes signos". Fayga Ostrower: "Queira o artista ou nâo, (...) ao formar, ao dar forma Ç imagem, o artista ë obrigado a deformar (...) mesmo querendo inspirar-se em formas da natureza, o artista as abandona para criar formas de linguagem. Serâo formas especìficas, de acordo com a especificidade material de cada linguagem".

 

7. O regional e o universal
Tarsila fala sobre seu trabalho e a arte moderna: "Por que ignorar o que se passa no terreno artìstico quando os telegramas dižrios nos p§em em contato com as naç§es as mais distantes (...) Estamos numa grande ëpoca, assistimos a um renascimento formidžvel de letras e artes. (...) Sou profundamente brasileira, e vou estudar o gosto e a arte de nossos caipiras. Espero, no interior, aprender com os que ainda nâo foram corrompidos pelas academias" (citaç§es da obra de Aracy Amaral). Segundo o texto da curadoria sobre Tarsila, "a artista mesclava vanguarda e tradiçâo (...)". A tradiçâo da vida caipira numa fazenda no interior de Sâo Paulo, da formaçâo inicial com o pintor acadèmico Pedro Alexandrino, e de suas viagens conhecendo o Brasil com os modernistas. A vanguarda descoberta em seu contato com as propostas da arte moderna nos grupos de artistas modernistas brasileiros e em suas viagens para a Europa, marcadas por sua formaçâo artìstica com os cubistas Andrë Lhote, Albert Gleizes e Fernand Lëger .

Pedro Alexandrino (Sâo Paulo, SP, 1864 - Sâo Paulo, SP, 1942): Pintor brasileiro conhecido por suas "naturezas-mortas", formado pela Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1893.
André Lhote (Argentan, França, 1881 - Gif-sur-Yvette, França, 1955): Pintor francès com estilo cubista pr�prio, influenciado por sua admiraçâo da tecnologia industrial.
Albert Gleizes (Paris, França, 1881 - Avignon, França, 1953): Pintor e escritor francès. Em 1912 publicou, em parceria com Jean Metzinger, o livro Du Cubisme, obra importante como fundamentaçâo te�rica do movimento cubista.
Fernand Léger (Bordëus, França, 1885 - Paris, França, 1962): Pintor francès, escritor e professor de arte. Participou das primeiras manifestaç§es cubistas e fundou sua pr�pria academia em 1922.
 

Cor, forma e expressão

Essa investigação possibilita a introdução de conceitos sobre formas de representação da realidade por meio da discussão das relações entre a arte e a deformação - explicitando critérios culturais de "certo" e "errado" que os próprios alunos incorporam em relação aos seus desenhos - e de informações sobre conceitos relacionados ao uso da cor - matiz, tonalidade, saturação, claridade, cores primárias, secundárias, complementares, possibilidades de combinação etc. Essas informações podem ser introduzidas pelo professor na forma de aulas expositivas e/ou por meio da orientação da pesquisa dos alunos e/ou por meio da discussão de experiências práticas dos alunos em atividades sobre esses temas.
Propor aos alunos exercícios, individuais ou em grupos, que permitam criar diferentes versões de uma mesma obra:
pela alteração/deformação da proporção de partes das figuras escolhidas, procurando atribuir um significado pessoal ao resultado dessas modificações;
pela alteração das cores, estudando as diversas maneiras de utilizar os tons.
Para essas experiências, reproduzir um desenho, que pode ser o "Abaporu" ou algo criado pelos alunos. As cópias podem ser feitas por meio de xerox, usando uma mesa de luz ou um retroprojetor, quadriculando o desenho a ser reproduzido ou decalcando-o com papel carbono ou de seda. Ao copiar ou decalcar, os alunos podem introduzir voluntariamente alterações nos desenhos, modificando a posição em que colocam um papel sobre o outro, alongando ou encurtando determinadas partes.
As mesmas cópias, com ou sem "deformações", podem ser usadas nas experiências com a cor. Para que os alunos percebam o caráter material da cor em pintura, o ideal é utilizar diversos tipos de técnicas e materiais de desenho, como a colagem, lápis de cera, anilina, ou pigmentos (como as diversas cores de "pó xadrez") misturados com cola branca.
Se sua escola dispuser de uma sala de informática que os alunos possam utilizar, um programa de desenho simples, como o Paint, incluído entre os acessórios do Windows pode facilitar a realização de experiências com a cor e com a deformação a partir de uma mesma imagem arquivada na memória do computador.
Expor e discutir o resultado dessas experiências de criação com a classe oferece condições de avaliar a compreensão dos conceitos trabalhados e o quanto estão preparados para falar de arte como algo presente.

 

8. A arte e a deformação
Fayga Ostrower: "A seletividade representa um princìpio ordenador da pr�pria percepçâo. Reencontramos esse princìpio em qualquer comunicaçâo que façamos, mesmo fora da arte. Partindo de uma totalidade neutra - que seria a plenitude da natureza -, restringimo-la a determinados aspectos que consideramos mais importantes do que outros, que nos interessam sobremodo; estes, por serem significativos, acentuamos, a fim de formular o conteödo de nossa mensagem. Em essència, podemos dizer que a deformaçâo constitui um processo de acentuaçâo formal. O sentido pejorativo que envolve o termo 'deformaçâo' ou 'distorçâo' apenas revela que, aqui como em tudo, entram em jogo valoraç§es inconscientes". Monteiro Lobato: "Hž duas espëcies de artistas. Uma composta dos que vèem normalmente as coisas e em conseqÆència fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretizaçâo das emoç§es estëticas, os processos clžssicos dos grandes mestres. A outra espëcie ë formada dos que vèem anormalmente a natureza e a interpretam Ç luz de teorias efèmeras, sob a sugestâo estržbica excessiva".

 

Sugest§es de continuidade

Por que relativamente poucas mulheres tem o mesmo destaque que Tarsila no campo das artes?
"Abaporu" foi pintado em 1928. O que estava acontecendo nessa época, no Brasil e no mundo? Que relações podemos descobrir entre o quadro, a artista, o Modernismo brasileiro e o momento histórico? Por que esse quadro tem tanto valor para a história da arte brasileira e para o colecionador que o tem sob custódia?
Partindo da questão do porquê do título em tupi e da interpretação de Oswald de Andrade do quadro como representação do homem brasileiro, podemos investigar a forma como os artistas procuraram representar o brasileiro ao longo dos séculos. Como os índios são representados no decorrer da História pelos artistas, escritores, músicos e cineastas brasileiros? Como se relacionam essas representações dos índios com as atitudes tomadas em relação a eles pela sociedade brasileira ao longo de sua História? Como as pessoas de sua comunidade percebem os grupos indígenas? Como vivem esses grupos atualmente? Como você representaria os povos indígenas depois desta pesquisa?
Procure articular seu trabalho em conjunto com outros professores.

 

9. Modernismo brasileiro
Segundo Mžrio de Andrade, "a transformaçâo do mundo com o enfraquecimento gradativo dos grandes impërios, com a pržtica europëia de novos ideais polìticos, a rapidez dos transportes e mil e uma outras causas internacionais, bem como o desenvolvimento da consciència americana e brasileira, os progressos internos da tëcnica e da educaçâo, impunham a criaçâo de um espìrito novo e exigiam a reverificaçâo e mesmo a remodelaçâo da inteligència nacional. Isso foi o movimento modernista, de que a Semana de Arte Moderna ficou sendo o brado coletivo principal". Ainda segundo Mžrio, os principais objetivos do movimento modernista eram "o direito permanente Ç pesquisa estëtica, Ç atualizaçâo da inteligència artìstica brasileira e Ç estabilizaçâo de uma consciència criadora nacional" (citaç§es do catžlogo "Semana de 22"). A Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em Sâo Paulo, envolveu representantes das artes plžsticas, da literatura, mösica e dança, marcando o princìpio desse movimento artìstico, que discutia como criar uma arte brasileira autèntica, incorporando as propostas das vanguardas artìsticas europëias do inìcio do sëculo XX.

Mário de Andrade (Sâo Paulo, SP, 1893 - Sâo Paulo, SP, 1945): Escritor, music�logo, professor e defensor do patrim–nio artìstico e cultural brasileiro. Te�rico e articulador do movimento modernista e da Semana de Arte Moderna de 1922.
     



Tarsila do Amaral

Ëstudo para a Negra" - c.1923 - lápis sobre papel
23,5 x 18 cm - Coleção Fanny Feffer, São Paulo

 

Tarsila do Amaral
"Antropofagia" - 1929 - tinta a óleo sobre tela
126 x 142 cm - Coleção Paulina Nemirowsky
Fundação Nemirowsy, São Paulo

Glossžrio

Acadêmico: a partir do século XVI, as academias se institucionalizaram na Europa como referências para o ensino e a prática de arte. No Brasil, a primeira foi a Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, criada em 1820 seguindo os princípios neoclássicos da Missão Artística Francesa (1816).

Deformação: alteração da forma em relação a um padrão de percepção ou a uma norma de representação.

Vanguarda: termo de origem militar que designa as forças que vão à frente do movimento de um exército. Transposto para as artes, refere-se aos artistas que realizam um trabalho inovador, pesquisando e apontando novos caminhos para a criação artística.

  Bibliografia

AMARAL, Aracy A. "Arte na Semana de 22". São Paulo: Perspectiva e Bovespa, 1992.
________. "Tarsila: sua obra e seu tempo". São Paulo: Perspectiva e Edusp, 1975.
ANDRADE, Oswald. Manifesto Antropófago. "Revista de Antropofagia", n. 1, ano 1, maio 1928.
ASHTON, Dore. "Picasso on art : a selection of views". Londres: Thames and Hudson, 1972.
GLEIZES, Albert, METZINGER, Jean. "Du Cubisme" - 1912. In: HERBERT, Robert L (Org.). "Modern Artists on Art". N.J., 19??.
GONÇALVES, Agnaldo J. Síntese da Modernidade. "Revista Guia das Artes", n. 28, São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1992.
LÉGER, Fernand. "Funções da pintura". São Paulo: Nobel, 1989.
OSTROWER, Fayga. "Universos da arte". Rio de Janeiro: Campus, 1983.
"Semana de 22: antecedentes e conseqüências". Catálogo da exposição comemorativa do cinqüentenário. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 1972.
ZÍLIO, Carlos. "A querela do Brasil: a questão da identidade na arte brasileira". Rio de Janeiro: Funarte, 1982.