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Convite para visitar a XXIV Bienal

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Regina Silveira
Porto Alegre, RS, 1939




"Tropel"
1998 - estudo de intervenção na fachada do prédio da Fundação Bienal de São Paulo
Vinil recortado por plotter e aplicado à fachada

O quê?

A XXIV Bienal de São Paulo;
o conceito de curadoria;
o evento Bienal de Arte de São Paulo e o edifício da Bienal;
a obra de Regina Silveira.

Por quê?

Apropriar-se do conceito de curadoria, estabelecendo relações entre a arte e o repertório de cada indivíduo, é um modo de minimizar o afastamento e a insegurança do público frente à arte contemporânea.
Esse modo de aproximação permite desenvolver formas de pesquisar e vitalizar os diversos aspectos de nosso patrimônio cultural presentes em nossas comunidades. A obra "Tropel", de Regina Silveira, aponta para a discussão da presença da arte em nosso cotidiano.
Desse modo, os alunos podem perceber o papel da arte e da cultura na construção de sua própria identidade, compreendendo que esse processo é simultaneamente social e individual.


Para quê?

Para que os alunos:
tenham uma introdução à Bienal de São Paulo como instituição cultural;
conheçam a concepção curatorial desta XXIV Bienal de São Paulo;
compreendam o conceito de curadoria e a relação entre o estabelecimento de critérios e os valores pessoais;
percebam e criem relações significativas entre obras de arte diversas e entre estas obras e sua vida;
incorporem esse conceito a sua atividade de criação estudando como articular sua produção a outras
informações na forma de exposições ou livros.

 

Como? (Quando? Onde?)

Escolhas

Expondo aos alunos o conjunto de vinte reproduções com obras de artistas presentes na XXIV Bienal de São Paulo1, integrantes deste conjunto de Materiais de Apoio Educativo para o trabalho do professor com arte, propor a eles que escolham três destas imagens.
Conforme o tamanho da classe, pode ser adequado dividi-la em grupos de cinco a oito estudantes, todos trabalhando a partir do mesmo conjunto de imagens.
A partir dessa primeira escolha, feita sem qualquer orientação do professor quanto a possíveis critérios de seleção, pedir aos alunos que escrevam os motivos pelos quais optaram por estas obras. É importante criar condições para que se expressem da mesma forma que no momento da escolha, expondo os diversos tipos de critérios que adotaram, sejam esses relacionados a aspectos formais das imagens, aos temas, ao conhecimento do artista, a questões mais subjetivas etc.
Solicitar que voltem a observar as três reproduções e que anotem as semelhanças e diferenças que perceberem entre elas.
Pedir a todos os grupos que cada um de seus integrantes desenhe ou pinte uma nova imagem que possa ser incluída no conjunto das três que selecionaram inicialmente, de acordo com seus próprios critérios. Utilize qualquer tipo de material e de suporte a que tenha acesso em sua escola.
Uma vez terminada esta etapa, pedir a cada grupo que: indique para a classe as três obras que escolheram; expliquem quais os motivos dessa seleção; apontem as semelhanças e diferenças que perceberam; exponham e comentem as imagens que criaram. A partir da exposição de cada grupo, o professor pode organizar uma discussão com toda a classe, explorando os diferentes critérios de seleção que surgirem nas falas de cada equipe e procurando conduzir a atenção dos alunos para o enriquecimento das formas de olhar para o conjunto de obras de cada seleção e para a percepção dos diferentes critérios apontados diante do conjunto de imagens.
Essa experiência permite introduzir o conceito de curadoria2: por trás de cada exposição existem pessoas que selecionam e organizam as obras, as imagens e os textos que vemos expostos de acordo com seus critérios. Cada exposição conta uma história, e as formas como os diversos elementos que compõem uma mostra são articulados estabelecem possibilidades de caminhos de compreensão do conjunto do material exposto. Nesse sentido, o papel do curador em relação à exposição assemelha-se ao do editor de um livro, ao do diretor de um filme ou ao do regente de uma orquestra.

 

1. XXIV Bienal de São Paulo
Esta Bienal, sob direção curatorial do curador-chefe Paulo Herkenhoff e do curador-adjunto Adriano Pedrosa, está estruturada em quatro segmentos: Núcleo histórico, "Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.", Representações nacionais e Arte contemporânea brasileira.
Angélica de Moraes entrevista Paulo Herkenhoff: "O partido curatorial que estou propondo para a montagem é o de evitar fronteiras. Evitar salas separadas, espaços nacionais. Não queremos reproduzir um diagrama de fronteiras geográficas quando é a estrutura da obra que precisa ser destacada. Vamos manter o espaço da mostra aberto o máximo possível. (...) Vamos misturar obras deste e de diversos outros séculos. Tudo isso sob uma óptica brasileira. O tema da antropofagia é importante para a formação do Brasil e nos permite indagar sobre nossos precedentes na História da arte, quais são nossos paralelos e diferenças. (...) Estamos fazendo uma exposição histórica com significado para o presente. Isso tudo dentro da perspectiva do historiador italiano Giulio Carlo Argan, segundo o qual não se faz História sem crítica e não há cisão no tempo da História".

Núcleo Histórico: seu foco central surge a partir de uma busca por um momento especial e específico na História da cultura brasileira. Esse momento é o da Antropofagia. O Núcleo Histórico da XXIV Bienal propõe uma série de histórias de canibalismos, articulando diversas exposições individuais e coletivas.
 

2. Curadoria
Paulo Herkenhoff comenta sua articulação do trabalho com diversos curadores para Angélica de Moraes: "A XXIV Bienal está buscando mostrar a arte feita fora do centro, que é menos vista e analisada. (...) É importante olhar o periférico. Há alguma razão para estar à margem. (...) As representações nacionais são uma tradição da Bienal. Ela garantiu a São Paulo uma visão muito ampla da produção do mundo, talvez mais até do que a Bienal de Veneza. São Paulo conheceu artistas que são importantes, mas não circulam por pertencerem a países sem força política. (...) Quando escolhi os curadores do segmento europeu de Roteiros (panorama de arte contemporânea), eu já tinha definido claramente que não queria olhares centrais, hegemônicos. (...) Escolhi o belga Bart de Baere e a finlandesa Maareta Jaukkuri, profissionais que olham o periférico com muita atenção. (...) Trabalhamos para criar diversos níveis de leitura para a XXIV Bienal. Espero que essa exposição interesse tanto às crianças das escolas públicas de ensino fundamental e médio quanto aos doutores da USP. Espero, também, que o fato de gostar e não gostar seja subalterno ao por que estão ou não estão bem apresentados os argumentos curatoriais. Isso sim, é autêntico diálogo".

Paulo Herkenhoff: segundo A. de Moraes, "crítico de arte, administrador cultural e curador independente. Fazia arte conceitual nos anos 70, um tipo de arte que exige bom domínio dos conteúdos metafóricos e simbólicos que a imagem pode carregar. Suas análises buscam articular largas fatias de tempo, modo como pensa e realiza a XXIV Bienal, toda costurada pelo fio da História e da estética".
 

Projeto de pesquisa

As três obras escolhidas para cada grupo, seus critérios de seleção, suas comparações e as primeiras imagens que desenharam podem ser tomados como o princípio de um projeto de pesquisa, em que cada equipe procurará recolher em revistas, jornais, bibliotecas ou qualquer outra fonte de informação disponível referências de novas imagens ou novos textos que possam ser relacionados e integrados a este primeiro conjunto de elementos.
Este projeto pode ser finalizado com a produção de um caderno ou de um painel para ser exposto na classe pelos grupos, em que estudarão, sob a orientação do professor, diferentes maneiras de organizar o material que selecionaram, eventualmente dispensando elementos que sejam secundários em relação ao todo.
Durante a exibição dos cadernos ou painéis, o professor pode coordenar uma discussão sobre a experiência dos alunos na montagem desse material. A partir desse projeto, os alunos poderão perceber alguns dos aspectos envolvidos na realização de uma exposição, como: as dificuldades práticas para encontrar e conseguir imagens e textos adequados; a necessidade de selecionar o material que vai ser exibido de acordo com o espaço físico disponível; a vontade de organizar o que vai ser exposto de modo que as outras pessoas entendam o porquê de suas escolhas etc. Assim, estarão começando a compreender o que significa a realização de um evento do porte da Bienal de São Paulo3.
A curadoria é responsável pela concepção da mostra e por sua organização no espaço, apoiada por toda uma estrutura técnica, administrativa e educativa vinculada à fundação. Diferentes curadorias, roteiros, antropofagia.

 

3. Bienal de São Paulo
Inspirado nos moldes da Biennale di Venezia, o industrial de origem italiana Francisco Matarazzo Sobrinho idealizou, em 1951, a I Bienal Internacional de São Paulo. Inicialmente vinculada ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, do qual Matarazzo era presidente, ela foi se tornando um evento de grande porte, exigindo do MAM dedicação quase integral. Em 1962, já consolidada no Brasil e no exterior, a Bienal desligou-se do MAM e transformou-se em Fundação.
Kawall cita F. Matarazzo, criador das bienais: "Fundado o Museu de Arte Moderna de São Paulo, tornava-se imperativo um encontro internacional periódico de artes plásticas em nossa capital. A I Bienal é a concretização desse objetivo e evidencia que São Paulo e o Brasil estão a altura de promover, com êxito, de dois em dois anos, este festival internacional de arte. É feliz coincidência permitir que a segunda se realize por ocasião do IV Centenário da Fundação da Cidade. (...) Tudo contribuiu para que (...) pudéssemos ter uma consciência maior e mais explícita dos valores artísticos nacionais em confronto com as grandes realizações artísticas de outros países. Uma expressão do espírito humano só atinge seu ponto de plenitude (...) quando encontra correspondência e compreensão em outros homens e povos".

 

"Tropel", de Regina Silveira

Esta obra de Regina Silveira, realizada sobre a fachada do edifício do pavilhão da Bienal de modo a ser vista diariamente por milhares de passantes durante a realização do evento, pode ser considerada um convite para visitar a XXIV Bienal de São Paulo. As pegadas deixadas pelos diversos tipos de animais criam um caminho, uma trilha que conduz ao edifício da Bienal4. Sua mera presença no meio urbano desperta o desejo de se aproximar e satisfazer a curiosidade de saber por que existe, o que significa, quem fez, com que material foi feita...
Os diversos tipos de pegadas de animais representadas na obra de Regina Silveira sugerem variados modos de caminhar, com passos de extensão, velocidade e ritmos diferentes. Tropel é definido pelo "Aurélio" como sendo um "agrupamento de pessoas a moverem-se em desordem", e também como o "ruído ou tumulto produzido por multidão ao andar ou se agitar". Esta movimentação inquieta, para varias direções, lembra o ambiente que encontramos ao visitar uma Bienal, em que critérios pessoais naturalmente conduzem a diferentes prioridades na seleção de artistas e obras a visitar, levando à criação de diferentes percursos na visita à XXIV Bienal.
Tropel sugere também uma passagem apressada, corrida, ansiosa (fugas/buscas), como a de quem vai a uma mostra tão grande e quer ver tudo de uma só vez. Escolher trabalhar com seus alunos um número limitado de obras pode ser um modo de assegurar uma experiência mais densa com a arte.
A partir da experiência vivida com os Materiais de Apoio e com a monitoria do evento, experimente criar suas próprias trilhas em sua visita à XXIV Bienal, adequadas à maneira como formula os objetivos do ensino de arte, começando a perceber as possibilidades de realizar diferentes caminhos, seleções e roteiros para se aventurar nessa "expedição".

 

4. Edifício da Bienal
A IV Bienal foi definitivamente instalada no Pavilhão Ciccillo Matarazzo em 1957: o prédio possui 30 mil metros quadrados em concreto e vidro projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e localizado no Parque Ibirapuera. Na visita à Bienal, procure apontar para os alunos as características modernas específicas do edifício, suporte da obra de Regina Silveira, como a construção em concreto armado, as grandes janelas abertas para o parque, as colunas esculturais criadas por Niemeyer para as rampas e a transparência entre os vários andares.
Oscar Niemeyer participou como arquiteto no projeto do edifício da Bienal entre 1953 e 1957. Em 1997, comenta a importância do espaço para a cultura ao sugerir modificações para os edifícios do Ibirapuera: "Usando os três prédios já construídos no parque que imaginamos um grande centro de cultura, tão completo como outro que, talvez, não exista no mundo. Num deles continuaria a Fundação Bienal, organizando as grandes exposições internacionais. No segundo, uma espécie de Centro Georges Pompidou, de Paris, convocando a juventude para os assuntos da cultura, com cinema, multimídia, bibliotecas, pequenos auditórios, bares. Ele criaria na juventude da cidade um interesse pela cultura e pela arte, que muitas vezes falta. No terceiro prédio ficaria o ensino, com grandes e pequenos ateliês para pintura, escultura, gravura etc.".

Oscar Niemeyer: (Rio de Janeiro, RJ, 1907): arquiteto conhecido especialmente pelos monumentais e poéticos edifícios que desenhou para Brasília (de 1955 a 1958), a capital que planejou e construiu com Lúcio Costa. Ele diz: "Arquitetura é invenção. (...) A minha é a busca pela beleza, a busca por formas diferentes dentro das milagrosas possibilidades dos objetivos técnicos e funcionais".
 

Visitando a XXIV Bienal

Tendo a oportunidade de visitar a Bienal com sua classe, procure parar por algum tempo em um lugar de onde possa observar a fachada do prédio em que foi instalado o "Tropel", de Regina Silveira5, discutindo com os alunos como eles vêem esta obra.
Propor uma série de perguntas pode ser uma forma de mobilizar os alunos para esta discussão. Por exemplo:
Por que fizeram isso na parede do prédio?
Parece uma pichação?
O que acham de uma obra de arte ser exposta
na rua, onde todos que passam podem ver?
Essas pegadas6 vão ser retiradas da parede quando esta Bienal terminar. Gostariam que elas continuassem no prédio por mais tempo?
Que bichos são esses?
Aonde eles foram?
O que estavam fazendo aqui?
Por que as pegadas vão ficando maiores à medida que se dirigem para o alto do prédio?
A artista desenhou essas pegadas e instruiu pessoas de uma empresa para cortá-las numa espécie de plástico e colá-las na fachada. Quando outras pessoas ajudam um artista a realizar sua obra, elas também estão criando
algo?
Procure criar suas próprias questões, e registre aquelas feitas por seus alunos. A partir dessa conversa, proponha que cada aluno procure durante sua visita à Bienal mais duas obras que possam compor um conjunto com esta instalação7 de Regina Silveira.
Ao retornar à sala de aula, organizar uma discussão em que cada um comente suas escolhas para a classe e por que as selecionou. Dessa forma, o professor pode integrar a recuperação de experiências vividas durante a visita e dos conceitos trabalhados nesse percurso.

 

5. Regina Silveira
Segundo T. Chiarelli, Regina Silveira enfatiza "a idéia de arte fundamentalmente como projeto a ser realizado, idéia a ser executada, (...) nas séries de desenhos preparatórios feitos pela própria artista para visualizar suas instalações. (...) A imagem vai sendo pensada e repensada como forma até atingir sua primeira concreção na maquete e, finalmente, no espaço da instalação. (...) Visceralmente agregada a essa concepção mais conceitual do que operativa da arte, está presente em Regina Silveira a certeza de que, nos dias de hoje, as artes visuais formam um universo já devidamente codificado, um conjunto de repertórios de signos em grande medida já exauridos, e que o papel do artista é justamente atuar entre esses códigos, subvertê-los, transformar de novo em incógnita aquilo já tantas vezes banalizado. (...) Seu campo de operação é fazer de novo obscuro o ato de ver, sombrear a percepção trivializada do outro".
R. Silveira declara a Angélica de Moraes: "Meu trabalho dialoga com o Maneirismo e com toda a história do Ilusionismo, do qual os surrealistas são a manifestação deste século. Também busco no Surrealismo a questão da representação da ausência. Há muitos dados do Surrealismo que me interessam. De Chirico, sem dúvida, foi um grande mestre. Estou na pista dele. (...) O próprio Duchamp diz que a arte é menos retiniana e mais mental no Surrealismo, dentro da dimensão do subconsciente. Todo o meu trabalho remete à História da arte, passada e recente. Mas isso se faz por intermédio do conceito e nunca da citação direta".

De Chirico: (Giorgio De Chirico, Volo, Grécia, 1888 - 1978): segundo Angélica de Moraes, "De Chirico cumpre papel semelhante, embora menos denso de percurso teórico inspirador. As sombras alongadas e os impactantes índices de ausência que infundem magia às pinturas metafísicas de De Chirico têm parentesco visual com a série de trabalhos de Regina Silveira enfeixados sob o título 'In absentia'".
Duchamp: (Marcel Duchamp, Blainville, França, 1887 - 1968): segundo Angélica de Moraes, no trabalho de Regina "Duchamp é homenageado na série 'In absentia' com silhuetas de algumas de suas obras mais famosas: 'Roda de bicicleta' e 'Portas-garrafas'. (...) Para comentar um poder benigno: a influência desse precursor da arte conceitual neste século, quando ele incidiu a reflexão estética sobre um dos aspectos que melhor caracterizam o século XX, ou seja, o objeto industrial produzido em série".
 

6. Pegadas
Segundo Angélica de Moraes, "desde Platão e o mito da caverna a sombra é vista como índice ou simulacro da realidade. (...) Na obra de Regina Silveira, a sombra (...) indica a impossibilidade de se transpor o real para o representado. (...) O projeto ganha densidade de conotação dramática quando somado a conteúdos paródicos e a intenções políticas. (...) Essa mesma linha de trabalho vem ultimamente se expandindo para obras em contato cada vez mais estreito com os códigos do espaço arquitetônico que as abriga. (...) 'Gone wild', encomendado pelo Museu de Arte Contemporânea de San Diego (Califórnia, Estados Unidos) para o hall principal do prédio - projetado por Venturi com uma profusão de colunas e interferências -, foi um desafio vencido pela criação de uma simbologia de imagética inédita na obra da artista. Provocada pelas manchas da pelagem de cães dálmata desenhadas pelo arquiteto para o chão desse local, Regina Silveira utiliza-se do rastro de coiotes em galope pelas paredes. Essa obra refere-se não apenas a um animal selvagem característico da região mas também aos fronteiriços que fazem o transporte clandestino e a legalização fraudulenta de imigrantes 'chicanos' em demanda dos Estados Unidos. Novamente, o fascínio pela anotação visual de conteúdo político. Como sempre, dentro de uma poderosa armação formal".

 

7. Instalaçâo
Regina Silveira declara a Angélica de Moraes: "Meu trabalho existe para o olho e o lugar. (...) O deslocamento do olhar é algo importantíssimo em meu trabalho. Conto com ele o tempo todo para a transformação e o desmantelamento das imagens. Esses espaços que crio nas instalações são fortemente construídos, muito diferentes do espaço real percebido. Quando o espectador entra e se conecta com um desses espaços que enxerto no espaço real, a relação é de armadilha e presa. (...) No momento em que alguém se situa nesse campo visual do espaço geométrico (que é um espaço que cria conflito com o espaço percebido porque está cheio de coordenadas que não combinam com as coordenadas da percepção), fica com todos aqueles parâmetros grudados no olho. O espaço se deforma e se distorce de acordo com esse deslocamento do observador. É como se o observador carregasse, presa no olho, a malha que não está representada, mas que serviu para fazer aquele trabalho".

Trabalho: segundo Regina Silveira: "Meus projetos sofrem mudanças maiores na etapa do desenho, que é a fase da concepção mais profunda da obra. (...) Quando chego mais próximo daquilo que quero realizar, tudo passa a ser um problema mecânico de tamanho ou de meio, que chega a dispensar minha presença para a execução final. Como fica tudo perfeitamente determinado no projeto desenhado, no estágio seguinte, de ampliação e finalização, meu trabalho pode ser executado por assistentes."
 

Sugestões de continuidade

Procure pesquisar com seus alunos o que é a perspectiva e discutir com a classe esta afirmação que Regina Silveira fez a Angélica de Moraes: "A perspectiva8 seria a descoberta das aparências do mundo por meio daquilo que poderia ser uma visão científica da realidade. Desde o momento em que ela foi inventada, porém, já criou sua contraposição, sua situação de hipótese questionável. Ou seja: até que ponto a perspectiva não é também uma construção artificial? Que olhar é esse que equaciona e resolve tudo por apenas duas coordenadas? A perspectiva é uma convenção tão arbitrária quanto todas as outras".
Esta discussão pode se prolongar ao longo de várias aulas, de acordo com a capacidade do professor de propor atividades que mantenham o interesse dos alunos pelo tema, desenvolvendo um projeto que pode se estender ao longo do ano.
Por exemplo, o Material de Apoio referente à obra de Francis Bacon sugere uma atividade onde os alunos se retratam a partir de suas sombras projetadas pelo sol ou por focos de luz em papéis de tamanho grande, a partir desta experiência pode ficar mais claro o conceito de perspectiva como um código para projetar aspectos da realidade numa superfície bidimensional. Outras atividades podem ser propostas a partir da discussão da relação entre a perspectiva e a construção dos códigos utilizados na criação da imagem fotográfica (os Materiais referentes a Mark Adams e a Esko Männikkö podem contribuir para estabelecer esta comparação).
Compreendendo o conceito de curadoria e sua participação na organização desse evento, o professor pode retomar essa experiência quando for estudar o acervo de outras instituições com que pretende trabalhar. Procure entender seu propósito, a maneira como organiza as informações/objetos que colecionou e as possibilidades de utilização em suas propostas de trabalho.
Envolva seus alunos nesse processo de pesquisa acerca da instituição cultural e na discussão de suas descobertas: quando foi criada? Por quem? Com que objetivos? Qual sua estrutura física? Quais seus critérios de seleção de objetos/informações? Há algum conceito sobre o que é arte entre esses critérios? Quem a financia? O que representa para a comunidade local? Que tipo de atividades oferece? Quais os especialistas de que dispõe? Como esses aspectos se modificaram ao longo do tempo?
A exposição organizada de um acervo é uma forma de contar uma história (ou mais) por meio da disposição de objetos e informações. É importante ter clareza de que a estrutura de organização dos objetos/informações apresentada não é a única possível. Percebendo porque foi montada assim, podemos pensar em propor outras "histórias"9 a partir dos mesmos elementos, dando origem a novos projetos de curadoria que gerem percursos educativos para conhecer arte, adequados aos objetivos do professor.

 

8. Perspectiva
Segundo Regina Silveira, "quando iniciei meus investimentos em instalações gráficas, planejando sombras que cobrissem espaços estendidos ou ambientes de grandes dimensões. (...)A perspectiva resultante mostrou uma complexidade a mais: a aparência constantemente mutável da silhueta, derivada da soma de pontos de vista e ângulos visuais dos observadores em deslocamento. (...) Mesmo existindo um lugar ótimo para visualização, (...), minha pretensão não é corrigir distorções, em busca de ilusão perfeita. A direção, oposta, é apontar as infinitas ambigüidades da perspectiva (...) apesar do apoio nos códigos históricos, minha intencionalidade é radicalmente outra: não quero a verossimilhança (...) e sim o jogo crítico com a aparência projetiva. Para tanto, minhas geometrias deliberadamente carecem de rigor e são o resultado de diversas escolhas livres que fiz, em termos de medidas, posições e mistura de códigos, sempre em função de uma forma pré-determinada, aquela que as silhuetas deveriam ter, ainda antes do início de sua construção."

Perspectiva: Regina Silveira comenta o que leu sobre o "Maneirismo e sobre os perspectivistas, que faziam anamorfoses, isto é, distorções de imagens. Eles partiam da noção de que a perspectiva é um dado para a fantasia, uma ponte para o maravilhoso e não para uma aproximação científica da realidade visual".
 

9."Histórias"
Ana Mae Barbosa, em "História da arte educação", coloca em discussão o próprio conceito de História: "A História não é uma ciência, porque seu rigor é crítico e não meramente factual"; "Onde estão as diferenças entre estória e história? O historiador é antes de tudo um contador de histórias. Para White, 'História é um conjunto de documentos que atestam a ocorrência de eventos, mas que podem ser ajuntados de inúmeras maneiras, seguindo diferentes narrativas plausíveis, embora algumas vezes contraditórias, que contam o que aconteceu no passado'"; "História não é uma questão de evidência, mas uma tarefa analítica que resulta de ideologia, imaginação e plausibilidade"; "História é imaginação e ajuda a liberar a imaginação. Essa concepção de História estabelece uma relação menos limitada entre cultura e tradição. Somente os seres humanos podem inventar e mudar a cultura. Contudo, para ser humano, o indivíduo precisa estar imerso educacionalmente em sua tradição".

 

Glossžrio

Acervo: o conjunto das obras que pertencem à coleção de um museu, uma biblioteca ou uma instituição cultural.

Arte Contemporânea Brasileira: os critérios para seleção abrangem a densidade dos significados e a compreensão de que a Antropofagia é uma estratégia cultural (...) com validade para o presente (...) não se fixa como estilo, mas como capacidade de absorver criticamente, apropriar-se de influências e elaborá-las com linguagem própria.

Curador: a pessoa que seleciona e articula as obras e informações presentes numa exposição, conceituando a própria mostra.

Representações Nacionais: neste segmento, instituições em todos os países representados são convidadas a apontar curadores, que por sua vez escolhem um artista para exibir na XXIV Bienal.

"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.": o título desta exposição foi retirado do "Manifesto Antropófago", de Oswald de Andrade. No "Manifesto", a palavra "roteiros" é repetida sete vezes, e sete são as regiões das quais nove curadores, alguns trabalhando em dupla, selecionaram artistas: África, América Latina, Ásia, Canadá e Estados Unidos, Europa, Oceania, Oriente Médio. Todos os curadores buscaram ressonâncias ao "Manifesto" e ao conceito de antropofagia.

Patrimônio cultural: o conjunto dos bens e das tradições culturais.

  Bibliografia

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__________ (Org.). "História da arte educação: primeiro simpósio internacional. São Paulo: Max Limonad, 1986.
CUNHA, Maria C.P. (Org.). "O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania". São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
D'ALAMBERT, Clara, MONTEIRO, Marina G. "Exposição: materiais e técnicas de montagem". São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
DUPRAT, Maria C. "Manual de orientação museológica e museográfica". São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1987.
FREIRE, Paulo. "Ação cultural para a liberdade e outros escritos." Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
FUSARI, Maria F. de Rezende, FERRAZ, Maria Heloísa C.T. "Arte na educação escolar". São Paulo: Cortez, 1993.
GLANCEY, Jonathan. Niemeyer recebe prêmio de instituto inglês aos 91 anos. "O Estado de S. Paulo".
KAWALL, Luis E.M. "Artes reportagem". São Paulo: Centro de Artes Novo Mundo, 1972.
MORAES, Angélica de. Telas da Bienal: Bienal terá telas de Van Gogh, Bacon e Magritte. "O Estado de S. Paulo".
__________ (Org.). "Regina Silveira: cartografias da sombra". São Paulo: Edusp, 1995.
PARSONS, Michael J. "Compreender a arte: uma abordagem à experiência estética do ponto de vista cognitivo". Lisboa: Presença, 1992.