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TATOO? TA-TATAU
O olhar de Mark Adams

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Mark Adams
Christchurch, Nova Zelândia, 1949




"Chalfont Crescent, Mangere, South Auckland - Su'a Suluape Paulo II, Tufuga Ta-Tatau"
1985 - cibacromo
100 x 125 cm

O quê?

O olhar fotogržfico: documental ou artìstico?
antropofagia do olhar sobre outra cultura: quem ë o artista, o fot�grafo ou o tatuador?
arte e ritual na tatuagem samoana;
os rituais em nossa cultura.

Por quê?

A compreensâo dos processos de criaçâo da imagem fotogržfica e de suas relaç§es com a realidade podem ser um meio para perceber que a realidade pode ser apreendida de möltiplas formas. Diferentes vis§es de mundo coexistem dentro da sociedade contemporénea, assim como conceitos divergentes sobre a arte e a natureza do trabalho do artista.
A fotografia pode ser examinada como se fosse uma janela para conhecer novos mundos, valores culturais diversos, criando condiç§es para compreender melhor tanto nossos pr�prios valores quanto o modo de ser dos outros.
A leitura dos significados desta fotografia de Mark Adams abre possibilidades para discutir os rituais presentes na sociedade contemporénea, sua relaçâo com a arte e os motivos pelos quais devem ser registrados e preservados.


Para quê?

Para permitir aos alunos:
discutir a rica relaçâo entre a imagem fotogržfica e o assunto fotografado; reconhecendo a fotografia1 como instrumento de registro e como meio de expressâo pessoal;
perceber como o interesse antropofžgico de um artista num ritual pouco conhecido o torna visìvel e passìvel de admiraçâo para a sociedade contemporénea;
conhecer um pouco do ritual do tatau, como um valor de outra cultura, como referència para reconhecer valores que, compartilhados, possibilitam o desenvolvimento de uma consciència transcultural.

 

1. A fotografia
Segundo Arlindo Machado, "toda fotografia ë sempre um reténgulo que recorta o visìvel. O primeiro papel da fotografia ë selecionar e destacar um campo significante, limitž-lo pelas bordas do quadro, isolž-lo da zona circunvizinha que ë sua continuidade censurada. O quadro da cémera ë uma espëcie de tesoura que recorta aquilo que deve ser valorizado, que separa o que ë importante para os interesses da enunciaçâo do que ë acess�rio, que estabelece logo de inìcio uma primeira organizaçâo das coisas visìveis". Para Dubois, "com a fotografia, nâo nos ë mais possìvel pensar a imagem fora do ato que a faz ser. A foto nâo ë apenas uma imagem, (...) ë tambëm, em primeiro lugar, um verdadeiro ato ic–nico, uma imagem, se quisermos, mas em trabalho, algo que nâo se pode conceber fora de suas circunsténcias, (...) uma imagem-ato, estando compreendido que esse 'ato' nâo se limita trivialmente ao gesto da produçâo propriamente dita da imagem, (...) mas inclui tambëm o ato de sua recepçâo e de sua contemplaçâo. (...) Vè-se com isso o quanto esse meio mecénico, �ptico-quìmico, pretensamente objetivo, do qual se disse tantas vezes no plano filos�fico que se efetuava 'na ausència do homem', implica de fato ontologicamente a questâo do sujeito, e mais especialmente do sujeito em processo".

Icônico: relativo aos signos que representam por semelhança o mundo real. Aqui Dubois estž falando do "ato ic–nico", diferenciando a imagem considerada como um objeto em si e a imagem vista como parte de um processo que envolve todas as fases desde sua criaçâo atë sua recepçâo.
 

Como? (Quando? Onde?)
Fotografia é arte?
Ao observar numa Bienal de artes tantos artistas que utilizam a imagem fotogržfica, por vezes mesclada a outras tëcnicas, no processo de criaçâo de suas obras, ë comum encontrarmos entre o pöblico questionamentos sobre o valor artìstico da fotografia. Uma imagem criada em segundos pode valer tanto quanto uma que levou horas ou dias para ser criada, usando tëcnicas tradicionais de pintura ou de desenho?
Desde sua criaçâo, em 1826, hž discuss§es sobre o caržter artìstico ou meramente documental da imagem fotogržfica. Essa discussâo, resolvida hž muito tempo no meio artìstico com o reconhecimento das possibilidades de criaçâo envolvidas no ato fotogržfico, nâo teve suas conclus§es inteiramente assimiladas pela sociedade atë os dias de hoje.
O uso da mžquina no processo de criaçâo fotogržfico e o uso dessas imagens como registro cientìfico e documental associam a fotografia com valores ligados Ç tëcnica e Ç concepçâo de realidade vigente nos meios cientìficos, distante do que muitos compreendem como arte. As imagens criadas pela cémera sâo aceitžveis como provas de acontecimentos atë mesmo em tribunais, testemunhas imparciais de um fato, como se a realidade fosse transposta diretamente para o papel pela mžquina.
Por outro lado, a adoçâo dos recursos da fotografia por diversos movimentos de arte moderna e contemporénea e a exposiçâo de fotos como obras de arte em museus e galerias parecem confirmar o reconhecimento social do valor dessas imagens como arte. O caržter artìstico da imagem fotogržfica ë determinado pelo fot�grafo, que decide qual vai ser seu tema, seleciona o enquadramento, o instante e as condiç§es em que a cena vai ser registrada e determina as caracterìsticas da imagem finalizada pelo processo de revelaçâo e ampliaçâo.
Converse com seus alunos sobre o que conhecem ou imaginam a respeito da fotografia, seu processo de criaçâo, e seu valor como arte. Ap�s a discussâo, o ideal seria conseguir que visitassem e conhecessem os procedimentos de um laborat�rio fotogržfico (melhor ainda seria uma visita a um fot�grafo em seu ateliè). Assim, estarâo mais preparados para observar a reproduçâo da fotografia, que acompanha o Material de Apoio, ou para visitar as obras de Mark Adams na XXIV Bienal2.

 

2. Mark Adams na XXIV Bienal
O fot�grafo neozelandès Mark Adams foi selecionado pela curadora Louise Neri para integrar o m�dulo Roteiros Oceania, apresentando uma sërie de fotos sobre o ritual da tatuagem samoana, praticada por imigrantes na Nova Zeléndia. Adams declara: "Estou tâo interessado na violència dos encontros coloniais quanto na feita ao corpo ao ser tatuado. (...) Em 1978, a Nova Zeléndia nâo era Polinësia. Nâo tìnhamos contato com moradores das ilhas do Pacìfico. (...) Estava interessado em conhecer Paulo como um contemporéneo que estž fazendo um trabalho interessante, nâo como um tatuador tradicional (...) fora do tempo e da Hist�ria. (...) Se Paulo e sua famìlia e todos os outros samoanos uma vez foram 'aquilo que vocè nâo conhece' para mim, agora eles certamente nâo sâo mais aquilo. Assim, se a disténcia conquistada pela alteridade ë reduzida ou removida, talvez as discuss§es sobre quem tem o direito de representar quem e o que diminuam proporcionalmente. Ou talvez nâo importem mais. Talvez o que seja mais importante nâo seja a tatuagem como afirmaçâo de identidade e conex§es culturais, mas simplesmente sua provaçâo como ritual de afirmaçâo".

 
Observando a cena
Peça aos alunos para observarem o que estž acontecendo nesta cena.
Como podemos reconhecer que isso ë uma fotografia?
Hž algum indìcio de que o rapaz acaba de ser tatuado?
Por que o homem tatuado3 estaria de pë e de costas?
Qual ë o foco principal desta cena? Para onde seu olhar se dirige?
Os dois homens sentados, que olham para o fot�grafo, estâo fazendo alguma coisa ou apenas posando? Qual seria a relaçâo entre eles e o homem tatuado?
Como ë o ambiente em que eles estâo?
 

3. O homem tatuado
A arte da tatuagem ë amplamente difundida em toda a Polinësia, mas ë na Ilha de Samoa, na Oceania, que essa pržtica permanece mais forte, apesar da repressâo dos missionžrios no perìodo de colonizaçâo. Lž, a tatuagem ë reconhecida como um rito de passagem necessžrio para os meninos adolescentes, que, ap�s terem sido tatuados, passam a ser aceitos como membros dos aumaga (associaçâo de homens jovens) e tambëm passam a ter o direito de servir aos matai (os chefes). Ser tatuado ë uma experiència dolorosa e extenuante: uma ferramenta similar a um pente ë embebida em pigmento e repetidamente martelada sobre a pele. Segundo Thomas, ë "um rito de iniciaçâo, representa respeito aos antepassados, maturidade, conhecimento e poder para os jovens". A tatuagem ë um trabalho de beleza, que fala da força interior e da capacidade de recuperaçâo. Ï vista como um tesouro, um degrau para a masculinidade, que dž ao tatuado poder e respeito. A tatuagem que se vè nesta foto chama-se pe'a, que tanto pode significar tatuagem quanto raposa voadora. Os homens sâo tatuados desde a cintura atë os joelhos. O desenho ë feito com finas linhas paralelas, zonas mais escurecidas e uma grande cadeia de motivos e estampas geomëtricas. Dizem que as asas da raposa voadora envolvem e protegem seus jovens. Assim, a pe'a seria como uma segunda pele, que protege e dž coragem Çquele que nela foi envolto.

Tatuagem: a palavra vem do termo taitiano "tatau", a partir do inglès "to tattoo" e do francès "tatouage".
 
Fotografar é recortar um pedaço do mundo
Peça aos alunos que dobrem uma tira de papel (cerca de 15 x 7 cm) em sua metade horizontal e depois em sua metade vertical. Bem no centro, peça para que façam um pequeno buraco (nâo mais de 2 mm). Assim, terâo uma tira com uma pequena janela.
Peça para que aproximem essa "janela" do olho. Atravës dela, estarâo vendo apenas um recorte4 do lugar onde estâo. Oriente-os para que girem o corpo, sempre olhando atravës do furo. Dessa maneira, estarâo selecionando cenas de maneira similar a que faz um fot�grafo. Peça que escolham as cenas que mais gostaram e procurem fazer um desenho que a represente. Converse com a classe sobre como cada um escolheu sua cena.
Essa experiència permite perceber que, quando o fot�grafo resolve disparar o botâo para que a mžquina funcione, estž decidindo deixar muitas coisas do lado de fora do quadro: seu olhar seleciona e organiza os elementos que comporâo a foto de um modo que seja significativo para ele. Investigue com o grupo a diferença entre a imagem refletida no espelho e a imagem fotogržfica (o Material de Apoio "A sala de espelhos de Ken Lum: lugar de mem�rias e estranhamentos" pode fornecer algumas indicaç§es para facilitar essa comparaçâo).
 

4. Recorte
Ulpiano T. Bezerra de Meneses comenta que, "afinal, 'arte primitiva' ë coisa de civilizado... As sociedades complexas ë que desenvolveram categorias de objetos artìsticos, produzidos por artistas, veiculados num circuito pr�prio (mercado artìstico, coleç§es e instituiç§es), para uma fruiçâo basicamente visual. Mesmo produtos de fora desse sistema sâo a ele sempre incorporados, embora em graus varižveis. E nada hž de mal nessa digestâo, salvo se ela nâo deixar espaço para as diversas significaç§es que as mesmas coisas podem apresentar, nas trajet�rias que cumprem, principalmente fora de seu hžbitat de origem". O escultor Henri Moore comenta como aprendeu a refletir sobre esse tipo de arte em suas visitas a museus: "A arte primitiva ë uma mina de informaçâo para o historiador e o antrop�logo, mas, para entendè-la e apreciž-la, ë mais importante olhž-la que aprender a Hist�ria dos povos primitivos, sua religiâo e costumes sociais. (...) Tudo o que ë realmente necessžrio ë reagir de forma receptiva Çs pr�prias esculturas, que tèm uma vida pr�pria, independentemente de quando e como vieram a ser feitas, e permanecem tâo plenas de sentido escultural hoje como no dia em que foram concluìdas, para aqueles suficientemente abertos e sensìveis para percebè-las".

 

Além dos limites da foto
Voltando a observar a fotografia de Mark Adams, solicite aos alunos que descrevam como imaginam a continuidade desse ambiente alëm das bordas da fotografia. Como apoio para esta proposta, o professor pode preparar uma c�pia reduzida da imagem criada pelo fot�grafo com grandes margens brancas a seu redor, pedindo aos alunos que desenhem nas margens como a cena continua alëm de seus limites.
Ao avaliar a experiència com o grupo, procure observar se alguëm se lembrou de incluir o fot�grafo na cena, se nâo, aponte esta questâo para os alunos e converse sobre a presença do fot�grafo, do cineasta ou do videomaker oculta em cada fotografia, cena de filme ou de vìdeo.

A fotografia como revelaçâo de outros mundos
Peça aos alunos para identificarem nesta foto tudo o que eles consideram como elementos comuns Ç cultura ocidental e os que parecem pertencer a uma cultura aut�ctone.
Pergunte a eles:
O que esta cena traz de novo, de desconhecido?
Por quais outros meios poderìamos conhecer imagens de rituais de outras culturas5, sem precisarmos ir ao local onde ela ocorre?
O fot�grafo que assiste e documenta esse ritual de iniciaçâo6, ao mesmo tempo em que conhece uma manifestaçâo de outra cultura, tambëm se torna um mensageiro dela para os que vâo ver suas fotos.
Discuta com seus alunos atë que ponto o fot�grafo estž dentro ou fora do ritual.

 

5. Outras culturas
Segundo Henri Moore, "o termo 'arte primitiva' ë genericamente usado para incluir a produçâo de uma grande variedade de raças, perìodos hist�ricos, sistemas sociais e religiosos diversos. Em seu sentido mais amplo, aparentemente engloba a maioria das culturas que estâo fora das grandes civilizaç§es da Europa ou do Oriente. Este ë o sentido em que o utilizo aqui, apesar de nâo gostar da aplicaçâo da palavra 'primitivo' Ç arte, pois muitas pessoas a associam a uma noçâo de imperfeiçâo e incompetència. (...) O significado da arte primitiva vai muito alëm: ë um testemunho simples e sincero, seu interesse principal sâo as coisas bžsicas e sua simplicidade vem de sentimentos fortes e diretos. (...) A qualidade mais contundente comum a todas as artes primitivas ë sua intensa vitalidade. Ï algo criado pelas pessoas como uma reaçâo direta e imediata Ç vida. Esculpir ou pintar nâo era para eles uma atividade calculada ou acadèmica, mas um canal para exprimir poderosas crenças, medos e esperanças. Ï a arte antes de ser encoberta por adornos decorativos, antes da inspiraçâo decair em truques tëcnicos e conceitos intelectuais. (...) O conhecimento da arte primitiva permite uma compreensâo mais plena e verdadeira dos desenvolvimentos posteriores (...) e mostra a arte como uma atividade universal e contìnua, sem rupturas entre passado e presente".

Civilizações: cada civilizaçâo representa o esforço cultural direcionado ao aprimoramento dos valores que norteiam determinado grupo, reunindo e direcionando caracterìsticas da vida social, polìtica, econ–mica e cultural de um povo.
 

6. Ritual de Iniciação
Segundo Fontana, "nas sociedades tribais, rituais de iniciaçâo eram usados para marcar a passagem do rapaz adolescente Ç maturidade. Em geral envolviam a aplicaçâo deliberada de dor (como a circuncisâo ou a tatuagem), testes de força e resistència ou um longo perìodo de jejum, de modo a dar uma dimensâo fìsica Ç invocaçâo simb�lica de morte e renascimento. Similarmente, uma jovem passaria Ç maturidade por meio de ritos de fertilidade envolvendo movimentos e dança, ou atravës de espancamentos simb�licos que representavam sua passividade e submissâo Çs demandas fìsicas de ser mulher (menstruaçâo, gravidez e cuidados com as crianças). Esses ritos de passagem envolvem uma ruptura irrevogžvel com o mundo da inféncia, durante o qual, segundo Jung, os arquëtipos dos pais sâo feridos (por meio de uma morte simb�lica) e o ego ë consolidado com o grupo maior da comunidade (em geral representado por um totem - um animal ou objeto que incorpora a uniâo tribal)".

Arquétipos: imagens universais que contèm elementos emotivos importantes para a vida individual. Por exemplo, os arquëtipos do masculino e do feminino que coexistem nas mulheres e nos homens.
Totem: representaçâo simb�lica dos animais ou das plantas que representam a origem ancestral de uma tribo.
 

Conversando sobre tatuagem
Conversando sobre tatuagem Inicie uma discussâo com os alunos sobre o que eles conhecem a respeito de tatuagem, perguntando:
Vocè conhece alguëm que se tatuou? Jž viu alguma tatuagem de verdade? Sâo muito diferentes das figuras que vendem para colar na pele em bancas de jornal?
A tatuagem dura atë o fim da vida?
Ï dolorido fazer uma tatuagem?
O que faz uma pessoa querer tatuar seu corpo com imagens?
Quem deve decidir qual o desenho da tatuagem, o tatuador ou o tatuado?
Como ë o desenho da tatuagem que foi fotografada por Mark Adams? Qual ë sua extensâo? Ï muito diferente das tatuagens que vocè conhece?
Vocè pediria para fazer uma tatuagem em seu corpo? Qual seria o desenho?
Quem inventou a tatuagem?

Antropofagia: quem engole quem?
Esta fotografia pode propiciar uma rica discussâo sobre o que qualifica esta cena como uma obra de arte e nâo um mero registro iconogržfico.
Qual ë a obra?
O corpo nu envolto em imagens?
O ritual? o A fotografia?
Quem ë o artista: o tatuador ou o fot�grafo?7
Outra discussâo interessante ë sobre a importéncia do contexto na forma como observamos a imagem. A partir da seleçâo dos curadores, a presença fìsica desta foto no espaço da XXIV Bienal simultaneamente a vincula aos conceitos em discussâo nesta mostra e leva o visitante a estabelecer relaç§es com as outras obras expostas. Ela seria percebida da mesma forma se apresentada num congresso de antropologia junto com uma pesquisa sobre a vida dos imigrantes samoanos na Nova Zeléndia?

 

7. Quem é o artista: o tatuador ou o fotógrafo?
A citaçâo de Denis Roche feita por Dubois ë um comentžrio adequado ao trabalho de Mark Adams: "O que se fotografa ë o ato de se estar tirando uma foto". Segundo Adams, "inicialmente Paulo Suluape e eu conversamos sobre a fotografia e como ela poderia ser utilizada. (...) Fotografar era uma intervençâo no sentido de que meu equipamento tomava espaço. Usei cémeras de formato largo, flash eletr–nico e tripës com refletores, mas nunca intervi no processo de nenhuma outra forma. (...) Havia sempre cantos de encorajamento para a 'vìtima' (palavra de Paulo). Era um espaço geralmente apinhado e barulhento". O tìtulo desta fotografia ë "Suž Suluape Paulo II Tufuga Ta-tatau". Tufuga Ta-tatau significa artista que tatua. Suž Suluape Paulo II ë um dos très irmâos de uma tradicional famìlia de tatuadores originžria de Samoa. Esses artistas pertencem a uma de tatuagem. Sâo muito respeitados e bem pagos por suas habilidades. Os samoanos, quando vivem fora de sua terra natal, ainda procuram tatuar seus corpos como marca de identidade cultural, a herança de Samoa. Esta foto foi feita nos subörbios de Auckland, na Nova Zeléndia, outra ilha da Oceania.

Guilda: associaçâo de trocas similar Çs constituìdas na Idade Mëdia europëia entre as corporaç§es de operžrios, artesâos, negociantes ou artistas.
Marca de identidade: segundo Amorim, "a marca redonda no rosto dos ìndios carajžs ë feita com um cachimbo aquecido. Por cima da queimadura ë colocada a cinza que torna a marca negra e permanente. Esse distintivo ëtnico, orgulho dos mais velhos, vem sendo aos poucos recusado pelos mais jovens, que nâo querem passar por ìndios entre os brancos, coisa que seria denunciada pelo estigma e que os obrigaria a vender mais barato sua força de trabalho".
 

Descobrindo e incorporando significados
Pedir aos alunos que tragam fotografias de cenas que considerem importantes para eles, para suas famìlias ou comunidades.
Aprofundar a compreensâo das relaç§es entre rituais, cultura e a vida de seus alunos explorando e discutindo com eles as imagens fotogržficas que trouxeram, identificando ritos e rituais8 dos quais jž participaram em suas comunidades. Procure discutir as relaç§es entre as formas como se percebem, sua identidade pessoal, com esses ritos e a identidade cultural de sua comunidade.
Se houver possibilidade de manter as fotos na escola, proponha aos alunos montar um painel com elas segundo critërios formulados pela classe a partir dos conteödos e das associaç§es levantados na discussâo anterior.

 

8. Ritos e rituais
Segundo Fontana, "ritos e rituais constituem um aspecto importante em todas as sociedades, passadas ou presentes. Eles auxiliam a manter a unidade de uma comunidade e preparam cada indivìduo para o papel que se espera que ele ou ela venha a cumprir. Nâo ë surpreendente que os rituais tenham maior destaque em pequenos grupos tribais, com fortes laços de uniâo, embora tambëm persistam nas cidades do Ocidente, onde o batismo, o casamento e os ritos funeržrios ainda sâo geralmente respeitados. Rituais sâo encenaç§es fìsicas de viagens espirituais - ou, em termos jungianos, jornadas ao inconsciente coletivo - no qual o corpo ë tomado como sìmbolo do espìrito. Eles podem simbolizar (...) o caminho da morte ao renascimento, em que sacrificamos nossa identidade e passamos renovados a um novo estžgio da vida. Em muitas religi§es, os rituais espelham a suposta organizaçâo da dimensâo do sagrado, estabelecendo assim um vìnculo mais pr�ximo entre o mundo dos homens e o das divindades".

Jungianos: relativos Çs teorias do psic�logo Carl Gustav Jung (Suìça,1875 - 1961). Acreditava que, alëm do inconsciente individual da teoria freudiana, existe um inconsciente coletivo, concretizado em arquëtipos. O equilìbrio psìquico dependeria da satisfaçâo simb�lica desses arquëtipos em harmonia com as vivèncias conscientes.
 

Sugest§es de continuidade
Estabelecer paralelos entre as fotografias de Mark Adams e o trabalho da fot�grafa brasileira Clžudia Andujar, que fotografou ìndios ianomémis e cujo trabalho tambëm estž na XXIV Bienal de Sâo Paulo.
Pedir aos estudantes que procurem a localizaçâo das ilhas Samoa e Nova Zeléndia no mapa e pesquisem a cultura e a Hist�ria da regiâo em que se localizam, investigando semelhanças e diferenças em relaçâo a seu modo de vida.
Procurar paralelos entre a tatuagem e outras formas de intervençâo do ser humano em seu corpo: a pintura corporal9 dos ìndios brasileiros, a escarificaçâo entre tribos africanas, as cirurgias plžsticas realizadas pelos mëdicos, a moda do "piercing", colocando anëis e brincos em regi§es nâo tradicionais na cultura ocidental, como na lìngua ou no umbigo etc.

 

9. Pintura Corporal
Mžrio de Andrade diz: "Nâo sabemos como se originou a pintura, mas ë muito mais provžvel que sua primeira conceituaçâo no espìrito humano tenha provindo dos rabiscos rituais, em preto, em vermelho, em branco, com que todos os povos primitivos se enfeitam no corpo, para os cerimoniais. (...) A pintura do corpo (...) ë sempre uma escritura, de natureza hieroglìfica. Hoje isso ë questâo passiva da etnografia, e sabemos definitivamente que a cada rabisco, a cada cor, a cada mancha, a cada decoraçâo enfim, os primitivos atribuem um valor simb�lico, e cada elemento quer dizer alguma coisa compreensìvel Ç inteligència do clâ ou pelo menos de seus pajës. Tudo tem sentido, tudo tem valor de magia exorcista ou propiciat�ria, e o primitivo jamais se pinta pelo simples prazer de se enfeitar. (...) Na infinita maioria, todas essas decoraç§es simb�licas do ser primitivo sâo como o desenho, um fato aberto. Nâo ë o limite natural do rosto, fechado pela cabeleira e pelo éngulo do maxilar inferior, nâo ë o limite imposto pelo peito, que fecham essas pinturas corporais, mas antes elas se disseminam pelas faces, pelo corpo, sem o princìpio da composiçâo fechada. Desconhecem portanto o elemento instintivo da moldura, da mesma forma que o desenho o desconhece, ao passo que a pintura o implica fatalmente".

Hieroglíficas: Mžrio parece falar simultaneamente de sua similaridade com os hier�glifos egìpcios, forma de escrita que utiliza figuras como c�digo, e da dificuldade em interpretar seus significados, pois a escrita egìpcia foi durante sëculos considerada indecifržvel.

Glossžrio

Alteridade: o que se refere ao outro. Sensação presente nos comentários de Mark Adams sobre as "barreiras", as "cercas" e o "racismo" que existiam e ainda existem em seu país: "Eu ainda estava desconfortável por ser um 'euro' com uma câmera".

Autóctone: nativo, oriundo da terra onde se encontra, sem resultar de imigração ou importação.

Ego: o eu; em psicanálise, o termo é usado para se referir à parte mais superficial da mente, que tem como funções conscientes a comprovação da realidade e o controle dos impulsos interiores.

Etnografia: disciplina da etnologia, ramo da antropologia que estuda as diferentes etnias e estuda e descreve os povos
e sua cultura material.

Iconográfico: documentação visual que constitui ou completa obra de referência ou de caráter biográfico, histórico, geográfico etc.

Inconsciente coletivo: conjunto de vivências da humanidade, cristalizadas em arquétipos que condensam as experiências de nossos antepassados.

Polinésia: parte da Oceania, composta por dezenas de arquipélagos e centenas de ilhas. As diversas comunidades nativas passaram sucessivamente pela influência da colonização portuguesa, holandesa, inglesa, francesa, alemã e americana.

  Bibliografia

ADAMS, Mark. "Depoimento manuscrito à curadora Louise Neri sobre suas motivações", 31 maio 1998.
AMORIM, Paulo Marcos de. Índios da floresta tropical. "Revista Geográfica Universal" n.5, 1975.
ANDRADE, Mário de. Do Desenho. In: "Aspectos das artes plásticas no Brasil". - Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.
DUBOIS, Philippe. "O ato fotográfico". Campinas: Papirus, 1994.
FONTANA, David. "The secret language of symbols: a visual key for symbols and their meanings". São Francisco: Chronicle Books, 1994.
HERKENHOFF, Paulo. "A espessura da luz - fotografia brasileira contemporânea".
MACHADO, Arlindo. "A ilusão especular". Brasiliense: São Paulo, 1984.
MALLON, Sean. "Ta tatau: tattoo". (Texto enviado pela internet, pelo curador em ilhas pacíficas Sean Mallon, do Museu da Nova Zelândia/Te Papa Tongarewa, Wellington.)
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. "Exposição arte plumária no Brasil." São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1983. (Catálogo da 17a Bienal de São Paulo.)
MOORE, Henri. On sculpture and primitive art, 1941. In: HERBERT, Robert L (Org.). "Modern artists on art. N.J.: Prentice Hall.
NERI, Louise. Oceania: explorando e não conhecendo. "Catálogo da XXIV Bienal", São Paulo, 1998.
THOMAS, Nicholas. "Marked man". Artigo sobre a tatuagem na Oceania, recebido da curadora por fax, sem indicação de fonte.