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Experimentando as obras
de Lygia Clark

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Lygia Clark
Belo Horizonte, MG, 1920
Rio de Janeiro, RJ, 1988




"Babá Antropofágica "
1975 - representação fotográfica

O quê?

A fotografia documentando a arte;
a descoberta de identidades no envolvimento com a obra de Lygia Clark;
a expressâo corporal, o desenho e a pintura como formas de conhecer o caržter expressivo do corpo humano;

o dižlogo como forma de ensino/aprendizagem de arte.

Por quê?

O dižlogo e as atividades propostas a partir da experiència com a obra de Lygia Clark, investigando sensaç§es e experimentando o corpo, sâo meios de gerar questionamentos e construir conhecimentos acerca de identidade.
Propiciar a compreensâo da arte e garantir sua incorporaçâo no cotidiano sâo formas de apoiar os processos de construçâo da identidade cultural.
Descobrir quem somos e procurar compreender o modo de ser dos outros sâo os primeiros passos para que possamos interagir com respeito

Para quê?

Para possibilitar ao aluno:
perceber o exercìcio do dižlogo e da atividade de criaçâo como meios de aproximaçâo com a obra de arte;
estudar as relaç§es entre o modo como nos percebemos e a forma como enxergamos os outros, discutindo a identidade de cada um no percurso proposto a partir do contato com a obra de Lygia Clark
conhecer algumas das possibilidades expressivas do corpo, do desenho e da pintura.

 

Como? (Quando? Onde?)
A fotografia como registro

A relaçâo de Lygia Clark com a fotografia ë diferente das de outros artistas/fot�grafos incluìdos no Material de Apoio Educativo, como Clžudia Andujar, Esko Männikk• ou Seydou Keita. Esta foto de experiència corporal, "Baba antropofžgica"1 (1973), realizada por Lygia Clark, foi uma das vžrias formas que a artista escolheu para documentar seu trabalho, entre as quais se incluem textos e filmagens.
Apesar de ser possìvel fazer uma anžlise dos aspectos formais e simb�licos da linguagem fotogržfica por imagem, ela nâo foi apresentada pela artista para que fosse observada como uma obra de arte, mas como registro de uma experiència coletiva que prop–s como uma forma de arte. A artista coloca-se como pesquisadora, explorando os limites da relaçâo entre arte e pöblico2, envolvendo profundamente as pessoas num processo interativo de criaçâo.

 

1. "Babá Antropofágica"
Segundo Lygia Clark, "tudo começou a partir de um sonho que passou a me perseguir o tempo inteiro. Eu sonhava que abria a boca e tirava, sem cessar, de dentro dela uma substéncia, e Ç medida que isso ia acontecendo eu sentia que ia perdendo minha substéncia interna, e isso me angustiava muito, principalmente porque nâo parava de perdè-la. Um dia, depois de ter feito as mžscaras sensoriais, me lembrei de construir uma mžscara que possuìsse uma carretilha que fizesse a baba ser engolida. Foi realizada em seguida o que se chamou de 'Baba antropofžgica', em que as pessoas passavam a ter carretëis dentro da boca para expulsar e introjetar a baba. Depois disso s� tive um sonho: ia mais uma vez tirando da boca a tal baba, atë que tudo o que havia saìdo se transformou em um tubo de borracha que eu imediatamente introjetei em minha boca. Entâo eu nunca mais sonhei com isso". "Na fase sensorial de meu trabalho, que denominei 'Nostalgia do corpo', o objeto ainda era um meio indispensžvel entre a sensaçâo e o participante. O homem encontra seu pr�prio corpo por meio de sensaç§es tžteis realizadas em objetos exteriores a si. Depois incorporei o objeto, mas fazendo-o desaparecer. Entretanto, ë o homem que assegura seu pr�prio erotismo. Ele torna-se o objeto de sua pr�pria sensaçâo. O er�tico vivido como 'profano' e a arte como 'sagrada' se fundem em uma experiència önica; trata-se de confundir a arte e a vida."

Lygia Clark : (Belo Horizonte, MG, 1920 - Rio de Janeiro, RJ, 1988): artista com uma produçâo que discute a interaçâo do pöblico com a arte. A partir de sua participaçâo no movimento neoconcreto, desenvolveu obras relacionadas Ç poëtica do corpo e aos aspectos terapèuticos da arte.
 

2. Arte e público
Segundo Frederico de Moraes, "a sacralizaçâo da arte no interior da cultura ocidental, p�s-renascentista, levou a um distanciamento crescente entre a obra e o pöblico, estabelecendo entre aquela e esse uma relaçâo vertical e autoritžria, consagrada no interdito secular dos museus: 'Pede-se nâo tocar'. Ï evidente que essa proibiçâo vai muito alëm do contato fìsico, do pegar e do apalpar, ë alguma coisa de mais profundo, que revela toda uma concepçâo de funçâo da arte na sociedade. A obra, distanciada de seu autor no tempo e no espaço, tornada objeto de veneraçâo (e, como conseqÆència, de valorizaçâo mercantil), reprime no espectador a verdadeira, isto ë, a profunda satisfaçâo. Com o que perdem os dois, pois a obra verdadeira tem a capacidade de liberar, no espectador, seu instinto criador, e este, por sua vez, com sua pr�pria experiència e sensibilidade, acrescenta Ç obra novos significados. Uma relaçâo autèntica entre obra e espectador faz deste öltimo um co-criador da obra, um companheiro de aventura do artista. (...) A partir dos anos 50, essa questâo da co-autoria passou a ter outro nome: participaçâo do espectador. O artista era o autor, apenas, de uma estrutura inicial, cujo viver ou desabrochar estavam fundamentalmente vinculados Ç vontade de participaçâo lödica do espectador na obra".

 

Investigando a fotografia

Para iniciar esse processo de interaçâo com a obra da artista, partindo de uma observaçâo inicial da fotografia, sugerimos alguns questionamentos (acrescente os seus):
Quem são estas pessoas?
O que elas estão fazendo?
Por que estão fazendo isto?
O que é esta coisa que está por cima da pessoa deitada?
Por que ela não se levanta?
O que a artista está propondo?
Esta foto deve ser considerada mais como um registro, uma informaçâo sobre uma experiència artìstica, do que propriamente uma obra de arte. Ï fundamental que o professor acrescente, Ç medida que considerar necessžrio, outras informaç§es sobre a proposta de trabalho da artista e seu contexto para aprofundar com o grupo de estudantes os questionamentos das idëias surgidas na percepçâo da obra.

Olhar para dentro

Pedir aos alunos que se sentem de modo confortžvel, fechem os olhos e desliguem-se dos sons e dos estìmulos externos, concentrando a atençâo no mundo interior de cada um, investigando suas sensaç§es, suas emoç§es, seus pensamentos, suas mem�rias, seus desejos...
Logo que abrirem os olhos, pedir que anotem tudo o que perceberam dentro de si na forma de um desenho ou de uma pintura.
Se houver possibilidade de trabalhar com papëis grandes, antes de realizar a atividade anterior pedir que os alunos desenhem em duplas a silhueta de seus corpos em tamanho natural, depois pedir que "olhem para dentro" e que desenhem o que percebem como importante em seu interior dentro das silhuetas de seus corpos.
Conversar com os alunos frente aos resultados de sua pesquisa3 sobre seu mundo interior. Comparar o registro que fizeram de sua vivència com o caržter documental da foto da experiència "Baba antropofžgica", de Lygia Clark, avaliando na discussâo sua compreensâo de que uma imagem pode assumir uma funçâo artìstica ou documental.

 

3. Pesquisa
Otìlia Arantes comenta que, para o crìtico Mžrio Pedrosa, "a arte moderna se debate, mesmo sem o saber, nos vërtices da informaçâo e da expressâo. (...) Embora afirmando que 'a abordagem fenomenol�gica prossegue vžlida', reconhece que a intensificaçâo da escala perceptiva, dadas as possibilidades abertas pela ciència e pela aparelhagem tëcnica, acarreta em n�s um 'esvaecer fenomenol�gico'. Nâo se pode mais querer preservar a arte unicamente no émbito da expressâo fision–mica quando hž tambëm uma obsessâo quase neur�tica dos artistas mais audaciosos e criativos com a pesquisa".

Fenomenológica: relativo Ç fenomenologia, sistema proposto pelo fil�sofo alemâo Edmund Husserl (1859-1938), que busca a volta "Çs coisas mesmas", procurando reencontrar a verdade nos dados originžrios da experiència.
 

Investigando a obra de Lygia

As très obras de Lygia Clark descritas a seguir podem ser recriadas em classe pelo professor e seus alunos, adaptadas aos recursos materiais disponìveis, para a realizaçâo de algumas das experièncias sensoriais4 sugeridas pela artista em sua obra:

1. "Livro sensorial" (1966)
"Livro composto por folhas feitas com sacos de plžstico transparente, contendo em seu interior diferentes materiais, visando proporcionar uma leitura sensorial tžtica diversificada. As pžginas sâo recheadas de elementos destinados Ç leitura tžtil, tais como conchas, pedacinhos de tubo plžstico, lâ de aço, pedras alternadas com pžginas de alumìnio rìgido."

2. "Luvas sensoriais" (1968)
"Luvas feitas de vžrios materiais e tamanhos, usadas pelos participantes, que seguram bolas de dimens§es e texturas diferentes, levando-os a redescoberta do tato Ç medida que repetem a experiència sem a luva."

3. "Cabeça Coletiva" (1975)
"Uma estrutura com base de madeira e de armaçâo de arame forrada com tecido de malha forma uma grande cabeça. Seu interior compunha-se de pequenos compartimentos que Lygia Clark preenchia com os mais diversos materiais. Na base havia um orifìcio por onde o participante colocava a pr�pria cabeça e apoiava a grande cabeça em seu pr�prio ombro.
Essa proposta foi, inicialmente, chamada 'Cabeça cosmog–nica' pelo crìtico Mžrio Pedrosa. A cabeça de enorme dimensâo foi construìda no apartamento da artista, que era constantemente visitado por seus alunos, que foram tambëm acrescentando novos objetos nos compartimentos da cabeça: frutas, cartas de amor, biscoitos, sapatos, fitas de pano, bilhetes etc. A cabeça foi aos poucos se tornando um dep�sito de coisas dìspares. Surgiu entâo seu nome definitivo: 'Cabeça coletiva'.
Posteriormente foi levada para a rua e foi 'servida' pelos participantes que, grudando-se em torno dela, retiraram as coisas guardadas em seu interior e comiam e partilhavam os alimentos. A experiència foi vivenciada com crianças e adultos que passavam ocasionalmente pela rua."

4. Na visita à Bienal
No espaço dedicado Ç obra de Lygia Clark na XXIV Bienal, o professor encontrarž diversas obras/experièncias criadas pela artista. Caso ainda nâo se sinta seguro para construir estas propostas em sua escola, procure participar desta experiència junto com seus alunos. Experimentž-las pode ser uma �tima forma de imaginar novas maneiras de criar percursos educativos para conhecer arte dentro de uma perspectiva que integra tâo profundamente arte e vida5.

 

4. Experiências sensoriais
Segundo Feldenkrais, "o importante na aprendizagem nâo ë o que vocè faz, mas como vocè faz. (...) As pessoas que nâo possuem livre escolha nâo respeitam a si mesmas e sentem-se inferiores Çs outras pessoas e a si mesmas! Agora, para se ter livre escolha, ë preciso perceber uma diferença significativa. (...) Aumentar a sensibilidade. E, desde que a sensibilidade aumenta somente quando o estìmulo ë diminuìdo, ë necessžrio, entâo, reduzir o esforço. (...) Qualquer coisa que se aprende com dificuldade, com dor e esforço torna-se inötil; vocès nunca aproveitarâo essa aprendizagem na vida. Ï por isso que as pessoas vâo Ç escola e nâo se lembram de nada do que aprenderam. Pois aprenderam forçadas, Çs vezes com violència, e de maneiras em que era necessžrio fazer um grande esforço; muitas vezes sentiam-se envergonhadas e com grande esforço competiam umas com as outras, Çs vezes atë decorando. Isso nâo ë aprendizagem. Ï exercìcio. Nessas condiç§es, s� podem fazer uma önica coisa: repetir o que estâo fazendo atë satisfazer o professor. (...) Do contržrio nâo passam. Repetiç§es e exercìcios sâo coisas mecénicas, nunca se aprende coisa alguma. O melhor que fazem ë familiarizar-se com uma önica maneira de reagir. Deste modo, perde-se a capacidade de melhorar".

 

5. Arte e Vida
Lygia Clark: "Agora que o artista verdadeiramente perdeu na sociedade seu papel pioneiro, ele ë cada vez mais respeitado pelo organismo social em decomposiçâo. No momento em que o artista ë cada vez mais digerido por essa sociedade em dissoluçâo, lhe resta, na medida de seus meios, tentar inocular uma nova maneira de viver. Mesmo no instante em que o artista digere o objeto, ele ë digerido pela sociedade, que jž lhe achou um tìtulo e uma ocupaçâo burocržtica: o engenheiro do �cio do futuro... Atividade que nada afeta o equilìbrio das estruturas sociais. A önica maneira para o artista escapar da recuperaçâo ë tentar desencadear uma criatividade geral, sem nenhum limite psicol�gico ou social. Sua criatividade se exprimirž no vivido". Segundo Ronaldo Brito, "Duchamp arrematava: o ato artìstico ë diverso da obra de arte, ë irredutìvel ao vago e tantas vezes retr�grado papel social que a instituiçâo lhe imp§e cumprir. A arte serž atë a anti-arte, jamais porëm coincidirâo gesto-artìstico e obra-em-museu. A arte ë, isto sim, uma atividade sem fronteiras, transgressora dos c�digos mentais vigentes, vinculada Ç experiència do 'mundo da vida'. (...) O efeito de um trabalho de arte, quando aparece na plena potència, rep§e em questâo o real. Muito mais do que uma sensibilizaçâo, um sentimento do mundo, ë a repotencializaçâo poëtica da existència. E essa repotencializaçâo nâo cabe no museu, na emoçâo estëtica, no discurso crìtico".

Duchamp: (Marcel Duchamp, Blainville, França, 1887 - id., 1968): influenciou profundamente a arte contemporénea com seus "Readymades", objetos "encontrados prontos". Expostos em museus e galerias, foram interpretados como crìticas ir–nicas ao circuito artìstico, Ç noçâo de autoria da obra de arte e Ç autonomia da arte na sociedade industrial.
 

Diálogo

Pedir aos alunos para descrever as sensaç§es que tiveram com cada obra de Lygia Clark (recriadas na escola ou visitadas na Bienal). Conversar em grupo sobre as experièncias vividas individualmente em cada situaçâo ë um modo de criar condiç§es para que os estudantes percebam o corpo como um organismo vivo em relaçâo ao espaço que o cerca. Ï importante esclarecer que ë fundamental que cada um procure manter o clima de respeito Ç forma como o outro estž se expondo, assegurando o direito ao mesmo respeito no momento que se expor.
Ressaltamos que, para desenvolver um trabalho de expressâo corporal6 conjunto com as demais atividades de artes visuais, orientando e avaliando o trabalho dos alunos, ë adequado que o pr�prio professor tenha desenvolvido atividades nessa žrea como parte de sua formaçâo, ou que procure a orientaçâo de um colega com essa experiència.
Ao criar condiç§es para um envolvimento sensìvel com a obra de Lygia Clark (ou sua recriaçâo), temos uma referència para nos aproximarmos dos nìveis mais profundos de nossa pr�pria identidade. O contato com as criaç§es desta artista, que destaca em sua obra a interaçâo do ser humano com a arte e com a vida, permite investigarmos os enigmas da individualidade.
Esse reconhecimento se dž pelas relaç§es de aproximaçâo ou estranhamento que ocorrem na interaçâo com a obra e durante o dižlogo com o grupo a respeito de suas sensaç§es e seus significados, pelos confrontos, pelos questionamentos e pelas comparaç§es em relaçâo ao outro.
Para transformar a aula num ambiente propìcio ao dižlogo, o professor precisa abdicar da postura tradicional de autoridade e assumir o papel de mediador e de orientador do aprendizado dos alunos. Ï necessžrio coordenar a discussâo deixando claro para os alunos que o principal objetivo ë aprender a dialogar sobre arte, nâo o "acertar" ou "errar" uma questâo especìfica, de modo a estimular sua participaçâo sem quaisquer constrangimentos.
Cada obra de arte comporta uma infinidade de percepç§es e possibilidades de compreensâo; as possibilidades de leitura serâo ampliadas a partir de suas pr�prias dövidas e necessidades reflexivas e das manifestas por seus alunos durante a realizaçâo deste percurso.

 

6. Expressão Corporal
Segundo Rector e Trinta, "nossa aparència fìsica ë culturalmente programada. (...) Ï aprendida, pois nâo nascemos com ela. Conformamos e adaptamos o corpo segundo padr§es sociais estabelecidos e adotados por convençâo. Aprendemos a nos movimentar, a nos posicionar, formal e informalmente, de acordo com circunsténcias socialmente determinadas. (...) Pessoas que convivem durante longos perìodos passam a se parecer. (...) Trata-se de um processo de identificaçâo. (...) Nosso corpo ë uma mensagem, que anuncia ou denuncia o que somos e pensamos. (...) Essa comunicaçâo confunde-se com a pr�pria vida. (...) A comunicaçâo serve, em primeiro lugar, Ç sobrevivència, individual e coletiva; em segundo, Çs extensas redes de troca social, pelas quais se forma e se transforma a pr�pria realidade. (...) A comunicaçâo sup§e a alteridade, senâo a pluralidade. Comunicar ë atuar sobre a sensibilidade de alguëm, buscando mobilizž-lo, convencè-lo ou persuadi-lo. (...) A 'construçâo' possìvel de uma 'imagem social' requer consciència e controle de gestos e posturas. E a expressâo gestual serve tanto a uma intençâo cognitiva, expressiva ou descritiva, quanto a referèncias de ordem afetiva".

 

Voltando a olhar para dentro

Ap�s a realizaçâo dessas experièncias com as propostas de Lygia Clark, procure realizar novamente o exercìcio proposto em "Olhar para dentro".
Verificar as diferenças nos desenhos e nas conversas do grupo sobre eles permite acompanhar modificaç§es no processo de construçâo da identidade corporal7 dos alunos.

 

7. Identidade corporal
Edith Derdyk diz que "o corpo, com seus impulsos e reaç§es, ë a manifestaçâo de uma vontade. O corpo ë nosso querer no mundo, tornando possìvel a percepçâo de uma identidade, hist�ria önica do indivìduo. A noçâo do si-mesmo ë assentada na experiència da vida num corpo. (...) O corpo humano pode ser considerado como um instrumento de formaçâo e de modificaçâo do mundo. (...) Conhecer e transformar nosso instrumento ë conhecer e transformar o mundo. O corpo potencializa a materializaçâo de nossos quereres no mundo, expressando atë involuntariamente a necessidade de concretizaçâo de projetos. A presença corporal confirma o ser, o estar e o fazer do homem no mundo. (...) Sâo milhares as maneiras de representar a figura humana, as quais, provavelmente, estiveram associadas Çs condiç§es e circunsténcias de uma certa ëpoca, bem como interligadas Ç relaçâo que o homem mantëm com seu pr�prio corpo: reflexos de uma determinada visâo do mundo. Cada ëpoca desenha sua figura, sua imagem, sua persona cultural. (...) Inclusive as vžrias formas e posturas corporais que os pr�prios artistas assumiram ao desenhar refletem toda uma maneira de estar no mundo".

Visão de mundo: Paulo Freire enfatiza que "o educador deve considerar essa 'leitura de mundo' inicial que o aluno traz consigo, ou melhor, em si. Tais conhecimentos exprimem o que poderìamos chamar de sua identidade cultural. Ele forjou-a no contexto de seu lar, de seu bairro, de sua cidade, marcando-a fortemente com sua origem social".
 

4. Sugest§es de continuidade
As experièncias vividas com as obras de Lygia Clark podem ser utilizadas para falar do estranhamento em relaçâo Çs transformaç§es do corpo sentidas pelo adolescente. Essa ë uma excelente entrada para as discuss§es acerca de corpo, saöde, sexualidade e identidade nessa idade (o desejo de afirmaçâo individual, simulténeo ao de pertencer a um grupo). Sugerimos propor esta tarefa em conjunto com o professor de Biologia.
Investigar o tratamento dado por outros artistas ao corpo humano, em diversos momentos da Hist�ria, procurando afinidades e contrastes com a abordagem de Lygia Clark. Sugerimos como exemplos os artistas Hëlio Oiticica e Giacometti.
Sugerimos procurar o professor de Hist�ria e propor uma atividade conjunta relacionando o contexto hist�rico-filos�fico da ëpoca em que Lygia Clark criou essa proposta com os aspectos de seu trabalho levantados na experiència com a obra e no dižlogo8 com os alunos. Como esses aspectos se refletem em outros artistas contemporéneos9 a ela?
A reproduçâo da fotografia da "Baba antropofžgica", de Lygia Clark, documentaçâo de sua proposta artìstica, remete Ç realizaçâo de outras atividades sobre a percepçâo dos limites entre as representaç§es bidimensionais e realidade. Essa questâo pode ser explorada a partir de: fotos de um local que os alunos conheçam pessoalmente; proposta de desenho de observaçâo a partir de elementos tridimensionais; comparaçâo entre a planta de um edifìcio e a construçâo real (pode ser a pr�pria escola) ou entre um objeto produzido industrialmente e seu projeto (desenho tëcnico).

 

8. Diálogo
J. Gaarder comenta que "o ponto central de toda a atuaçâo de S�crates como fil�sofo estava no fato de que ele nâo queria propriamente ensinar as pessoas. Para tanto, em suas conversas, S�crates dava a impressâo de ele pr�prio querer aprender com seu interlocutor. Ao 'ensinar', ele nâo assumia a posiçâo de um professor tradicional. Ao contržrio, ele dialogava, discutia. (...) O pr�prio S�crates costumava comparar a atividade que exercia com a de uma parteira. Nâo ë a parteira quem dž Ç luz o bebè. Ela s� fica por perto para ajudar durante o parto. (...) Mas S�crates nâo teria se tornado um fil�sofo famoso se apenas tivesse prestado atençâo ao que os outros diziam. (...) Geralmente, no começo de uma conversa, S�crates fazia perguntas, como se nâo soubesse de nada. Durante a conversa, freqÆentemente conseguia levar seu interlocutor a ver os pontos fracos de suas pr�prias reflex§es, (...) reconhecendo o que estava certo e o que estava errado". A obra do educador Paulo Freire ë uma excelente referència sobre a incorporaçâo do dižlogo como mëtodo de ensino dentro da realidade da escola brasileira.

Sócrates: (Atenas, Grëcia, 470 a.C. - 399 a.C.): fil�sofo grego criador da maièutica, mëtodo indutivo baseado no dižlogo, com que ajudava seus discìpulos a "parir" idëias e a apreciar a natureza e os resultados de seus atos, desenvolvendo uma consciència responsžvel que lhes permita agir corretamente.
 

9. Artistas contemporâneos
Guy Brett comenta em 1969 que: "O que realmente diferencia os artistas brasileiros mais originais, como Lygia Clark e Hëlio Oiticica, ë o interesse deles pela pessoa humana em sentido completo. Lygia Clark tem falado de "ser consciente de novo sobre os gestos e atitudes na vida cotidiana".(...)Suas "obras" sâo apenas instrumentos, que, em contato direto com uma pessoa, tornam-se um meio de focar suas sensaç§es, de sentir-se vivo enquanto as vivencia. Lygia escreveu em 1965: "Qual ë, entâo, o papel do artista? Dar ao participante o objeto, que em si mesmo nâo tem importéncia, e que s� virž a ter na medida em que o participante agir. Ï como um ovo que s� revela a sua substéncia quando o abrimos."Hëlio Oiticica diz em 1967: "Para mim, na minha evoluçâo, o objeto foi uma passagem para experièncias cada vez mais comprometidas com o comportamento individual de cada participador; faço questâo de afirmar que nâo hž procura , aqui, de um "novo condicionamento" para o participador, mas sim a derrubada de todo o condicionamento para a procura da liberdade individual, atravës de proposiç§es cada vez mais abertas visando fazer com que cada um encontre em si mesmo, pela disponibilidade, pelo improviso, sua liberdade interior, a pista para o estado criador - seria o que Mžrio Pedrosa definiu como "exercìcio experimental da liberdade".

Hélio Oiticica: (Rio de Janeiro, RJ, 1937 - 1980): artista ligado inicialmente ao movimento neoconcreto, dentro da temžtica do corpo indicamos seus "Parangolës", obras para serem "vestidas" pelo pöblico, incluindo estìmulos sensoriais variados como cores, sons e cheiros. Veja o Material de Apoio "Aç§es antropofžgicas da cor".

Glossžrio

Giacometti (Alberto Giacometti, Stampa, Suìça, 1901 - Paris, França, 1966): o artista declara: "Nas ruas, nos cafës, as pessoas me assombram e me atraem mais que qualquer pintura ou escultura. A todo momento os seres humanos se juntam e se separam, e logo se aproximam para tentarem se reunir novamente. Assim, formam e transformam sem cessar composiç§es vivas de incrìvel complexidade. A totalidade desta vida ë o que quero captar".
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  Bibliografia

BERND, Zilá. "Racismo e anti-racismo". São Paulo: Moderna, 1994.
GARCIA, Regina Leite. Currículo emancipatório e multiculturalismo: reflexões de viagem. in: SILVA, Tomaz Tadeu da e MOREIRA, Antonio Flávio (Orgs.). "Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos
e culturais". Petrópolis: Vozes, 1995.
KOSSOI, Boris e CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. "O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX".
São Paulo: Edusp, 1994.
Pinacoteca do Estado de São Paulo. "Seydou Keita". São Paulo, 1997. (Encarte que acompanha o catálogo.)
RIBEIRO, Darcy. "O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil". São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Secretaria de Educação Fundamental. "Parâmetros curriculares nacionais: arte para o ensino fundamental". Brasília: Ministério da Educação/SEF, 1997.