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A sala de espelhos
de Ken Lum:
lugar de estranhamentos
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Ken
Lum
Vancouver, Canadá, 1956
"Photo-Mirror:
dog in the eye"
19"97 - moldura de madeira, espelho e fotografias
140 x 100 cm
Coleção do artista
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O quê?
Memória e identidade;
o reflexo como proposta
de interação entre a obra de arte e o público;
a arte como renovação
do olhar sobre o que é considerado banal no cotidiano;
a compreenção
da arte contemporânea: arte conceitual e arte mínima.
Por
quê?
A introduçâo dos conceitos
de estranhamento e de mem�ria como processos que participam da construçâo
da identidade permite discutir com os alunos as propostas contemporéneas
de interaçâo entre a arte e o pöblico vinculando essa experiència a suas
vivèncias pessoais.
A relaçâo do ser
humano com o ambiente ë um tema contemporéneo fundamental. A arte de Ken
Lum exp§e limites: oferece ao visitante oportunidades de renovar seu olhar
para a vida cotidiana, trazendo para o espaço pöblico da Bienal elementos
da vida privada, fotos e espelhos que poderiam estar na casa de qualquer
pessoa.
Fazer arte ë um
modo de pensar, ver, sentir e agir, em que se percebe o fluir da vida
para a arte e o refluir da arte para a vida. Na apreciaçâo de uma obra
de arte, esse mesmo fluxo se manifesta. Quais sâo os limites entre arte
e realidade?
Para quê?
Para,
a partir do contato com a obra de Ken Lum:
discutir a arte conceitual
e a experiència de interaçâo dos alunos com a arte contemporénea;
perceber relaç§es entre
cotidiano, mem�ria e identidade;
permitir aos alunos
incorporar essa experiència por meio da construçâo de um espaço da mem�ria.
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Como?
(Quando? Onde?)
Tomar consciência do eu e do mundo na obra...
Repetidamente,
nos damos conta de que parece inötil tentar se esforçar para entender a
arte contemporénea. Entramos no museu, na sala de exposiç§es ou na galeria
e nos deparamos com obras cujas caracterìsticas nos deixam perplexos. Livros
empilhados ao acaso formam uma torre atë o teto. Um gigantesco rato preto
descansa sobre a barriga de um homem que dorme em uma cama. Uma caminhada
pela muralha da China para dizer adeus. Arte pop, arte conceitual, arte
mìnima1... Como
compreender o significado de todas essas propostas?
Um longo caminho
foi percorrido pela arte contemporénea desde Marcel Duchamp, que pode ser
considerado o precursor das vanguardas ocidentais, atë o momento atual.
Tudo parece ter se tornado apenas uma in�cua brincadeira. A velha anedota
da senhora que olha para uma obra de Pablo Picasso e lhe diz que seu filhinho
pode fazer algo bem melhor continua nâo apenas ressoando na mem�ria de todos,
mas tambëm tornou-se para muitos uma imagem que explicita o distanciamento
entre o pöblico e as propostas da arte contemporénea.
Entretanto, vencida
a insegurança inicial, com algum aprofundamento no contato com as obras
criadas pelos artistas modernos e pelos artistas contemporéneos essa disténcia
ë vencida, e vemos que nâo se trata de uma brincadeira, nada ë gratuito.
Por exemplo, a aparente facilidade de criaçâo das obras de Picasso vem do
esforço de uma vida inteira procurando novas maneiras de ver o mundo, reestruturando
as convenç§es da pintura por meio da canibalizaçâo dos modos de representar
o mundo por artistas de outros perìodos hist�ricos ou oriundos de outras
culturas nâo hegem–nicas (como a arte africana).
Os artistas contemporéneos
ocidentais
freqÆentemente estabelecem uma relaçâo döbia com o espectador, que muitas
vezes nâo reconhece a pr�pria obra como arte. Suas mensagens tornam-se cada
vez mais complexas, cobrindo territ�rios antes desconhecidos. Assim, em
se tratando de arte contemporénea, parece que o que estž sendo posto em
dövida ë nossa capacidade de assimilar o pr�prio ambiente e o perìodo em
que vivemos.
Entâo o que querem
os artistas com a criaçâo desses objetos, que, mesmo instigando nosso olhar,
mais nos confundem ou ameaçam do que adquirem a funçâo de "objetos de arte"?
A resposta pode ser muito simples, tudo depende de como se olha para o objeto.
A proposta de um percurso educativo para educar o olhar pode ser uma grande
contribuiçâo nesse sentido. Tomemos como exemplo as obras expostas pelo
canadense Ken Lum na XXIV Bienal2. |
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1.
Arte mínima
A arte mìnima apresenta formas reduzidas a estados mìnimos
de ordem e complexidade sob o ponto de vista do estudo das formas,
da percepçâo e do significado. Formas geomëtricas elementares (m�dulos),
construìdas com materiais industriais (aço, ferro, alumìnio, plexiglass),
de dimens§es freqÆentemente gigantescas, definidas por uma gestalt
simples (forma constante, conhecida) a partir de um repert�rio cromžtico
essencial, confluem para uma visâo total em que a relaçâo com o
ambiente ë fundamental, tanto em termos de existència da obra quanto
em termos de relaçâo fruitiva. Entre os principais minimalistas,
podemos lembrar Tony Smith, David Smith, Carl Andrë, Donald Judd,
Le Witt, Josë Resende, Ascénio MMM (extraìdo dos textos de Annateresa
Fabris e Renato de Fusco). Caracteriza-se principalmente por sua
fisicalidade: sâo geralmente esculturas enormes, feitas com matëria-prima
industrial ou semi-industrial, resultando em superfìcies lisas,
polidas, brilhantes (sem efeitos de matëria ou textura), bem como
por toda referència lìrica ou ideol�gica. Este tipo de escultura,
vista em vžrias exposiç§es realizadas entre 1966 e 1968 nos Estados
Unidos, ë tambëm chamada de estrutura primžria, escultura elementar,
arte redutiva ou arte serial. Foi precedida, no campo da pintura,
pela chamada "abstraçâo fria". Nos Estados Unidos, destaca-se a
pintura denominada de hard-edge: linhas retas, cores puras.
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Donald
Judd:
artista plžstico norte-americano, realizador de obras rotuladas como
"estruturas primžrias". Em sua obra, as formas nâo sâo esculpidas
ou soldadas, mas reunidas e montadas; ele estabelece uma associaçâo
implìcita entre a fragmentaçâo cubista e o racionalismo europeu. |
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2.
Ken Lum na XXIV Bienal
Segundo o curador Jon Tupper, "o trabalho de Ken Lum
lhe valeu a posiçâo de um dos principais artistas visuais internacionais
do Canadž. Seu trabalho emerge da escola de fotografia neoconceitual
da Costa Oeste, que descreve a estëtica da B.C. (British Columbia)
Ordinary, com seus divâs confortžveis de tecido xadrez, sua sutil
afirmaçâo de diversas etnias e personalidades individualizadas.
A obra recente de Lum parece aliar a privacidade domëstica ao ideal
da felicidade domëstica, um tema que tambëm surge em suas obras
anteriores. Na obra apresentada na XXIV Bienal, grandes espelhos
parecem ter saìdo de um dormit�rio ou hall de um lar qualquer, ao
mesmo tempo que faz referència Ç escultura minimalista no
estilo de Donald Judd, com suas bordas rìgidas e superfìcies planas.
Enfiadas nos cantos dos espelhos, encontram-se fotos pessoais do
tipo que normalmente encontramos ali: casamentos, aniversžrios,
amigos significativos, lugares e momentos importantes. Encaramos
os espelhos, vendo a n�s mesmos e a outras žreas da exposiçâo no
interior destas molduras comuns. As imagens sâo uma lembrança de
um tempo ou lugar, e estâo cheias de significado pessoal por aqueles
que estâo ali retratados ou que as tiraram. Aqui, em Sâo Paulo,
sua banalidade singular e privada, retirada dos esconderijos da
vida cotidiana, torna-se uma declaraçâo pöblica coletiva, um instanténeo
da fronteira ut�pica da Costa Oeste do Canadž".
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Ken
Lum:
(Vancouver, Canadž, 1956): Tupper, seu curador, escreveu na planta
da instalaçâo de sua obra: "O espectador vè a si pr�prio refletido
nos espelhos Ç medida que vè as pequenas fotos. Hž um sentimento muito
domëstico neste trabalho, que serž muito interessante no contexto
da Bienal". |
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Minimalista:
utiliza materiais industriais na escultura, e na pintura caracteriza-se
pela simetria e pela monocromia. |
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A
sala de espelhos de Ken Lum
Os objetos apresentados por Ken Lum podem ser considerados simples,
e mesmo desprovidos de "arte". Suas obras sâo ambientes construìdos com
espelhos emoldurados, que bem poderiam ter saìdo de um quarto qualquer ou
mesmo de uma sala de visitas. Nos cantos dessas molduras sâo inseridos instanténeos
fotogržficos, como os murais que muitos fazem em casa com aquelas fotos
e imagens que nâo querem esquecer, que querem ter por perto, sejam de amigos
ou parentes3, sejam de lugares ou fatos que selecionam
por algum motivo pessoal para guardar. As fotos e os espelhos sâo comuns,
nâo se destacam por qualquer elemento expressivo enfatizado pelo artista.
Imaginemos uma cena:
"Ora, eu tambëm tenho um espelho como esse em casa", diz a mocinha, com
cabelos presos na nuca, ao namorado que a abraça sorrindo para o reflexo
que vèem. "Fica no meu quarto, lž eu coloco as fotos de todos de quem eu
gosto. Na verdade o meu ë mais bonito, tem mais fotos e elas sâo minhas..."
Os comentžrios sucedem-se,
e cada pessoa que passa jž viu um espelho e a si pr�pria em um, muitas tèm
algumas de suas fotos preferidas tambëm assim expostas em casa, jž as colocaram
como lembranças ou lembretes no lugar em que se olham, o reflexo do espelho4.
Mas se isso nâo ë arte, por que estž exposto numa Bienal de arte? Por que
alguëm apresentou este trabalho como sendo uma obra de arte? Por que foi
selecionado para uma exposiçâo de tanto destaque? A obra de Ken Lum seria
apenas mais uma das brincadeiras que os artistas contemporéneos teimam em
fazer? |
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3.
Amigos ou parentes
"O caržter expressivo da imagem e a padronizaçâo dos diferentes
retratos de famìlia desencadeiam no observador as imagens que conserva
na mem�ria, estabelecendo uma ponte entre os retratos e o observador.
Diante do estìmulo visual, ele evoca situaç§es anžlogas ou associadas
que, pela participaçâo que tiveram em sua vida, fazem com que sinta
ressonéncias möltiplas ainda que as fotos sejam de desconhecidos.
Esse poder das fotografias de famìlia dž conta de sua capacidade
reveladora (...) elas funcionam como ponto de intersecçâo entre
as imagens produzidas e as imagens guardadas pela mem�ria pessoal,
em cofres de significaçâo e conhecimento acumulado" (LEITE, Miriam
L.M., 1992). A força da obra de Ken Lum estž em sua sutileza ao
propor um exercìcio, um jogo, em que o espectador experimenta sua
pr�pria vida atravës da imagem refletida no espelho. As fotos dispostas
ao redor do espelho, lembranças individuais, pr�ximas e distantes,
familiares e estranhas, remetem a nossas pr�prias mem�rias e Çs
diferenças e semelhanças entre as imagens refletidas no espelho
e na fotografia.
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4.
O reflexo do espelho
Segundo o curador Jon Tupper, "este trabalho estž ligado Ç pržtica
anterior de Ken Lum - uma tendència para o retratismo situado em
um contexto social, juntamente com sua atençâo a vocè, o espectador.
As obras dos espelhos distinguem-se por sua referència especìfica
a reinvençâo domëstica. (...) Este trabalho aborda consistentemente
a urgència de lembrar e de ser lembrado, ver e ser visto, atravës
das lentes möltiplas e das condiç§es especìficas das vidas que o
artista representa". "Quando a relaçâo entre imagem e coisa ë imitativa,
o suporte da representaçâo funciona como um espelho, devolvendo,
serenamente, a aparència do que ë representado para olhar. O espelho
ë uma metžfora idealizada do tipo de relacionamento que define a
realidade. Os te�ricos renascentistas da perspectiva jž sabiam
disso. Segundo Alberti, 'um bom juiz ë o espelho. Nâo sei por que
as coisas pintadas tèm tanta graça no espelho. Ï maravilhoso que
a menor fraqueza esteja tâo manifestadamente deformada no espelho.
As coisas da natureza serâo, portanto, corrigidas com um espelho'.
No espelho, as disténcias sâo ainda mais aprofundadas; revelam-se
os limites da perspectiva. O espelho ë uma boa metžfora, pois sup§e
uma correspondència termo a termo entre a representaçâo e o objeto
representado. O espelho ë sempre fiel e servil Ç coisa que ele reproduz.
Seu valor de verdade deriva exatamente dessa servidâo imediata,
sem que seja outorgado Ç imagem o menor direito de interferència
nos traços da coisa representada. A coisa rege e reflete-se na imagem,
irrefletidamente."
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Perspectiva:
conjunto de convenç§es matemžticas formulado pelos artistas do Renascimento
para representar a realidade criando no plano bidimensional uma ilusâo
do natural. |
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Investigações
Vamos retomar as pistas iniciais para descobrir o significado desta
obra: as impress§es de nosso primeiro olhar, os primeiros estranhamentos
e mem�rias despertados por esse contato e os comentžrios que imaginamos
que as pessoas fariam frente a estes espelhos.
O professor pode
iniciar uma discussâo com seus alunos para investigar a obra de Ken Lum
perguntando sobre quais foram suas primeiras impress§es ao ver esta obra
e qual seria seu significado. Sugerimos algumas quest§es:
Vocès tèm mžquina fotogržfica?
Vocès tiram fotografias?
Quando? Onde? Por què?
Vocès guardam as fotografias?
Quais? Por què? Em que lugar?
Quando ë que vocè se
olha no espelho?
Para que serve o espelho?
Vocè ja pensou nas diferenças
e nas semelhanças entre a fotografia e o espelho?
Qual a diferença entre
aparecer na fotografia e aparecer no espelho?
Por que esta obra estž
na exposiçâo?
Por que o artista seleciona
estas fotos e as insere no espelho?
Essa discussâo ë um
bom momento para o professor propiciar reflex§es sobre as relaç§es entre
arte e cotidiano, sobre os vìnculos entre identidade e mem�ria5
e sobre a influència da cultura na relaçâo do indivìduo com os espaços pöblico
e privado. O encontro dos alunos com a obra de arte permite uma experiència
mais densa, de aprofundamento na percepçâo da pr�pria realidade |
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5.
Identidade e memória
Nossa identidade ë gerada num processo de relaç§es entre o
espaço exterior e nosso espaço interior. A casa ë nosso primeiro
universo; depois, quando nos lançamos no mundo, a cidade passa a
ser nosso berço. Como em casa, na cidade encontramos redutos e cantos
preferidos. Tambëm nos sonhos, as diversas moradas de nossa vida
se interpenetram e preservam tesouros. Vivemos nossa mem�ria: o
jacarandž da praça, a igreja, o pipoqueiro, as paineiras da rua
principal, a padaria da esquina, o cheiro da grama recëm-cortada,
personagens e objetos que traçam nosso mapa cotidiano. Cada pessoa
guarda seus caminhos, suas estradas, seus entroncamentos. Nossa
vida ìntima tambëm tem seu espaço. Nâo apenas nossas lembranças,
mas tambëm nossos esquecimentos estâo aì alojados. Na mem�ria, casa
de nosso passado, os personagens se mantèm. Nos cantos do espelho
sâo refletidos nossos segredos. Os menores gestos da vida cotidiana:
o aperitivo ao final da tarde, os passeios Ç noite na praça pöblica,
as conversas de bar e os rumores do mercado, todos esses pequenos
"nadas" que materializam a existència e que a inscrevem num lugar
sâo, na verdade, fatores de socialidade.
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A
arte, o olhar e o cotidiano
A vida
cotidiana ë a vida de um sujeito que ë simultaneamente ser particular e
ser social. Em seus atos, embora impulsionado por motivos individuais e
pr�prios, o homem interfere na vida social de um grupo, ele atua socialmente.
Ao mostrar um olhar
diferente sobre o mundo, a criaçâo artìstica estabelece possibilidades de
rompimento com o dia-a-dia. A atençâo, a observaçâo atenta do cotidiano
pode ser a fonte da inovaçâo, da transformaçâo do mesmo.
Olhar para o cotidano
atravës dos olhos do artista nâo apenas modifica o modo de vè-lo e de percebè-lo,
mas abre possibilidades de mudanças no comportamento individual. O processo
de leitura da obra de arte6 dirige a atençâo de cada um
para a potencializaçâo de seu modo de ser.
O olhar do artista
maravilha-se pelo simples fato de as coisas serem como sâo e modificarem-se
sempre a nossos olhos. Embora sejamos os mesmos, somos novos a cada dia,
por isso o mundo nos surpreende cotidianamente. Ainda que seja o mesmo,
hž mudança na forma de olhar, de receber e doar significaç§es Çs vivèncias.
Ken Lum proporciona
uma interaçâo7 profunda do espectador com a obra, exigindo
que a interprete e estabeleça uma conexâo com suas vivèncias, e nâo apenas
contemple o objeto. Â medida que olha-se no espelho, o espectador entra
na obra, passa a fazer parte do enigma8: vè a si mesmo,
vè os objetos que estâo fixados no espelho, vè sua imagem refletida repetida
nos outros espelhos. Os espelhos repetem ritualmente cada olhar infinitamente,
negando o tempo, reafirmando o instante vivido.
Apoiado nessas reflex§es
e em sua pr�pria experiència, o professor pode pedir aos alunos que descrevam
situaç§es de seu cotidiano que lhes parecem banais. Ap�s essa enumeraçâo,
verifique quais foram vivenciadas pela maioria no grupo e quais sâo particulares,
discutindo quais podem fazer parte de uma hist�ria coletiva do grupo e quais
seriam mais adequadas para compor uma hist�ria individual. |
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6.
Leitura da obra de arte
Segundo
Pareyson, "a recepçâo contemplativa, da estëtica tradicional,
ë uma recepçâo passiva da obra de arte, na qual o espectador mantëm
uma atitude de veneraçâo distante, por um lado, e de confiança em
fundir-se com ela sem esforço, por outro, ignorando que a recepçâo
da arte sup§e um processo de apropriaçâo e, portanto, um esforço,
uma aprendizagem, uma competència". A recepçâo, na obra conceitual,
ao contržrio, pressup§e a participaçâo ativa do espectador. A intervençâo
dele assinala o princìpio de que a obra s� existe como tal por meio
da participaçâo de quem a contempla. Ï importante observar que o
espectador influi na formaçâo, isto ë, na transformaçâo da obra,
e assim se converte em co-produtor. O dižlogo entre obra e receptor
renova-se continuamente por meio da interaçâo. O contato do receptor
com a obra pode causar naquele uma sensaçâo mais profunda de comunicaçâo
do que a simples contemplaçâo de uma obra convencional.
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Estética:
žrea da filosofia que estuda as condiç§es e os efeitos da criaçâo artìstica. |
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7.
Interação
O
conceito de interaçâo, pela reciprocidade entre obra e receptor,
deve ser tambëm resgatado na leitura da obra de arte. O jogo proposto
pela obra, com acento no lado imaginativo, transforma-se num exercìcio
de reflexâo, retëm a atençâo e ocupa o pensamento do observador.
Evidencia-se, nesta obra, uma das tendèncias da arte contemporénea:
a de tornar o espectador produtivo, ou seja, a de lhe oferecer elementos
que s� mediante sua atividade se tornam obra de arte. O artista
contemporéneo produz obras que se alteram com a mudança do espectador,
e que ainda podem, por ele, ser manipuladas ou transformadas mediante
seu envolvimento com a obra. A interpretaçâo nâo pode ser reduzida
a uma explicaçâo conceitual, mas certamente estabelece uma situaçâo
comunicativa.
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8.
Enigma Segundo Merleau-Ponty, "o enigma reside nisto: meu corpo
ë ao mesmo tempo vidente e visìvel. Ele que olha todas as coisas,
tambëm pode olhar a si e reconhecer no que estž vendo entâo 'o outro
lado' de seu poder vidente". "Visìvel e m�vel, meu corpo estž no
nömero das coisas, ë uma delas; ë captado na contextura do mundo."
"A experiència estëtica nos mostra que hž um dentro e um fora simulténeos
no processo do conhecer. Algo que se mostra - fen–meno - e se oculta
a seu observador e participante da experiència criadora. Ï pelo
corpo que o artista capta e expressa o sentido originžrio do mundo
e esse sentido s� ë compreendido, extrapolado ou negado pelo pöblico
que recebe a obra, fazendo desta um prolongamento, um eco de sua
corporeidade. A obra ë a porta de entrada, um convite a chegarmos
em n�s mesmos. E nossa resposta ë um continuar do fen–meno da experiència
estëtica: a obra atinge o ser porque permite, por meio dela, um
passeio a lugares alëm daqueles que expressa" (SILVA, U.R., LORETO,
M., 1995).
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Construindo
um espaço na memória
Imagens sâo capital em nosso tempo. Elas vendem objetos,
formas de vida, estilos que tornam nossa existència o que ela ë. Todos os
dias milhares de imagens pedem nossa atençâo e nosso interesse. Preocupados
em guardar as impostas pelo mundo, muitas vezes esquecemos daquelas que
sâo as mais importantes: as que integram nossa mem�ria, comp§em nosso imaginžrio
pessoal, registros de nossa trajet�ria neste mundo.
Proponha aos alunos que tragam fotos de pessoas, objetos, lugares ou situaç§es
significativas para cada um, expondo para o grupo por que as valorizam.
Durante a conversa, fale com o grupo sobre a fotografia como objeto de mem�ria
e documento hist�rico.
Discutindo com os estudantes a melhor forma de organizar o material que
trouxeram, proponha a construçâo de um espaço de mem�ria coletivo. Por exemplo,
ele pode tomar a forma de um mural ou ser construìdo na pr�pria janela da
sala de aula.
Avaliando o percurso, proponha uma discussâo sobre como as coisas que consideramos
especiais e as coisas que consideramos banais integram nossa mem�ria e nossa
identidade, verificando como os alunos incorporaram as discuss§es e atividades
realizadas neste percurso educativo sobre a obra de Ken Lum.
Sugestão
de continuidade
Referindo-se aos espelhos
de Ken Lum e a sua relaçâo com a arte conceitual9, estabelecer
um dižlogo com os professores de outras disciplinas procurando relaç§es
entre o pöblico e o privado, o universal e o particular. A Hist�ria, por
exemplo, pode contribuir para estudar o contexto das imagens e situar os
objetos e as situaç§es do dia-a-dia em relaçâo ao cotidiano de outras ëpocas.
Pedir aos alunos que
tragam os mais variados objetos de uso cotidiano e proponham uma nova dimensâo
para eles, alterando sua funçâo tradicional; ou refletindo sobre seu uso
cotidiano ao descontextualizar o objeto, inserir a proposta dentro de um
estudo das propostas da arte conceitual. Exemplificar com alguns trabalhos
referenciais de artistas conceituais.
Comparar o modo como
a fotografia ë utilizada por Ken Lum com a forma que outros artistas presentes
nesta XXIV Bienal a utilizam. Procure como referència os materiais de apoio
sobre as obras de Claudia Andujar, Seydou Keita, Esko Männikk• e Mark Adams.
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9.
Arte conceitual
Segundo Annateresa Fabris, "na perspectiva conceitual, a arte deixa
de ser o objeto tradicional, a materializaçâo da idëia, para transformar-se
na concepçâo que o artista tem da arte. A arte conceitual
nâo 'representa', nâo 'exprime', rejeita todos os c�digos anteriores
a ponto de alguns crìticos proporem uma nova periodizaçâo para a
Hist�ria da Arte contemporénea: prë-conceitual e p�s conceitual.
(...) Essencialmente documental, a arte conceitual ë feita de fotos,
filmes, entrevistas, projetos, textos que, em si mesmos, nâo possuem
nenhuma significaçâo estëtica mas que conferem uma nova dimensâo
Ç 'arte'. A obra nâo ë um fim em si mesma: existe como meio para
a realizaçâo da arte como conceito. (...) Afirmaçâo da superioridade
do processo mental sobre a tradicional manualidade, do conceito
sobre a forma, as pesquisas conceituais constituem operaç§es de
carater lingÆìstico, pr�ximas do estruturalismo, pois se
prop§em como um estudo de si mesmas, concentram-se na natureza da
pr�pria informaçâo, desmitificam a criaçâo". A exposiçâo "Live in
your head: when attitudes became form" (1968) reuniu obras de artistas
italianos, holandeses, alemâes e norte-americanos. No catžlogo dessa
mostra, Gregoire MÆller diz: "O artista nâo tem mais razâo de se
sentir limitado por uma forma, uma matëria, uma dimensâo ou um lugar.
A noçâo da obra pode ser substituìda por algo cuja önica utilidade
ë significar: o artista dž uma indicaçâo e o observador se vè impulsionado
a refletir e a imaginar".
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Arte
conceitual:
deslocamento do foco de interesse do artista da obra como objeto fìsico para o pr�prio conceito de arte, estudando a natureza da linguagem artìstica a partir de sua funçâo no circuito artìstico. |
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Estruturalismo:
movimento nas cièncias humanas e sociais, na dëcada de 60, que desenvolve a noçâo de estrutura como solidariedade entre os elementos de um todo, procurando distinguir o essencial do acess�rio por meio da idëia de organismo e de organizaçâo. |
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Ken
Lun
"Photo-Mirros:soccer kids", 1997
moldura de madeira, espelho e fotografias 140 x 100 cm
Coleção do artista |
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Ken
Lun
"Photo-Mirros:sunset", 1997
moldura de madeira, espelho e fotografias 140 x 100 cm
Coleção do artista |
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Glossžrio
Arte Pop: movimento dos anos 60. Apropriando-se das imagens da mídia
e dos objetos de arte, aproximou a cultura de massa da arte erudita. Incorporou
em seus trabalhos a fotografia, a colagem, a serigrafia e outros materiais
industriais.
Canibalização:
tomada em seu sentido metafórico, devorar, digerir e incorporar
idéias e propostas de outras pessoas.
Estranhamentos:
momentos em que algo a que já nos acostumamos passa a ser percebido
de forma diferente, com o mesmo olhar que temos para algo completamente
novo.
Gestalt: teoria
da Psicologia que analisa a forma em sua relação de figura
e fundo, tema principal e contexto. Enfatiza o papel da totalidade do
fenômeno perceptivo na compreensão de suas partes.
Marcel Duchamp
(Blainville, França, 1887): influenciou profundamente a arte contemporânea
com seus "ready-mades", objetos "encontrados prontos".
Expostos em museus e galerias, foram interpretados como críticas
irônicas ao circuito artístico, à noção
de autoria da obra de arte e à autonomia da arte na sociedade industrial.
Pablo Picasso
(Málaga, Espanha, 1881 - França, 1973): um dos criadores
do Cubismo, abandonou a ilusão espacial da perspectiva tradicional
adotada pela arte ocidental desde a Renascença, propondo novas
forma de olhar a realidade, fundindo numa mesma imagem visões de
diferentes ângulos do mesmo objeto, chegando a colar os próprios
objetos na tela.
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Bibliografia
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de textos". São Paulo: Abril Cultural, 1984.
BRAYSHAW, Christopher. Blind time: Ken Lum's photo-mirrors. In: "Boder
Crossing", 16, n. 4, p. 42-43, Fall.
FABRIS, Annateresa. O artista como produtor: Andy Warhol e o pós-moderno.
In: CHALHUB, Samira (Org.). "O pós-moderno & semiótica,
cultura, psicanálise, literatura, artes plásticas". Rio
de Janeiro: Imago, 1994.
FUSCO, Renato de. "História da arte contemporânea".
Lisboa: Presença, 1983.
GIELEN, Denis. "Itineraire d'expositions, art & culture",
n. 5, p. 32-33, jan.
HONNEF, Klaus. "Arte contemporânea". Colônia: Tachen,
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LEITE, Miriam L.M. "História e fotografia". Cultura/Vozes,
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MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. In: "Seleção
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MUARREK, Ubiratan. Arte troca meio pela mensagem. "Jornal da Tarde",
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OSTROWER, Fayga. "Universos da arte". Rio de Janeiro: Campus,
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SILVA, Ursula Rosa da. "A linguagem muda e o pensamento falante".
Porto Alegre: Edipuc/RS, 1994.
SILVA, Ursula Rosa da, LORETO, Mari L. "Elementos de estética".
Pelotas: Educat, 1995.
STANGOS, Nikos (Org.). "Conceitos da arte moderna". Rio de Janeiro:
Zahar, 1993. |