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ANTROPOFAGIAS ENTRE
ARTE E VIDA |
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As aç§es de apropriaçâo
e deslocamento como pržticas antropofžgicas na arte contemporénea; Por quê? Esta abordagem Ç apropriaçâo
e ao deslocamento das coisas do mundo para o universo da arte, propondo
uma releitura de nossas existèncias, ë um convite Ç conscientizaçâo, ao
aprendizado existencial no sentido proposto por Paulo Freire. Ao apresentar
estes objetos artìsticos aos estudantes como situaç§es metaf�ricas potencializadoras
de um estar no mundo poëtica e criticamente, este percurso procura reunir
para o professor fundamentos crìticos e hist�ricos que facilitem seu trabalho
como mediador no processo de expansâo dos conceitos de seus alunos sobre
arte.
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Como?
(Quando? Onde?) Com o tìtulo metaf�rico de "Antropofagias entre arte e vida", este material enfoca pržticas em uso crescente dentre os discursos artìsticos contemporéneos: a apropriaçâo e o deslocamento1. Essas aç§es antropofžgicas ocorrem sobre nossa pr�pria cultura material quando artistas se apropriam de "objetos do dia-a-dia, produzidos para atender necessidades individuais ou coletivas", e os deslocam desse contexto original para as galerias ou museus, onde passam a "funcionar" como objetos artìsticos. Nessa mudança de funç§es, esse objeto ë reapresentado Ç sociedade como um sistema comunicativo simb�lico, um objeto-signo para a aprecia çâo poëtica e crìtica. O que estž por tržs dessa redefiniçâo do ato artìstico? Como essas aç§es conceituais (e antropofžgicas) podem ser exploradas educativamente, convidando Ç conscientizaçâo de nosso estar no mundo? As obras escolhidas para constituir este percurso sâo as seguintes: "Citroên - La DS", de Gabriel Orozco (Mëxico, 1962), "Armžrios com cimento", de Doris Salcedo (Col–mbia, 1960), e "Non-sites" (traduçâo livre: nâo-lugares), de Robert Smithson (Estados Unidos, 1938-1973). Este percurso procurarž delinear proximidades e diferenças entre Robert Smithson, Gabriel Orozco e Doris Salcedo, cujas pržticas envolvem "apropriaç§es/ deslocamentos" de diferentes nìveis e sentidos, questionando a pr�pria natureza do objeto artìstico, a inserçâo de coisas e materiais do dia-a-dia no mundo da arte, e, paradoxalmente, seu afastamento da vida para a arte pela incomunicabilidade e pelo isolamento institucional. Essas poëticas pertencem ao mesmo eixo hist�rico-cultural deixado pelo legado de Duchamp, do Dadaìsmo e do Surrealismo2, da Pop Art e da arte conceitual. Serž dada a mesma ènfase tanto Çs leituras poëticas quanto Çs möltiplas reflex§es crìticas das quais cada obra ë portadora. |
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1.
Gabriel Orozco - "Citroên - La DS" 1.1. Estranhamento Orozco, em sua obra "La DS" (1993), executa um duplo ato transgressor. Nâo apenas se apropria do modelo Citroên DS, que foi um paradigma do design moderno da indöstria automobilìstica francesa em sua inféncia, nos anos 50, como tambëm interfere diretamente no autom�vel. Cortando o carro em très partes, retirando a do meio e posteriormente realizando uma emenda perfeita na carroceria por uma sutura, o escultor simbolicamente subtrai a dimensâo funcional do objeto (carro). O estranhamento causado pelo "emagrecimento" de um modelo de autom�vel tâo conhecido o potencializa com um novo status de obra de arte, isto ë, objeto intencional comunicativo de uma crìtica cultural. O gesto do artista redefine ou questiona o poder, o fascìnio e a transitoriedade da soberania tecnol�gica num mundo materialista voltado para o consumismo. Ao mesmo tempo, este objeto artìstico pode ser visto como um objeto de consumo ou como uma forma de denöncia e resistència ao consumismo. Esses sâo pontos em que o estranhamento do primeiro olhar sobre o objeto pode instigar uma apreciaçâo crìtica sobre os sentidos do ato intencional do artista. 1.2. Instigaç§es: do estranhamento Çs inserç§es culturais e biogržficas (ad-miraçâo) Observar o canibalismo (açâo antropofžgica) da arte sobre um objeto industrial utilitžrio que tambëm ë sìmbolo das soberanias culturais e tecnol�gicas. Informaç§es sobre a Pop Art3 podem ser colocadas como referència para os alunos compreenderem esse processo. Verificar que relaç§es podem ser estabelecidas entre a obra de Orozco e o Surrealismo. O Surrealismo tambëm executou cortes no mundo real, l�gico e racional, criando situaç§es de estranhamento entre o irracional, o sonho e a realidade. Que ilusionismo estž implìcito no objeto-carro "La DS"? Ï um carro ou um nâo-carro? Relacionar a obra de arte com a vida deste artista: um carro novo, ainda nos dias de hoje, ë um objeto de desejo e sonho de consumo de muitas pessoas, principalmente se for importado. Sendo o artista mexicano, nascido em 1962, serž que, em sua inféncia, Gabriel Orozco nâo sonhou tambëm em ter um Citroën, um carro importado? 1.3. Sugest§es de atividade e debate Compartilhar com a classe os sonhos de consumo ("importados" ou nâo) de cada um a partir de imagens de propaganda trazidas pelos alunos como representativas de seus pr�prios sonhos. Propor a realizaçâo em grupo de colagens sobre esse tema a partir do material que trouxerem. Para avaliar a compreensâo dos temas discutidos durante esta leitura de obra, promover um debate sobre a seguinte questâo: qual ë o convite Ç conscientizaçâo que Orozco faz por intermëdio de sua obra? |
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2.
Doris Salcedo 2.2. Instigaç§es:
do estranhamento Çs inserç§es culturais e biogržficas (ad-miraçâo)
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3.
Robert Smithson - "Non-site": nâo-lugar 3.1 Estranhamento Smithson nâo se apropria de objetos como Orozco ou Salcedo, mas de minerais, terra, pedra e sal, com seus significados ampliados por espelhos, mapas, fotografias e desenhos. Em vez de objetos manufaturados, industrializados, portadores de funç§es que relacionam o privado com o coletivo, encontramos elementos do reino mineral que podem nos remeter a terras distantes, acompanhados de fotografias e desenhos que materializam seu local, origem e existència, na maioria das vezes, distante do contato com o mundo industrializado. Discutir com os alunos: o que esses deslocamentos, datados da segunda metade dos anos 60, podem sugerir? 3.2. Ad-Miraçâo: convite Ç conscientizaçâo O que se pode explorar pelo contato com esses elementos? Que instigaç§es podem ser inauguradas por essas apropriaç§es por meio de uma leitura ou percepçâo imaginativa? Se os armžrios de Salcedo podem contar hist�rias privadas e o Citroên de Orozco pode ser visto como um ìcone do poder passageiro das soberanias tecnol�gicas, o que pode entâo dizer este sistema enigmžtico de minerais, mapas, espelhos e caixas? O que representa para os alunos esta açâo de apropriaçâo e deslocamento ser exposta como arte? Uma busca arqueol�gica por lugares imemoriais? O trabalho de Robert Smithson7 ë apresentado aqui como conclusâo deste roteiro sobre obras desta XXIV Bienal que envolvem em seu processo de criaçâo apropriaç§es/deslocamentos e metžforas, mesmo sendo o mais antigo dos très. O deslocamento de terras distantes do contato humano8, matëria bruta do tempo, poeiras talvez prë-hist�ricas, abre quest§es sobre as relaç§es entre o territ�rio, os limites temporais e espaciais do fazer artìstico e o produto exposto para apreciaçâo. Pode-se explorar, em forma de debates, os limites e confinamentos das galerias e dos museus em relaçâo ao ilimitado territ�rio sem fronteiras do mundo natural (vida). Smithson desloca simbolicamente terras, espelhos e mapas para dentro do mundo institucional da arte. Ele vè o pr�prio espaço interno dos museus e das galerias como asilos, caixas fechadas, isoladas do mundo. Sua preocupaçâo era encontrar um meio de trazer um mundo infinito, que estž alëm de nosso tempo e de nossa cultura, para dentro do mundo da arte. Encontrar meios para transitar dos espaços abertos da vida para dentro das "caixas" dos espaços institucionais das exposiç§es de arte. Esse deslocamento s� pode entâo ser realizado a partir da "metžfora", que em grego significa o transporte do incomensuržvel para o confinado. Os poucos elementos que comp§em suas obras, terra, espelho, mapas e fotografias, constituem-se como uma situaçâo metaf�rica, um sistema de signos que remetem sempre para outro lugar, fora e distante da exposiçâo. 3.3. Atividade proposta Por que Smithson usava espelhos? Como seria criar uma representaçâo metaf�rica de um lugar, com mapas, espelhos, terras e pedras? Com espelhos, mapas, fotografias e desenhos, da cidade ou dos arredores, desenvolver experièncias sobre a exploraçâo do territ�rio pelo ser humano e o entendimento da leitura dos c�digos utilizados nos mapas. Se possìvel, fazer com os alunos visitas a sìtios fora da cidade e coletar pedras e terras dessas žreas, reunindo e documentando o material coletado para criar um laborat�rio de experièncias sobre representaç§es metaf�ricas desses lugares. Se nâo for possìvel sair com os alunos, experimente criar mapas e pedir que recolham elementos de locais significativos para eles dentro da pr�pria escola ou nas vizinhanças da comunidade em que vivem. Concluìda a coleta, coloque uma sërie de pequenos espelhos no pžtio da escola e discuta com os alunos as idëias que surgirem para organizar esses elementos/objetos, avaliando por essa conversa a compreensâo dos conceitos trabalhados neste percurso. |
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4.
Sugest§es de continuidade Como continuidade ou como forma de avaliar a compreensâo do percurso proposto neste Material de Apoio, alëm dos debates e das atividades jž sugeridos junto Ç leitura das obras de cada artista, indicamos ao professor propor uma reflexâo, por escrito ou na forma de uma discussâo, a partir das seguintes quest§es (e de outras que ache conveniente acrescentar): o que significa uma coisa "funcionar" como obra de arte? O que significa um objeto comum ser apropriado e deslocado por um artista para uma exposiçâo, onde passa a ser visto como arte? Por que essas obras podem ser vistas como um convite Ç conscientizaçâo9? Conscientizaçâo de què? O que ë uma metžfora? |
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Robert
Smithson "Nonsite (Palisades-Edgewater, New Jersey)" (Nãolugar), 1968, alumínio pintado, esmalte, pedra 142,2 x 66 x 91,4 cm Coleção e copyright Whitley Museum of American Art, Nova York Adquirido com fundos de Howard and Jean Lipman Foundation, Inc |
Doris
Salcedo "Instalação ", 1995 Instalação Carmegie International, Pitsburgo Foto: Richard Stoner Cortesia Alexander and Bonin, Nova York |
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Glossžrio Cubismo: para muitos, este movimento artístico iniciado na França em 1907 é considerado o início da arte moderna. A pintura afasta-se dos modelos tradicionais de imitação da realidade, construindo uma imagem fragmentada que funde aspectos do objeto percebido por diferentes ângulos. Jackson Pollock (Cody, Estados Unidos, 1912 - id., 1956): um dos principais artistas do movimento Expressionismo Abstrato (escola de Nova York), por meio de sua pintura gestual participou da libertação da pintura norte-americana em relação às influências européias. Lugar: um lugar se diferencia dentro do espaço genérico por sua localização e caracterização específica, que permite o desenvolvimento de vínculos afetivos. Marcel Duchamp (Blainville, França, 1887 - id., 1968): Duchamp, com o gesto de criação dos "Readymade", apropriação de objetos "já fabricados" deslocados para o contexto institucional da arte, defende o primado do ato conceitual, criando as bases da arte conceitual. Niilista: manifestação autodestrutiva de busca pelo anulamento ou o "nada", total esvaziamento de uma positividade de sentido ou forma. O Dadaísmo em sua essência é um movimento niilista, de antiarte. |
Bibliografia ARGAN, Giulio C. S. "Arte moderna". Sâo Paulo: Martins Fontes, 1992. BARBOSA, Ana Mae. "A imagem no ensino da arte". Sâo Paulo: Perspectiva, 1996. CALABRESE, Omar. "A linguagem da arte". Rio de Janeiro: Globo, 1987. FUSCO, Renato de. "Hist�ria da arte contemporénea". Lisboa: Presença, 1983. HARVEY, David. "A condiçâo p�s-moderna". Sâo Paulo: Loyola, 1993. HONNEF, Klaus. "Arte contemporénea". Col–nia: Taschen, 1992. KUSPIT, Donald. "Brian Maguire's primitivism". 1993. MAGUIRE, Brian. "Casa da Cultura". (Catžlogo) Dublin: Department of Foreign Affairs,1988. MICELI, Sërgio. "Imagens negociadas: retratos da elite brasileira (1920-1940)". Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1996. MORAES, Frederico. "Panorama das artes plžsticas: sëculos XIX e XX". Sâo Paulo: Instituto Cultural Itaö, 1989. OSTROWER, Fayga. "Universos da arte". Rio de Janeiro: Campus, 1991. RIBEIRO, Marìlia Andrës. "Neovanguardas". Belo Horizonte: C/Arte, 1997. |