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ANTROPOFAGIAS ENTRE ARTE E VIDA
Apropriações e deslocamentos
em Gabriel Orozco, Doris Salcedo e Robert Smithson

 
Gabriel Orozco
Jalapa, México, 1962




"La DS"
1993 - carro suturado (Citroën), metal, couro e lona
114 x 140 x 480 cm
Coleção Fonds National D'Art Contemporain, França
Cortesia Marian Goodman
Gallery, New York
O quê?

As aç§es de apropriaçâo e deslocamento como pržticas antropofžgicas na arte contemporénea;
o que ë uma metžfora e como os artistas Gabriel Orozco, Doris Salcedo e Robert Smithson se valem desse recurso de linguagem;
a percepçâo da interaçâo entre o espaço pöblico e o privado como formas de conscientizaçâo da inserçâo do indivìduo no meio cultural.

Por quê?

Esta abordagem Ç apropriaçâo e ao deslocamento das coisas do mundo para o universo da arte, propondo uma releitura de nossas existèncias, ë um convite Ç conscientizaçâo, ao aprendizado existencial no sentido proposto por Paulo Freire. Ao apresentar estes objetos artìsticos aos estudantes como situaç§es metaf�ricas potencializadoras de um estar no mundo poëtica e criticamente, este percurso procura reunir para o professor fundamentos crìticos e hist�ricos que facilitem seu trabalho como mediador no processo de expansâo dos conceitos de seus alunos sobre arte.
Este ë um processo formador de novas atitudes: atualiza a inserçâo da produçâo artìstica contemporénea no sistema educativo de modo a acessar o universo do imaginžrio artìstico como um legado cultural a ser vivido, nâo como um produto fechado, imposto, isolado da vida e do mundo.


Para quê?

Promover entre os alunos uma atitude participativa na construçâo de sentidos em seus encontros com o objeto artìstico, introduzindo o conceito de metžfora como instrumento de compreensâo da obra.
Estabelecer um dižlogo entre os alunos a partir das quest§es trazidas pelas obras e seus processos de criaçâo, destacando os procedimentos de apropriaçâo e deslocamento, por meio do eixo definido pelas "leituras contìnuas/antropofžgicas" das obras: estranhamento/percepçâo imaginativa, ad-miraçâo e imaginaçâo produtiva.
Formar atitudes crìticas e poëticas perante a produçâo artìstica e o mundo. A partir da discussâo sobre as obras, estudar a interaçâo com os espaços definidos como pöblico e privado de modo a perceber a inserçâo do indivìduo no meio cultural.

 
Como? (Quando? Onde?)

Com o tìtulo metaf�rico de "Antropofagias entre arte e vida", este material enfoca pržticas em uso crescente dentre os discursos artìsticos contemporéneos: a apropriaçâo e o deslocamento1. Essas aç§es antropofžgicas ocorrem sobre nossa pr�pria cultura material quando artistas se apropriam de "objetos do dia-a-dia, produzidos para atender necessidades individuais ou coletivas", e os deslocam desse contexto original para as galerias ou museus, onde passam a "funcionar" como objetos artìsticos.
Nessa mudança de funç§es, esse objeto ë reapresentado Ç sociedade como um sistema comunicativo simb�lico, um objeto-signo para a aprecia çâo poëtica e crìtica. O que estž por tržs dessa redefiniçâo do ato artìstico? Como essas aç§es conceituais (e antropofžgicas) podem ser exploradas educativamente, convidando Ç conscientizaçâo de nosso estar no mundo?
As obras escolhidas para constituir este percurso sâo as seguintes: "Citroên - La DS", de Gabriel Orozco (Mëxico, 1962), "Armžrios com cimento", de Doris Salcedo (Col–mbia, 1960), e "Non-sites" (traduçâo livre: nâo-lugares), de Robert Smithson (Estados Unidos, 1938-1973).
Este percurso procurarž delinear proximidades e diferenças entre Robert Smithson, Gabriel Orozco e Doris Salcedo, cujas pržticas envolvem "apropriaç§es/ deslocamentos" de diferentes nìveis e sentidos, questionando a pr�pria natureza do objeto artìstico, a inserçâo de coisas e materiais do dia-a-dia no mundo da arte, e, paradoxalmente, seu afastamento da vida para a arte pela incomunicabilidade e pelo isolamento institucional. Essas poëticas pertencem ao mesmo eixo hist�rico-cultural deixado pelo legado de Duchamp, do Dadaìsmo e do Surrealismo2, da Pop Art e da arte conceitual. Serž dada a mesma ènfase tanto Çs leituras poëticas quanto Çs möltiplas reflex§es crìticas das quais cada obra ë portadora.
 

1. Apropriação e deslocamento
Artistas cubistas, desde Pablo Picasso e George Braque, jž lançavam mâo de recortes de jornais, papëis de parede, r�tulos de bebidas e outros materiais, aplicados em suas telas como um confronto entre representaçâo da realidade pela pintura e o pr�prio objeto da realidade. Marcel Duchamp radicaliza essa tendència apropriando-se de um mict�rio e deslocando-o para o museu, nomeando esse tipo de trabalho "Readymade", jž fabricado. Nesse ato crìtico de deslocamento, Duchamp aponta para a indiferença em relaçâo Çs coisas em torno do mundo civilizado. O pr�prio Duchamp escreveu: "Um ponto que desejo estabelecer ë que a escolha deste 'Readymade' nunca foi ditada por uma causa de deleite estëtico. Essa escolha foi feita baseada numa reaçâo Ç indiferença visual, com total ausència de sentido de bom ou mau gosto... De fato, uma completa anestesia".

Pablo Picasso: (Mžlaga, Espanha, 1881 - França,1973): um dos criadores do Cubismo, junto com Braque, abandonou a ilusâo espacial da perspectiva tradicional adotada pela arte ocidental desde a Renascença, propondo novas forma de olhar a realidade.
George Braque: (Argentouil, França, 1882 - id., 1963): um dos artistas que criou o movimento cubista, dialogando com Picasso na procura de um novo modo de olhar a realidade a partir dos caminhos apontados por Paul Cëzanne (Aix-en-Provence, França, 1839 - id., 1906).
 

2. Do Dadaísmo e do Surrealismo
O Dadaìsmo, como movimento datado de 1916, ë comentado por Pierre Restany como "nascido da confusâo da guerra, Dadž nâo sobreviveu Ç confusâo da paz... O Dadž ë inötil, vazio, oco, verboso e nâo passa de vento. O Dadž destr�i e nâo passa disso" (p.70). O Dadaìsmo ë um movimento autodestrutivo - niilista - que se autodenominava de antiarte. Suas origens estâo ligadas a seu contexto hist�rico, de desilusâo com a Segunda Guerra Mundial, e tambëm se manifestava como uma reaçâo crìtica Çs tendèncias dos movimentos artìsticos europeus de vanguarda - principalmente ao Cubismo. O consumismo burguès que manipulava as produç§es artìsticas era combatido pelo Dadaìsmo com uma produçâo efèmera e principalmente antidecorativa. O Surrealismo surge na dëcada de 20 como desdobramento das propostas do Dadaìsmo. Suas raìzes estâo ligadas ao confronto entre racional e irracional e Ç desilusâo perante um mundo dividido: a razâo, a ordem, o controle da l�gica sobre os fatos e a visâo realista de um lado; o universo do sonho, do inconsciente e do inexplicžvel de outro. A busca de uma operaçâo automatizada de colagem de imagens desconectas representa na pintura o universo surrealista (mais informaç§es no Material de Apoio sobre Magritte - "Entradas e enigmas do imaginžrio surrealista").

 
1. Gabriel Orozco - "Citroên - La DS"

1.1. Estranhamento

Orozco, em sua obra "La DS" (1993), executa um duplo ato transgressor. Nâo apenas se apropria do modelo Citroên DS, que foi um paradigma do design moderno da indöstria automobilìstica francesa em sua inféncia, nos anos 50, como tambëm interfere diretamente no autom�vel. Cortando o carro em très partes, retirando a do meio e posteriormente realizando uma emenda perfeita na carroceria por uma sutura, o escultor simbolicamente subtrai a dimensâo funcional do objeto (carro). O estranhamento causado pelo "emagrecimento" de um modelo de autom�vel tâo conhecido o potencializa com um novo status de obra de arte, isto ë, objeto intencional comunicativo de uma crìtica cultural. O gesto do artista redefine ou questiona o poder, o fascìnio e a transitoriedade da soberania tecnol�gica num mundo materialista voltado para o consumismo.
Ao mesmo tempo, este objeto artìstico pode ser visto como um objeto de consumo ou como uma forma de denöncia e resistència ao consumismo. Esses sâo pontos em que o estranhamento do primeiro olhar sobre o objeto pode instigar uma apreciaçâo crìtica sobre os sentidos do ato intencional do artista.

1.2. Instigaç§es: do estranhamento Çs inserç§es culturais e biogržficas (ad-miraçâo)
Observar o canibalismo (açâo antropofžgica) da arte sobre um objeto industrial utilitžrio que tambëm ë sìmbolo das soberanias culturais e tecnol�gicas. Informaç§es sobre a Pop Art3 podem ser colocadas como referència para os alunos compreenderem esse processo.
Verificar que relaç§es podem ser estabelecidas entre a obra de Orozco e o Surrealismo. O Surrealismo tambëm executou cortes no mundo real, l�gico e racional, criando situaç§es de estranhamento entre o irracional, o sonho e a realidade. Que ilusionismo estž implìcito no objeto-carro "La DS"? Ï um carro ou um nâo-carro?
Relacionar a obra de arte com a vida deste artista: um carro novo, ainda nos dias de hoje, ë um objeto de desejo e sonho de consumo de muitas pessoas, principalmente se for importado. Sendo o artista mexicano, nascido em 1962, serž que, em sua inféncia, Gabriel Orozco nâo sonhou tambëm em ter um Citroën, um carro importado?

1.3. Sugest§es de atividade e debate
Compartilhar com a classe os sonhos de consumo ("importados" ou nâo) de cada um a partir de imagens de propaganda trazidas pelos alunos como representativas de seus pr�prios sonhos. Propor a realizaçâo em grupo de colagens sobre esse tema a partir do material que trouxerem.
Para avaliar a compreensâo dos temas discutidos durante esta leitura de obra, promover um debate sobre a seguinte questâo: qual ë o convite Ç conscientizaçâo que Orozco faz por intermëdio de sua obra?
 

3. Pop Art
Segundo William Fleming, "ocorrido nos anos 60, o movimento pop utilizava-se da linguagem trivial, de objetos vindos do dia-a-dia e de assuntos banais, norteado pela aceitaçâo ambìgua, entre cìnica e lödica, do materialismo moderno e a enxurrada de material comercial da mìdia de massa. Com seu imaginžrio acessìvel, a Pop Art celebra e parodia o lugar-comum da sociedade de consumo conspicuamente dependente dos supermercados, da propaganda, dos outdoors e das hist�rias em quadrinho. A Pop Art ofereceu, paradoxalmente, assuntos facilmente relacionžveis Ç vida cotidiana da classe mëdia e buscou possibilitar o acesso Ç produçâo artìstica pela reproduçâo de imagens deslocadas dos meios de comunicaçâo de massa, ao mesmo tempo em que se tornava um estilo dentro das galerias e instituiç§es do mundo da arte, mais uma vez, distantes do consumo da massa".

Mídia: os meios de comunicaçâo social, como os jornais, televis§es, rždios etc.
Pop Art: iniciado na Inglaterra em torno de 1955, o Pop Art (abreviaçâo de popular art) foi um movimento muito ligado Ç cultura americana. Assimila o surgimento de uma nova cultura popular de massa, assimilando imagens divulgadas pelos meios de comunicaçâo e criticando os sonhos de consumo da classe mëdia.
 

2. Doris Salcedo

2.1. Estranhamento
Doris Salcedo utiliza-se de apropriaçâo/deslocamento ao trazer para o mundo da apreciaçâo artìstica elementos do cotidiano particular e privado de todos n�s: m�veis, armžrios, gaveteiros4, armaçâo de camas. O espectador ë tomado pelo estranhamento diante desses objetos tomados do passado de alguëm, ou de todos os nossos passados, coletivos ou individuais, e agora deslocados, expostos e reunidos na XXIV Bienal como obras de arte. Serž que pertencem Ç pr�pria inféncia da artista? Podem estes objetos contar hist�rias secretas, testemunhadas silenciosamente na vida de alguëm em particular, ou de todos n�s?
Ao olhar mais detalhadamente, constata-se que estes mesmos elementos familiares, domësticos, estâo preenchidos de concreto, pesados e inöteis, o que os tornam simb�lica e literalmente petrificados. Mais uma armadilha, assim como em Orozco, um enigma, um gesto expressivo de provocaçâo. Um conjunto de objetos despatriados e esvaziados de suas funç§es domësticas, confrontam intencionalmente o pöblico desavisado, talvez anestesiado, da constante presença do passado, que resiste a se dissolver. Podem os objetos particulares e ìntimos tornarem-se silenciosos indagadores ou denunciadores pöblicos?

2.2. Instigaç§es: do estranhamento Çs inserç§es culturais e biogržficas (ad-miraçâo)
A artista colombiana Doris Salcedo5 cria por meio de seus m�veis petrificados a potencializaçâo do territ�rio de conscientizaçâo de experièncias que perpassam o individual e o coletivo.
Como se pode, a partir do encontro com estes objetos, mudos e ao mesmo tempo expressivos, carregados de experièncias privadas e coletivas, apreendè-los inseridos numa experiència artìstica? Como a estratëgia de apropriaçâo e transformaçâo do objeto privado em experiència coletiva redefine o papel do artista?
Como trazer objetos domësticos para falar silenciosamente sobre toda a condiçâo de aniquilamento e violència camuflada de um paìs? Retomando a obra de Cildo Meireles, "O desvio para o vermelho" (tema do Material de Apoio "Antropofagias da cor"), comparar as semelhanças que existem entre estes artistas e seus violentos contextos hist�rico-culturais.
Investigar quais sâo as principais crises que atravessam a naçâo colombiana. Trata-se de uma naçâo sob o comando de dois sistemas de poder: o oficial e o da mžfia das drogas. Salcedo traz para o mundo da arte um convite Ç conscientizaçâo da condiçâo humana em seu paìs.

2.3. Sugest§es de debate e atividade
Como as situaç§es de apropriaçâo e deslocamento podem se tornar desafiantes para o espectador, criando uma situaçâo em que os objetos perguntam: "Por que eu sou arte?".
Criar um "coisžrio": reunir os mais diversos tipos de coisas, objetos particulares de famìlia ou guardados velhos. A partir dessas coisas velhas, de meros objetos cotidianos6, propor uma experiència de conscientizaçâo cultural, uma experiència poëtica, utilizando esses objetos particulares para construir experièncias coletivas que resgatem mem�rias individuais de outras pessoas.

 

4. Móveis, armários, gaveteiros Segundo Bachelard, "os conceitos sâo gavetas que servem para classificar os conhecimentos; os conceitos sâo roupas de confecçâo que desindividualizam conhecimentos vividos. Para cada conceito hž uma gaveta no m�vel de categorias. O conceito ë um pensamento morto, jž que ë, por definiçâo, pensamento classificado. Com o tema das gavetas, dos cofres, das fechaduras e dos armžrios, vamos retomar contato com a insondžvel reserva dos devaneios de intimidade. O armžrio e suas prateleiras, a escrivaninha e suas gavetas, o cofre e seu fundo falso sâo verdadeiros �rgâos da vida psicol�gica secreta. Sem esses 'objetos', nossa vida ìntima nâo teria um modelo de intimidade. Sâo objetos mistos, objetos-sujeitos. Tèm, como n�s, por n�s e para n�s, uma intimidade. No armžrio vive um centro de ordem que protege toda a casa contra uma desordem sem limite. Nele reina a ordem, ou antes, nele a ordem ë um reino. 'O armžrio', diz Milosz, '(estž) cheio do tumulto mudo das lembranças'. Mas as imagens sâo mais imperiosas que as idëias".

 

5. Doris Salcedo
Anastasia Aukeman cita Salcedo: "Col–mbia ë um paìs cheio de viövas. (...) Existia uma viöva de um lìder polìtico, que me disse o quanto ë difìcil continuar morando com objetos que sâo lembranças de seu marido. Toda manhâ vocè abre seu armžrio e as roupas estâo lž. Todos os dias vocè se senta Ç mesa de jantar e a cadeira vazia estž lž, gritando a ausència daquela pessoa... Pode se tornar muito difìcil conviver com um objeto. Daì eu tentei silenciar tais objetos, preenchendo com cimento. (...) Meu trabalho nâo ë sobre uma önica pessoa ou hist�ria. Eu freqÆentemente me concentro nas experièncias das mulheres porque elas ficam para contar as hist�rias. As experièncias sâo coletivas".

 

6. Meros objetos do cotidiano
Segundo Mihaly Csikszentmihaly, "nossa necessidade do objeto se dž nâo s� no campo fìsico, mas acima de tudo no psicol�gico. Com a funçâo de estabilizar a vida humana, os objetos ajudam a objetivar o ser, por, pelo menos, très maneiras: demonstrando o lugar de seu proprietžrio na hierarquia social, revelando a continuidade do ser no passar do tempo (presente, passado e futuro) e dando evidència concreta de lugar na teia social como sìmbolos de relacionamentos vžlidos. Dessas très maneiras, as coisas estabilizam a sensaçâo de quem somos. Os objetos servem ao prop�sito de exibir nossa posiçâo na sociedade, sendo sìmbolos de status extremamente complexos. A dependència do material ocorre, em parte, pela necessidade paradoxal de transformar a precariedade de nossa consciència na solidez das coisas. O corpo nâo ë grande, bonito e permanente o suficiente para satisfazer nossa sensaçâo do ser. N�s precisamos de objetos para magnificar nosso poder, enfatizar nossa beleza e estender nossa mem�ria em direçâo ao futuro".

 
3. Robert Smithson - "Non-site": nâo-lugar

3.1 Estranhamento
Smithson nâo se apropria de objetos como Orozco ou Salcedo, mas de minerais, terra, pedra e sal, com seus significados ampliados por espelhos, mapas, fotografias e desenhos. Em vez de objetos manufaturados, industrializados, portadores de funç§es que relacionam o privado com o coletivo, encontramos elementos do reino mineral que podem nos remeter a terras distantes, acompanhados de fotografias e desenhos que materializam seu local, origem e existència, na maioria das vezes, distante do contato com o mundo industrializado.
Discutir com os alunos: o que esses deslocamentos, datados da segunda metade dos anos 60, podem sugerir?

3.2. Ad-Miraçâo: convite Ç conscientizaçâo
O que se pode explorar pelo contato com esses elementos? Que instigaç§es podem ser inauguradas por essas apropriaç§es por meio de uma leitura ou percepçâo imaginativa? Se os armžrios de Salcedo podem contar hist�rias privadas e o Citroên de Orozco pode ser visto como um ìcone do poder passageiro das soberanias tecnol�gicas, o que pode entâo dizer este sistema enigmžtico de minerais, mapas, espelhos e caixas? O que representa para os alunos esta açâo de apropriaçâo e deslocamento ser exposta como arte? Uma busca arqueol�gica por lugares imemoriais?
O trabalho de Robert Smithson7 ë apresentado aqui como conclusâo deste roteiro sobre obras desta XXIV Bienal que envolvem em seu processo de criaçâo apropriaç§es/deslocamentos e metžforas, mesmo sendo o mais antigo dos très. O deslocamento de terras distantes do contato humano8, matëria bruta do tempo, poeiras talvez prë-hist�ricas, abre quest§es sobre as relaç§es entre o territ�rio, os limites temporais e espaciais do fazer artìstico e o produto exposto para apreciaçâo.
Pode-se explorar, em forma de debates, os limites e confinamentos das galerias e dos museus em relaçâo ao ilimitado territ�rio sem fronteiras do mundo natural (vida).
Smithson desloca simbolicamente terras, espelhos e mapas para dentro do mundo institucional da arte. Ele vè o pr�prio espaço interno dos museus e das galerias como asilos, caixas fechadas, isoladas do mundo. Sua preocupaçâo era encontrar um meio de trazer um mundo infinito, que estž alëm de nosso tempo e de nossa cultura, para dentro do mundo da arte. Encontrar meios para transitar dos espaços abertos da vida para dentro das "caixas" dos espaços institucionais das exposiç§es de arte. Esse deslocamento s� pode entâo ser realizado a partir da "metžfora", que em grego significa o transporte do incomensuržvel para o confinado.
Os poucos elementos que comp§em suas obras, terra, espelho, mapas e fotografias, constituem-se como uma situaçâo metaf�rica, um sistema de signos que remetem sempre para outro lugar, fora e distante da exposiçâo.

3.3. Atividade proposta
Por que Smithson usava espelhos? Como seria criar uma representaçâo metaf�rica de um lugar, com mapas, espelhos, terras e pedras?
Com espelhos, mapas, fotografias e desenhos, da cidade ou dos arredores, desenvolver experièncias sobre a exploraçâo do territ�rio pelo ser humano e o entendimento da leitura dos c�digos utilizados nos mapas. Se possìvel, fazer com os alunos visitas a sìtios fora da cidade e coletar pedras e terras dessas žreas, reunindo e documentando o material coletado para criar um laborat�rio de experièncias sobre representaç§es metaf�ricas desses lugares. Se nâo for possìvel sair com os alunos, experimente criar mapas e pedir que recolham elementos de locais significativos para eles dentro da pr�pria escola ou nas vizinhanças da comunidade em que vivem.
Concluìda a coleta, coloque uma sërie de pequenos espelhos no pžtio da escola e discuta com os alunos as idëias que surgirem para organizar esses elementos/objetos, avaliando por essa conversa a compreensâo dos conceitos trabalhados neste percurso.
 

7. Robert Smithson
Vicki Goldberg comenta que "nenhum artista desde Jackson Pollock, com a possìvel exceçâo de Andy Warhol, teve tanta influència sobre a pr�xima geraçâo de artistas americanos quanto Smithson. Sua arte e suas idëias foram igualmente monumentais. Foi um dos pioneiros dos Earthworks, obras de arte com a terra, tambëm chamadas de Landart. Ele se liberou das ferramentas tradicionais de escultura para lançar mâo de tratores e caminh§es e rearrumou a natureza em configuraç§es tâo vastas que nenhum museu poderia contè-las. Essas suas obras foram chamadas de 'sites', lugares, arrumaç§es da paisagem em lugares especìficos afastados do contato humano, irremovìveis. Nesse momento Smithson literalmente se apropriava do mundo e da paisagem natural para transformž-la em arte". Bachelard escreveu algo adequado ao trabalho deste artista: "O destino poëtico do homem ë o de ser o espelho da imensidâo; ou, mais exatamente ainda, a imensidâo vem tomar consciència de si mesma no homem..."

Andy Warhol: (EUA, 1929-1987): foi um dos principais artistas representantes da Pop Art nos Estados Unidos. Apropriou-se de imagens de ìcones da mìdia, como a estrela de cinema Marilyn Monroe e o pr�prio Warhol, para criar suas obras.
 

8. Terras distantes do contato humano
Robert Smithson estž representado na XXIV Bienal por seus "Non-sites" (lugar-nenhum), expostos sob a curadoria de Mary Jane Jacob, curadora independente americana. Os "Non-sites" sâo exibidos em galerias em caixas ou contèineres minimalistas contendo solos, pedras ou sal de um lugar (site) especìfico. Smithson explica, no catžlogo de sua exposiçâo retrospectiva, que seus "Non-sites" demarcam o "lugar onde uma obra deveria estar mas nâo estž. A obra que deveria estar lž agora estž em outro lugar, normalmente numa sala. De fato tudo aquilo que tem alguma importéncia ocorre fora da sala. Mas a sala nos lembra a limitaçâo de nossa condiçâo".

Minimalista: refere-se a uma tendència da arte contemporénea surgida nos anos 50, reunindo artistas que pregam o uso de formas simples, elementares, na criaçâo de suas obras, reagindo ao emocionalismo acentuado pelo Expressionismo abstrato.
 
4. Sugest§es de continuidade
Como continuidade ou como forma de avaliar a compreensâo do percurso proposto neste Material de Apoio, alëm dos debates e das atividades jž sugeridos junto Ç leitura das obras de cada artista, indicamos ao professor propor uma reflexâo, por escrito ou na forma de uma discussâo, a partir das seguintes quest§es (e de outras que ache conveniente acrescentar): o que significa uma coisa "funcionar" como obra de arte? O que significa um objeto comum ser apropriado e deslocado por um artista para uma exposiçâo, onde passa a ser visto como arte? Por que essas obras podem ser vistas como um convite Ç conscientizaçâo9? Conscientizaçâo de què? O que ë uma metžfora?
 

9. Conscientização
Segundo Robert Smithson, "quando uma coisa ë vista com a consciència da temporalidade, ela ë transformada em alguma outra coisa, que nâo ë nada. Esse sentido envolve essa coisa e provè uma referència mental para o objeto; assim ele deixa de ser um mero objeto e se torna arte".


Robert Smithson
"Nonsite (Palisades-Edgewater, New Jersey)"
(Nãolugar), 1968, alumínio pintado, esmalte, pedra 142,2 x 66 x 91,4 cm
Coleção e copyright Whitley Museum of American Art, Nova York
Adquirido com fundos de Howard and Jean Lipman Foundation, Inc
  Doris Salcedo
"Instalação ", 1995
Instalação Carmegie International, Pitsburgo
Foto: Richard Stoner
Cortesia Alexander and Bonin, Nova York
     
Glossžrio

Cubismo: para muitos, este movimento artístico iniciado na França em 1907 é considerado o início da arte moderna. A pintura afasta-se dos modelos tradicionais de imitação da realidade, construindo uma imagem fragmentada que funde aspectos do objeto percebido por diferentes ângulos.

Jackson Pollock (Cody, Estados Unidos, 1912 - id., 1956): um dos principais artistas do movimento Expressionismo Abstrato (escola de Nova York), por meio de sua pintura gestual participou da libertação da pintura norte-americana em relação às influências européias.

Lugar: um lugar se diferencia dentro do espaço genérico por sua localização e caracterização específica, que permite o desenvolvimento de vínculos afetivos.

Marcel Duchamp (Blainville, França, 1887 - id., 1968): Duchamp, com o gesto de criação dos "Readymade", apropriação de objetos "já fabricados" deslocados para o contexto institucional da arte, defende o primado do ato conceitual, criando as bases da arte conceitual.

Niilista: manifestação autodestrutiva de busca pelo anulamento ou o "nada", total esvaziamento de uma positividade de sentido ou forma. O Dadaísmo em sua essência é um movimento niilista, de antiarte.

  Bibliografia

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