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Retratos, retratos, retratos
histórias, histórias, histórias

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Francis Bacon
Dublin, Irlanda, 1909
Madrid, Espanha, 1992




"Study for a portrait"
(estudo para retrato)
1978 - tinta a óleo sobre tela
35,5 x 30,5 cm
Coleção Musée National d'Arte Moderne,
Centre Georges Pompidou, Paris
1998 Estate of Francis
Bacon / Artistis Rights Society (ARS), New York

O quê?

O quê?

o procedimento de citaçâo a obras de outros artistas em trabalhos de Bacon como forma de antropofagia;
a elaboraçâo de conceitos sobre retrato e auto-retrato, pintura e fotografia, deformaçâo, Realismo e Expressionismo, construçâo e desconstruçâo;
a consciència da produçâo artìstica como manifestaçâo cultural, produzida e observada dentro de um contexto.

Por quê?

A XXIV Bienal traz Bacon ao Brasil novamente, ap�s 25 anos de sua participaçâo numa Bienal. As mesmas quest§es que referenciam a açâo dos curadores deste evento, relacionadas Ç antropofagia e ao canibalismo, podem ser observadas em vžrios momentos na obra deste artista.
A proposta deste percurso ë propiciar aos alunos condiç§es para que percebam relaç§es entre a obra, o artista, o contexto em que foi criada e seu pr�prio cotidiano, criando uma visâo pessoal que integre a experiència vivida com esta obra em seu universo particular.


Para quê?

Para permitir aos alunos:
desenvolver conceitos sobre: citaçâo, retrato e auto-retrato, pintura e fotografia, deformaçâo, Realismo e Expressionismo, construçâo e desconstruçâo;
identificar os conceitos trabalhados por meio da fruiçâo de obras apresentadas pelo professor, e com isso criar caminhos que permitam acessar o territ�rio da arte;
elaborar trabalhos pržticos, enfocando os conceitos desenvolvidos em propostas individuais e construçâo coletiva, possibilitando a geraçâo de uma nova postura em relaçâo a si e ao outro pela vivència compartilhada no processo de criaçâo.

 

Como? (Quando? Onde?)
A proposta deste Material de Apoio ë levar o aluno a desenvolver um processo de construçâo de pensamento e reflexâo sobre o fazer artìstico ao ter acesso a uma obra de Francis Bacon1 e investigž-la e comparž-la aos outros retratos que fazem parte do conjunto de imagens integrantes do Material de Apoio.
Sugere-se alguns caminhos para o professor, situando-o em consonéncia com os conceitos da curadoria da XXIV Bienal e as propostas do Nöcleo Educaçâo.
O que se sugere como leituras e antropofagias contìnuas pode ser subdividido em très nìveis de aprofundamentos, nâo necessariamente lineares ou dependentes entre si, que sugerem possibilidades de transitar livremente de um nìvel para outro. Isso significa entender a obra de arte como um objeto intencional comunicativo que aponta possibilidades de vžrias entradas e leituras interligadas. Quanto mais articuladas essas leituras estiverem entre si, mais rico certamente ë o processo de aprofundamento e aprendizagem.
O conceito de antropofagias contìnuas proposto aqui estž relacionado Ç perspectiva de aprendizagem existencial de Paulo Freire. No caso em estudo, prop§e-se que o objeto artìstico seja visto como um "convite para a conscientizaçâo". Cada obra de arte, Ç medida que traz consigo a expressâo poëtica/crìtica de um indivìduo no mundo, tambëm pode se apresentar como mediadora e transformadora de relaç§es do indivìduo consigo pr�prio, com sua realidade e sua cultura. Paulo Freire denomina essa conscientizaçâo de "existència 'em' e 'com' o mundo".
O professor deve criar condiç§es para explorar a vivència, a sensibilidade e a realidade de cada aluno. Isso envolve o encontro com a obra, o desenvolvimento de uma possibilidade de fruiçâo da obra, a transposiçâo da situaçâo de estrangeiro perante essa criaçâo e a participaçâo efetiva na elaboraçâo de seus pr�prios caminhos para a criaçâo.

 

1. Francis Bacon
Francis Bacon nasceu em 28 de outubro de 1909 e faleceu em 1992. Ï considerado inglès, apesar de haver nascido e crescido em Dublin, na Irlanda. Sua obra retrata a condiçâo humana com grande carga dramžtica, e tem tido forte influència na arte latino-americana. A famìlia de Bacon era inglesa: seu pai era um treinador de cavalos e mudou-se com a famìlia para Londres no inìcio da Primeira Guerra Mundial ao entrar para o Conselho de Guerra. As mudanças freqÆentes e a asma fizeram com que Bacon fosse educado por professores particulares. Em 1925, muda-se para Londres, e posteriormente passa um perìodo em Berlim e perto de Chantilly, na França. Em 1928, finalmente fixa residència em Londres. Inicia-se na pintura como autodidata e trabalha como decorador. Sabe-se que destruiu quase toda a sua obra anterior aos anos 40. Em 1945, jž ë considerado um importante pintor figurativo. Em 1953, realiza sua primeira exposiçâo individual em Nova York. Representou a Grâ-Bretanha na Bienal de Veneza em 1954 e em 1959 na V Bienal de Sâo Paulo. Uma grande retrospectiva de sua obra foi feita na Tate Gallery de Londres em 1962, e posteriormente em toda a Europa. Em 1964 foi feita uma retrospectiva em Nova York, no Guggenheim Museum, e no Art Institute, de Chicago.

 
Fruição... Antropofagia do primeiro olhar: Estranhamento

Pistas para o olhar


Peça aos alunos que deixem seu olhar passear por esta obra de Bacon, instigando-os a investigar a obra e a compartilhar o que perceberam, o que sentiram e o que pensaram nesse processo.


Comparações com os outros retratos

Ao analisar reproduç§es comparando a obra de Bacon com outros retratos e auto-retratos que integram o conjunto de imagens do Material de Apoio, procure fazer com que os alunos desenvolvam seus conceitos a respeito da obra.
Se eles citarem Realismo2. como um critërio, explore esse conceito. Deve-se pensar em quest§es como: "O que faz uma obra mais realista do que outra?", "O que o realismo significa em um retrato: que ele ë similar a uma fotografia ou a um reflexo no espelho?" ou "O que ele nos diz ë o que a pessoa ë, revelando coisas que ela acredita serem importantes?".
Se os alunos mencionarem o nìvel de habilidade do artista, explore esses conceitos em perguntas como: "Quais caracterìsticas sâo necessžrias para definir um artista?", "Qual a importéncia de desenhar?", "Como o artista usou a cor, a textura, a imaginaçâo, as emoç§es?".
Se os alunos chamarem a obra de interessante, explore essa idëia, investigando e discutindo com o grupo os aspectos que despertaram sua atençâo.
 

2. "Ï claro que nâo existe um modo, muito menos um modo exato de interpretar o Realismo ou qualquer outro aspecto da arte. (...) Ï espantoso observar quantos matizes o significado deste termo pode assumir, conforme o modo pessoal de ver, os objetivos, a filosofia e o modo de escrevè-lo de cada artista. (...) Eis pois (...) homens trabalhando em vžrias direç§es - Albers, Gabo e Hofmann aceitos atualmente como lìderes da arte abstrata; (...) Hopper e Shahn, da pintura figurativa. Mas, paradoxalmente, todos se consideram realistas. (...) 'Gostaria de realizar-me. Neste sentido gostaria de ser considerado um realista. Para mim, a abstraçâo ë real, provavelmente mais real do que a natureza', disse Josef Albers quando lhe perguntei se se considerava um realista. (...) Naum Gabo afirma: 'Nâo s� considero meu trabalho atual como realìstico, como tambëm tenho insistido, sempre mesmo no manifesto de 1920, que minha arte tem sido sempre realìstica'. E Hans Hofmann diz: '... a arte ë auto-suficiente, nâo nos termos de arte pela arte, mas sim na base de uma neo-realidade cujos alicerces estâo na relaçâo direta do artista com seu meio'. (...) Que Edward Hopper e Ben Shahn insistam em declarar-se realistas ë menos surpreendente, pois seus trabalhos sempre tèm dado grande importéncia Çs imagens naturalìsticas."

Hans Hofmann: (Weissenberg, Baviera, 1880 - 1966): Pintor e professor de arte naturalizado americano, realizou pinturas abstratas enfatizando em suas telas planos vibrantes de cores que se organizam segundo suas relaç§es dinémicas. Um dos criadores do Expressionismo Abstrato.
 
Contextos... antropofagia cultural: conscientizaçâo cultural/ad-miraçâo

Discutindo o retrato

Ao analisar a obra "Study of a portrait" (1978), questionar se os alunos consideram esta obra um retrato. Discutir:
O que ë um retrato?
O retrato3 deve necessariamente representar algo?
O retrato pode ser uma obra de arte?
O retrato deve mostrar a figura como um todo, ou pode mostrar somente uma parte?
Essa pintura, ao ser comparada com o conceito que os alunos tem de retrato, pode tambëm permitir trabalhar as noç§es de fragmentaçâo e de distorçâo do corpo. Surgiram na fala dos alunos elementos que possibilitam discutir os conceitos de deformaçâo, fragmentaçâo, desconstruçâo e reconstruçâo?
 

3. O retrato
Segundo Gombrich, "certamente ë possìvel ver todo retrato como um esquema de cabeça modificado pelos traços distintivos sobre os quais desejamos transmitir informaçâo. (...) O ponto de partida de um registro visual nâo ë uma certeza, mas uma conjectura condicionada pelo hžbito e pela tradiçâo. (...) A linguagem (...) articula o mundo de nossa experiència. As imagens da arte, suspeitamos, fazem a mesma coisa. (...) O mundo pode ser abordado de um éngulo diferente e, todavia, a informaçâo dada pode ser ainda a mesma. Do ponto de vista da informaçâo, nâo hž, de certo, dificuldade em discutir o retrato. Dizer de um desenho que ele constitui uma vista correta de Tìvoli nâo significa, naturalmente, que Tìvoli seja hachurada. Significa que aqueles que compreendem a notaçâo nâo vâo tirar nenhuma informaçâo falsa do desenho - quer ele dè o contorno do motivo em poucas linhas, quer reproduza nele cada folha de relva (...). O retrato completo pode ser aquele que dž tantas informaç§es sobre o lugar retratado quantas se obteriam olhando para ele do mesmo ponto em que o artista se colocou. (...) Ï tâo complexa a informaçâo que nos chega do mundo visìvel que nenhum quadro pintado poderž abrangè-la toda. Isso nâo se deve Ç subjetividade da visâo, mas a sua riqueza. Onde o artista tem de copiar um produto humano ele pode, naturalmente, produzir um fac-sìmile difìcil de distinguir do original. (...) Nâo ë o registro fiel de uma experiència visual, mas a construçâo fiel de um modelo relacional. (...) A forma de uma representaçâo nâo pode estar divorciada de sua finalidade e das exigèncias da sociedade na qual a linguagem visual ë dada."

 

Os retratos de Bacon e os de outros artistas

A partir das discuss§es anteriores com os alunos, o professor pode introduzir as informaç§es que considerar pertinentes ao percurso de seu grupo, criando condiç§es para realizar as atividades de produçâo que selecionar.
Um aspecto importante a ser comentado com os alunos ë o conceito de citaçâo4: quando um artista trabalha ou remete seu trabalho, de alguma maneira, Ç obra de outro artista. Bacon faz citaç§es a trabalhos de outros artistas em diversos momentos ao longo de toda sua obra.
Por intermëdio das reproduç§es que fazem parte deste Material de Apoio, mostrar ao aluno o que caracteriza uma pintura. Observar que, ao longo da Hist�ria, os pintores retrataram muitas pessoas e se auto-retrataram, introduzindo o retrato como gènero5.
Falar sobre a invençâo da fotografia e sua influència sobre o retrato. Discutir as relaç§es entre retrato, pintura e fotografia. Comparar o retrato feito por Bacon utilizando a tëcnica da pintura com algum dos retratos feitos a partir da fotografia, discutindo os processos de criação6 dos artistas e a relaçâo com seus contextos.
O professor pode perguntar aos alunos se jž conhecem algum trabalho desse artista. Caso afirmativo, onde conheceram, quando, como era a obra e o que acharam dela.

 

4. Citação
Segundo Dawn Ades, a obra de Bacon toca o tema da antropofagia em vžrios pontos. Quer seja por intermëdio das obras de Van Gogh, de Rembrandt ou de Velazquez, com as quais ele se confronta, absorve e reformula, quer seja por imagens de livros de Medicina e Hist�ria Natural, ou atë mesmo fotos de jornais. Tudo servia de fonte para sua imaginaçâo retrabalhar e transformar em pintura. Bacon ë um manipulador de imagens. Suas obras apresentam sinais antropofžgicos ao longo de sua caminhada. Se entendermos que antropofagia ë canibalizaçâo e apropriaçâo, as citaç§es em sua obra sâo o exemplo de uma obra instigante que vai alëm do fìsico do corpo humano apresentando retratos fragmentados, deformados, retorcidos. As obras "Portrait of Michael Leires", de 1976, e "Study for a portrait", de 1978, evidenciam reflexos da obra de Picasso das dëcadas de 20 e 30, mostrando uma ruptura espacial a partir de um eixo que usa a curva do nariz, o arco das sobrancelhas e o éngulo com a orelha mostrando vžrias leituras de um mesmo rosto. Teve grande influència em sua obra o contato com os estudos fotogržficos de Eadweard Muybridge. Bacon passa a utilizar fotografias e radiografias em seu trabalho.

Eadweard Muybridge: w(1830-1904): fot�grafo americano pioneiro na criaçâo de filmes animados. Realizou e publicou diversos estudos fotogržficos analisando a movimentaçâo seqÆenciada de seres humanos e de animais.
 

5. O retrato como um gênero Segundo E. Motta, "o retrato pode ser considerado um gènero de pintura, como a paisagem, a natureza-morta e a pintura de gènero, em virtude de sua presença em importantes perìodos da Hist�ria da Arte, devido ao fato de que quase todos os pintores e escultores a ele se dedicaram, alguns esporadicamente e outros com insistència. (...) O estudo da arte de retratar deve merecer atençâo dos estudiosos pelo caržter artìstico e iconogržfico e por contribuir para a compreensâo de determinado momento de uma sociedade, seus hžbitos, suas roupas, sua maneira de viver e, sobretudo, a psicologia do ser dentro da sociedade. Os retratos poderâo apenas representar, fixando para o futuro, os traços fision–micos de um modelo em certo estžgio de sua vida, sem outras pretens§es. Hž autores que encontram intuitivamente o caržter ìntimo das pessoas, arrancam de dentro um sentido que, muitas vezes, o pr�prio modelo desconhece, podendo eles - os retratos - serem pöblicos, destinados Ç exaltaçâo de her�is, polìticos, reis ou indivìduos destacados em suas atividades profissionais. (...) Perìodos houve em que essa vontade foi reduzida ou desapareceu completamente como decorrència do espìrito de comunidade que os caracterizava, quando os indivìduos, isoladamente, perdem importéncia e obviamente a intençâo de se fazerem retratar. (...) A hist�ria do retrato pode ser estudada por éngulos distintos: sociais, econ–micos, psicol�gicos, tëcnicos e artìsticos e, traduzindo cada um, suas raz§es e origens".

Gènero de pintura : referència Çs categorias de pintura adotadas no ensino das academias. Dawn comenta que, "apesar de suas referèncias ocasionais a temas mitol�gicos, religiosos ou poëticos, Bacon negava estar afirmando a hierarquia tradicional que colocava a pintura hist�rica no topo, seguida pelos retratos, paisagens e finalmente naturezas-mortas. Afirmando que 'como seres humanos somos nossa maior obsessâo', sugeriu uma ordem diferente, na qual 'os retratos vèm primeiro'".
 

6. Processos de criação
Ï importante ressaltar na obra de Bacon a relaçâo com o expressionismo de uma maneira bastante genërica. A figura humana ë o tema central de sua obra. Ela ë trabalhada a partir de modelos e de retratos e, de amigos. Pode-se considerar o seu um realismo moderno em que a obra ë radical e a figura humana chega aos limites da total desintegraçâo, quase ficando irreconhecìvel. O pr�prio Bacon, ao falar sobre sua obra e seu processo de trabalho para o crìtico Michel Archimbaud, diz: "A vida se desenrola ante seus olhos e vocè olha para ela, isso ë tudo. Vocè ë bombardeado por imagens o tempo todo. Mas hž algumas poucas, porëm, que colam em sua mente.(...) Quando eu trabalho tenho apenas uma vaga idëia, Çs vezes nenhuma idëia do que eu quero fazer. De certo ë puramente por acaso que algo acontece na tela. Na maior parte das vezes, nâo tem nada a ver com a idëia original, se na verdade eu tivesse uma para iniciar. Com respeito a isso, ë tambëm verdade que eu tenho um jeito curioso de autodisciplina, que ë provavelmente uma qualidade, porque a pintura nâo consiste s� em jogar tinta numa tela, mas hž uma habilidade adquirida, a qual, junto com o tempo e a idade, gera uma grande soma de habilidades. Eu estou definitivamente mais consciente agora daquilo que estou fazendo do que quando era mais jovem, o que nâo ë necessariamente muito bom, mas isso ë como ë, e eu acho que ë uma mistura de entusiasmo e do inesperado que forma minha pintura".

Expressionismo: o termo refere-se simultaneamente Ç acentuaçâo do caržter expressivo na arte e ao movimento artìstico europeu com o mesmo nome.
 

Produção... Criação...
Antropofagia poética: respostas poéticas

Recortes e colagens


Solicitar que os alunos reönam revistas, jornais e propagandas com figuras humanas e as tragam para a escola. A partir do acervo coletado, propor que recortem diversas bocas, olhos, narizes e que componham um trabalho utilizando esses fragmentos de imagens numa colagem.
Esse processo antropofžgico permite trabalhar com as noç§es de desconstruçâo, por meio da fragmentaçâo das figuras originais, e de reconstruçâo, na elaboraçâo das novas figuras.

Sombras

O professor deve providenciar focos de luz (lanternas, luz de projetor de slides, velas), uma sala que possa ser escurecida e papel pardo (kraft) em rolo, em pedaços grandes. Giz de cera (tinta opcional) e outros materiais para colagem. Propor trabalhar com as deformaç§es criadas pelas projeç§es das sombras do corpo dos alunos provocadas por esses focos de luz ao serem colocados em posiç§es diferentes. Cada criança serve de modelo para seu pr�prio "retrato", que serž elaborado por outro colega.
Caso nâo haja condiç§es de realizar esse trabalho numa sala escura, pode-se utilizar o pžtio da escola e as sombras dos corpos geradas pela luz do sol. Pode-se utilizar o mesmo giz colorido usado pelo professor para escrever no quadro negro para desenhar diretamente no châo os contornos das sombras das crianças.
Em ambos os casos, ap�s os contornos serem desenhados, orientar os alunos para que identifiquem nos desenhos resultantes novas formas, geradas pelas superposiçâo dos traços. Desconstruindo esses desenhos, as novas formas identificadas podem ser utilizadas para gerar outros desenhos.
Nesse processo, ao conversar com os alunos sobre seus resultados, podem ser discutidos os conceitos de forma, deformaçâo7 e anamorfose.

 

7. Deformação
Bacon declara: "Para mim o mistërio da pintura hoje ë questionar como a aparència pode ser construìda... Ao pintor cabe recapturar o impacto da realidade, voltar a jogž-lo dentro do sistema nervoso, com mais violència e denöncia. Porque a pintura realista nâo existe mais. Na tentativa de construir um retrato, meu ideal ë jogar tinta sobre a tela e esperar que o retrato ali se estabeleça... O que quero fazer ë distorcer a figura muito alëm da aparència. Vivemos atržs de cortinas - uma vivència velada. E acho que, quando as pessoas dizem que meu trabalho ë violento, ë porque consegui, de tempos em tempos, arrancar uma dessas cortinas". Segundo Kžtia Canton, "sobre telas cruas aplica tinta tanto por meio dos pincëis convencionais quanto com ajuda de trapos de suas pr�prias camisas. (...) Apesar de muitos se referirem a Bacon como expressionista, ele manipula o drama com formalismo cuidadoso e declara: 'A arte de valor ë profundamente ordenada'. (...) Sua intençâo ë tambëm fazer refletir a imagem do espectador sobre as suas. Bacon nâo se furta a definir-se como realista. E justifica-se: 'Tudo que capta precisamente a realidade ë macabro. Afinal, nascemos para morrer".

Realista: o uso deste termo em relaçâo Ç arte ë complexo. Por um lado designa a atitude de artistas que procuram estabelecer em suas obras um vìnculo profundo com a realidade, mesmo que se trate de um artista abstrato; por outro ë associado a artistas que procuram reproduzir a imagem da natureza de modo naturalista, de acordo com os c�digos de representaçâo assimilados pela sociedade.
 

Reflexos

Caso seus alunos jž tenham alguma experiència em desenho a partir da observaçâo, espelhos podem ser levados para a sala de aula, como referència para trabalhar a partir da pr�pria imagem e da do outro refletida.
Se nâo for possìvel utilizar espelhos, fotografias dos alunos poderâo ser usadas para trabalhar com a questâo do retrato e do auto-retrato.
Na observaçâo dos resultados, discutir o grau de satisfaçâo com os resultados, que tipo de semelhança hž com os retratados, se ë importante que haja semelhanças8 e se aprenderam algo com a experiència, avaliando como incorporaram os conceitos trabalhados no percurso.

 

8. Semelhanças
Umberto Eco discute os c�digos de representaçâo existentes na relaçâo entre o retrato e a figura que ele representa: "O que significa dizer que o retrato da rainha Isabel II da Inglaterra, pintado por Annigoni, tem as mesmas propriedades da rainha Isabel? O bom senso responde: porque tem a mesma forma dos olhos, do nariz, da boca, o mesmo colorido, o mesmo tom dos cabelos, a mesma estatura... Mas o que quer dizer 'a mesma forma do nariz'? O nariz tem très dimens§es, ao passo que a imagem do nariz tem duas. Visto de perto, o nariz tem poros e protuberéncias minösculas, de modo que sua superfìcie nâo ë lisa, mas desigual, diferentemente do nariz do retrato. Finalmente, o nariz tem na base dois furos, as narinas, ao passo que o nariz do retrato tem na base duas manchas negras que nâo perfuram a tela". Dawn Ades, sua curadora nesta XXIV Bienal, diz que "Bacon pintava a si pr�prio refletido no espelho ou a partir de fotografias, e seus amigos atravës de fotografias. Ele preferia estas fotos, junto com suas lembranças e associaç§es, que sua presença ao vivo na sala. Ele se sentia mais livre dessa maneira: 'Eles me inibiriam porque, se gosto deles, eu nâo desejo praticar na sua frente o tipo de ferimentos que faço a eles em minha pintura'".

 

Conte uma história

A elaboraçâo de hist�rias sobre as imagens observadas e a construçâo de novas metžforas que uma possìvel relaçâo permita poderž ser o fio a conduzir o trabalho. "Hist�rias" farž a ponte entre a reflexâo, a fruiçâo e as relaç§es que forem estabelecidas pela criança, a partir da obra e seu cotidiano, sua realidade e seu imaginžrio.
Pedir aos alunos que inventem uma hist�ria a partir desta imagem de Bacon, criem seqÆèncias interligando esta obra com outras ou que imaginem e descrevam os quadros que estâo faltando para poderem contar sua hist�ria.
Os estudantes podem imaginar que a obra "fala" e contar para o grupo que hist�rias ela conta. Essa atividade pode ser realizada individualmente ou em grupos, em que cada um contribui com uma parte da hist�ria.
Outro caminho seria pedir que elaborem palavras-chave sobre cada obra, descrevendo-as s� com substantivos ou adjetivos. Pedir que escrevam suas hist�rias a partir dessas palavras-chave, buscando no imaginžrio de cada um relaç§es com seu dia-a-dia.

Diário

O professor pode solicitar ao aluno que registre suas observaç§es e anote diariamente num caderno o que aprendeu, o que mais lhe chamou atençâo. Esse caderno de anotaç§es, registros do que cada um viu, analisou, pensou e criou, servirž de orientaçâo quando da avaliaçâo realizada entre professor e aluno. Essa avaliaçâo mostrarž se o aluno elabora em sua produçâo plžstica os conceitos trabalhados em cada proposta e se evidencia um pensamento l�gico na definiçâo dos conceitos.

Sugestões de continuidade

Comparar a proposta anterior, na qual os alunos trabalharam com suas pr�prias sombras, com a obra "Study for a portrait of Van Gogh VI"9, em que o corpo do pintor surge como uma sombra projetada no quadro, tambëm pode ser um exercìcio interessante.
Os alunos podem eliminar as figuras humanas de imagens de revistas raspando-as com palha de aço e abrindo espaço para inserirem seus pr�prios personagens. Essa abertura para a criaçâo de novas relaç§es, propiciada pelo processo de desconstruçâo, permite que o aluno se aproprie e transforme a imagem, retrabalhando-a com outros materiais de desenho ou de pintura. A partir dessa experiència, que incorpora um dos procedimentos adotados por Bacon em relaçâo Ç fotografia, o professor pode retomar os vžrios conceitos trabalhados neste Material de Apoio.

 

9. Study for a portrait of Van Gogh VI A citaçâo a outros pintores marca o caminho de Bacon, sendo que entre eles se destaca Van Gogh. Falando sobre Van Gogh, diz que "seu modo de tratar o material ë bem diferente da tëcnica dos impressionistas. Vocè sabe, ele usava a tinta muito espessa, aquele material muito espesso. Sua maneira era önica. Ele ë um dos maiores gènios da pintura. Para mim, Van Gogh ë o maior. Ele realmente encontrou uma nova maneira de descrever a realidade, atë nas coisas mais simples, e o mëtodo nâo era realista, mas era muito mais poderoso do que o simples Realismo. Era realmente um trabalho de recriar a realidade". A obra "Study for a portrait of Van Gogh VII" foi feita em 1957, ano em que Bacon realizou vžrias vers§es do quadro de Van Gogh "O pintor a caminho do trabalho" (1888). Nesta obra, pintada por Bacon, a carne, a matëria do corpo do pintor estž praticamente ausente. Dawn Ades, curadora de Bacon para a XXIV Bienal, comenta que o crìtico Michael Fried coloca as obras que formam o conjunto intitulado "Estudos para um retrato de Van Gogh" como uma virada na trajet�ria do pintor. Elas mostram uma reversâo na qual a figura ë transformada numa escura continuidade da sombra, contrastando com o fundo colorido.

Van Gogh: (Groot Zundert, Holanda, 1853 - Auvers-sur-Oise, França, 1890): Vincent Van Gogh tornou-se um ìcone da arte moderna por unir uma hist�ria pessoal tržgica a um trabalho de grande força expressiva, nâo reconhecido por seus contemporéneos mas com grande influència nas geraç§es subseqÆentes.

Glossžrio

Ben Shahn (Rússia, 1898 - 1969): pintor e artista gráfico naturalizado americano. Sua obra é dedicada à representação de temas sociais, muitas vezes de forma caricata e irônica.

Citação: quando um autor/artista trabalha ou remete seu trabalho, de alguma maneira, à obra de outro artista.

Edward Hopper (1882-1967): pintor americano conhecido por suas cenas realistas da vida contemporânea, marcadas pela sensação de solidão e isolamento.

Josef Albers (Bottrop, Alemanha, 1888 - 1976): foi aluno e professor na Bauhaus, famosa escola alemã de artes e design. Naturalizou-se americano e prosseguiu com suas pesquisas práticas e teóricas sobre o uso da cor em composições geométricas abstratas.

Naum Gabo (Bryansk, Rússia, 1890 - 1977): artista naturalizado americano, pioneiro, teórico e líder do movimento construtivista.

  Bibliografia

ARCHIMBAUD, Michel. Francis Bacon. In: "Conversation with Michel Archimbaud". Londres: Phaidon Press, 1993.
CANTON, Kátia. Bacon, a morte na alma. In: "Guia das artes" n. 20. São Paulo, 1990.
ECO, Umberto. "A estrutura ausente".
"Diálogo com a arte moderna".
"Francis Bacon". Nova Friburgo: Civilização Brasileira, 1995.
MATERIAL de divulgação da XXIV Bienal.