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BRIAN MAGUIRE
O resgate pelo retrato

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Brian Maguire
Bray, Irlanda, 1951




"12 days in March"
(12 dias em março)
1998 - técnica mista
sobre papel - 12 desenhos
49 x 70 cm (cada)
O quê?

A arte e a ëtica nos retratos de Brian Maguire;
o artista diante da misëria e do crime;
a vida na cidade: canibalismo x solidariedade.

Por quê?

Alguns artistas criam suas obras com a intençâo polìtica de participar ativamente dos rumos da vida em sua comunidade. A arte pode ser um meio para o artista posicionar-se eticamente, revelando aspectos ocultos da realidade social, violèncias tornadas banais por sua repetiçâo cotidiana. A solidariedade expressa no processo de criaçâo da obra de Brian Maguire, seu desejo de criar condiç§es simb�licas de inclusâo dos marginalizados na sociedade contrariam a atitude de canibalismo para com os excluìdos, presente no sistema sociopolìtico-econ–mico. Seus retratos tornam esse contexto visìvel, permitindo a discussâo da situaçâo dos indivìduos que tèm suas possibilidades existenciais restringidas, "devoradas" por esse sistema. Assim, a discussâo deste trabalho pode apontar aos alunos novas compreens§es e possibilidades de açâo em relaçâo a essas quest§es.

Para quê?

Para permitir ao aluno:
analisar o uso dos elementos da linguagem visual nesta obra, percebendo como o artista utiliza a cor e o gesto em seus desenhos ou suas pinturas, e vinculando seu uso da deformaçâo a uma atitude expressionista;
abordar os retratos de Brian Maguire como um resgate simb�lico do indivìduo e como uma contestaçâo Ç violència e Ç discriminaçâo presentes na realidade social; o perceber o retrato como revelaçâo do indivìduo (microcosmo) e do meio social (macrocosmo), compreendendo os vìnculos entre ambos;
renovar seu olhar sobre o cotidiano, desenvolvendo uma perspectiva crìtica e estëtica em relaçâo ao meio ambiente natural e social;
participar de um projeto transdisciplinar, discutindo as atitudes para com a misëria e a criminalidade presentes no cotidiano por meio de desenhos, textos e dramatizaç§es.

 

Como? (Quando? Onde?)

Sugerir aos alunos que observem cada uma destas imagens e apontem suas caracterìsticas.
Ao primeiro olhar, talvez aparentem ser apenas retratos1 comuns, que nâo dizem nada de novo, como as fotos très por quatro em que nâo nos reconhecemos em nossos documentos.
Para criar condiç§es de um maior envolvimento dos alunos com a obra, ë adequado fazer algumas perguntas para o grupo, dando inìcio a uma discussâo. Na observaçâo dos retratos, aprofundar a discussâo, pedindo aos alunos que procurem apontar a cada colocaçâo o que na obra os faz pensar assim.
Como imagina que o artista fez estes retratos? A partir de poses? A partir de fotos?
Por que eles foram feitos com diferentes cores e tipos de linhas?
Conseguiria reconhecer algum deles se os encontrasse na rua?
O artista alterou (deformou) de alguma forma a aparència das pessoas?
Reconhecem que materiais foram utilizados na produçâo dos retratos?
Por que eles tèm o mesmo tamanho e o mesmo formato?
De que forma estes retratos estâo organizados?
Por que o artista os colocou desta maneira?
As pessoas retratadas tèm alguma relaçâo entre si?
Que idade tèm estas pessoas?
Por que os retratos tèm datas e nomes registrados?
Quem sâo as pessoas retratadas? Como sâo?
Como elas se sentem? Estâo felizes, tristes, preocupadas, bravas, aborrecidas?
Quais suas hist�rias?
Se os alunos discutirem a questâo da semelhança ao comentarem estes retratos, o professor pode introduzir o conceito de deformaçâo, utilizada como um recurso expressivo pelo artista. Perìodos de crise, em especial, parecem produzir artistas que canalizam as ansiedades de seu tempo para suas obras. No contexto do individualismo moderno, o poder expressivo de cores e formas, de pincelada e textura, de tamanho e escala, pode ser levado ao extremo. A intensificaçâo do aspecto expressionista2 da arte ë caracterìstico de muitos artistas do sëculo XX. Sâo os casos, por exemplo, das imagens alucinat�rias de Munch; da natureza deformada de Van Gogh; da obra de Ensor.

 

1. Retratos
Segundo Mc Evilley, Maguire dividiu seu tempo de trabalho em Sâo Paulo entre os retratos das crianças e "retratos feitos com carvâo, tinta e giz pastel oleoso, baseados em fotografias de presidižrios publicadas nos jornais. (...) Nos retratos de criminosos adultos, o objetivo de Maguire ë re-humanizar e revitalizar o indivìduo retratado. Ele passou doze anos dando aulas de arte a prisioneiros em pris§es irlandesas, onde construiu vžrias amizades e se impressionou muito com a humanidade dos homens com quem trabalhou com os misteriosos problemas pelos quais cada um deles se meteu em uma armadilha. Os prisioneiros brasileiros cujas fotos viu nos jornais tambëm estavam em uma armadilha, e as crianças desprovidas de recursos econ–micos e culturais com quem trabalhou no Centro Cultural podem ser descritas como estando Ç caminho da armadilha, ou em perigo de tropeçar em uma delas se suas vidas penderem para as ruas. 'Como as crianças se tornam criminosos?' ë a questâo por tržs do projeto de Maguire nestes dois conjuntos de retratos". O artista deu um segundo tìtulo a esta obra: "Dižrio Popular Drawings".

Re-humanizar:
o processo ocorre pela criaçâo de uma imagem distante da do estere�tipo do criminoso em termos formais. Segundo Fayga Ostrower, "o conteödo expressivo de uma obra de arte se baseia no caržter dinémico ou estžtico do movimento visual articulado (...) integrando estados de ser contrastantes (...): movimento e nâo-movimento, tensâo e nâo-tensâo. Daì se formula o estado de énimo da obra".
 

2. Expressionista
Segundo Donald Kuspit "o Expressionismo de Maguire pode ser compreendido como uma forma de protesto e rebeliâo contra a realidade irlandesa contemporénea. (...) A mensagem do Expressionismo de Maguire parece ser que para ser verdadeiramente, existencialmente, um indivìduo na Irlanda atual, ë necessžria uma rebeliâo espiritual pessoal semelhante Ç rebeliâo polìtica contra a Inglaterra. Isto sugere que a revolta espiritual que as pinturas de Maguire representam ë uma forma - mutante? - de rebeliâo polìtica. Ela assume a forma que tais rebeli§es quase sempre tomam de inìcio: a revelaçâo do desespero da vida cotidiana e a exposiçâo emocional da misëria do status quo. O Expressionismo zangado das pinturas de Maguire entregam a mentira da felicidade da vida na Irlanda, delatando o fantasioso Romantismo irlandès". Mc Evilley comenta que, nos retratos expostos nesta Bienal, Maguire procurou controlar o aspecto expressionista de sua pintura para reduzir ao mžximo sua interferència na revelaçâo desses personagens.

Expressionismo: movimento artìstico que se fundamenta na expressâo intensa das emoç§es, com pinceladas fortes e com deformaç§es da figura humana.
 
Inventando histórias

A partir das respostas dadas pelos alunos, o professor pode pedir que eles criem uma hist�ria para as pessoas retratadas, imaginando suas atividades cotidianas, onde moram, como ë seu bairro e quais os objetos e construç§es que fazem parte de seu meio. Essa hist�ria pode ser realizada em grupos, tomando a forma de textos, desenhos e dramatizaç§es.
Ï a oportunidade para o professor introduzir informaç§es sobre como Brian Maguire retratou essas pessoas e comparar suas hist�rias reais com as criadas pelos alunos, discutindo o que sabem sobre a situaçâo da marginalidade3 e do crime em nossa sociedade e o modo como uma pessoa comum, como aquelas para quem inventaram suas hist�rias, se envolve nesse tipo de situaçâo.
A sociedade industrial trabalha com a produçâo de mercadorias em sërie e o ser humano tende a olhar da mesma forma seus atos cotidianos, como repetiç§es merecedoras de pouco interesse, executadas de forma automžtica, sem qualquer reflexâo. Devorado por seus compromissos e por seu trabalho, orienta-se apenas pelo cumprimento dos mesmos, alienando-se em relaçâo Ç pr�pria vida. As preocupaç§es individuais e a repetiçâo dižria das situaç§es podem nos distanciar de nossos atos e das condiç§es sociais em que vivemos. A morte da atençâo, matëria-prima da criatividade, faz com que passemos pelas situaç§es cotidianas da vida urbana sem dar-lhes importéncia, ou seja, sem percebè-las, sem vivenciž-las verdadeiramente.
A criaçâo artìstica pode ajudar a recobrar a atençâo para com o cotidiano, mostrando como olhar o contexto em que nos inserimos de modo diferente. Assim, a vida escapa do processo de banalizaçâo e pode ser retomada como um alvo prioritžrio para o envolvimento criativo de cada indivìduo. As pequenas atitudes e cenas que marcam o dia-a-dia adquirem grande importéncia ao tecerem hist�ria, engendrando toda uma trama de relaç§es sociais.
Na obra de Brian Maguire, as imagens sâo apresentadas em conjuntos, procurando pelos contrastes acentuar o caržter önico dos retratados, afirmando que cada um tem uma identidade e diferencia-se dos demais. A mostra no espaço da Bienal das fotos dos retratos de crianças4 em seus lares, junto com as obras emprestadas pelas crianças, acentua seu caržter individual, trazendo um fragmento do mundo de cada uma para a exposiçâo.
A partir desse olhar diferenciado, reconhecendo que cada marginalizado ë muito mais que um nömero nas estatìsticas, ë um indivìduo, com nome, com endereço e hist�ria, ë possìvel desenvolver um comportamento ëtico em relaçâo ao ambiente social. A reflexâo sobre a atuaçâo de cada um na sociedade, como indivìduo e cidadâo, cria condiç§es para a construçâo de uma consciència ëtica.
 

3. Marginalidade
Fiach Mac Conghail prefaciou um catžlogo que reöne as obras criadas por Maguire para a XXIV Bienal: "Ap�s minha önica visita Ç favela de Vila Prudente, em Sâo Paulo, surgiu em mim uma certa melancolia. O sentido de fatalidade, que existe entre os setores marginalizados de qualquer sociedade, começou a me perturbar, sem propiciar qualquer compreensâo. Nâo fiz nada. Inërcia, complacència, inatividade, posicionaram-me em outra classe. Nas obras de Brian Maguire expostas na XXIV Bienal de Sâo Paulo, a mesma melancolia ë evidente. Todavia, o memorial que Maguire construiu cria oportunidades para refletir e pensar. Ele contëm um comentžrio simples de alguëm de fora sobre as conseqÆèncias universais dos acasos do nascimento e da herança. A ordem social (como vista pelas autoridades), em qualquer parte do mundo, ë perpetuada pelas classes, e ë essa consciència de classe (ou falta dela) que causa a inërcia e a complacència. A obra 'Casa da cultura' documenta algo que tambëm ë conhecido no paìs de origem de Maguire, a Irlanda".

Consciência de classes: o reconhecimento dos vìnculos e das condiç§es compartilhados por grupos de pessoas dentro da ordem social, condiçâo necessžria para a mobilizaçâo pela transformaçâo dessas condiç§es.
 

4. Retratos de Crianças Thomas Mc Evilley escreveu sobre o processo de criaçâo da obra "Casa da Cultura": "Brian Maguire exibe vinte retratos, feitos com carvâo, de crianças que vivem em uma favela de Sâo Paulo. A favela ë um pedacinho de terra em que famìlias se alojam perto de uma linha de trem, com vielas que conduzem para dentro e para fora. Dentro da favela estž o Centro Cultural Vila Prudente, um edifìcio com duas salas onde as crianças do local tèm aulas de teatro e de dança. (...) Ap�s ser convidado para representar a Irlanda na XXIV Bienal de Sâo Paulo, Maguire passou oito semanas trabalhando no Centro Cultural, em fevereiro e março de 1998. (...) Conheceu cada uma das crianças, visitou suas casas e conheceu alguns de seus pais. Desenvolveu uma afeiçâo pessoal pela favela. Começou a fazer os retratos das crianças nas aulas de artes visuais. (...) Cada vez que um retrato era terminado, a criança retratada o levava para casa e escolhia um lugar para pendurž-lo no lar de sua famìlia. Maguire visitou cada casa e fotografou o retrato em seu ambiente domëstico. Sua mostra na Bienal de 1998 inclui (...) as fotografias das casas das crianças com os retratos pendurados nelas. Os retratos a carvâo foram emprestados Ç Maguire pelas crianças para a exibiçâo, e para elas serâo devolvidos. Nâo estâo Ç venda".

Brian Maguire (Dublin, Irlanda, 1951): seu trabalho ë simultaneamente mobilizador, provocativo e questionador. Influèncias polìticas e sociais sâo parte integrante de sua obra. Maguire tem trabalhado com diversas mìdias, pintura, vìdeos e instalaç§es. Os tìtulos de alguns de seus öltimos projetos denotam sua preocupaçâo: "Escolha", "Violència na Irlanda", Observaç§es", e o "O corpo-polìtico."
 
Canibalismo x solidadriedade - processos de exclusão e de inclusão

As interpretaç§es mais antigas da teoria da evoluçâo de Darwin destacam a competiçâo entre as espëcies como um importante critërio para sua sobrevivència. Entretanto, novas abordagens a esta teoria destacam tambëm o papel da cooperaçâo entre os seres vivos como critërio para definir sua adaptaçâo ao meio ambiente e sua capacidade de sobrevivència.
Em diversos perìodos, a hist�ria da humanidade parece resumir-se em conflitos por territ�rios e posses, materiais ou simb�licos. O outro ser humano passa a ser considerado apenas um concorrente a ser vencido, "devorado", assimilado. Ï preciso lembrar que o principal motivo para a constituiçâo dos grupos e das sociedades sâo os benefìcios coletivos gerados por esta associaçâo, e que o outro pode ser visto tambëm como um possìvel parceiro.
Se por um lado a crescente violència do ambiente urbano torna a segurança uma preocupaçâo prioritžria de seus habitantes, por outro lado a pr�pria sociedade parece adotar atitudes de canibalismo5 em relaçâo aos excluìdos ou marginalizados, devorando suas possibilidades existenciais de realizaçâo ao abster-se de iniciativas para incluì-los em seu meio.
Muitas escolas pöblicas de Sâo Paulo vivem em suas comunidades situaç§es de conflito que incluem depredaç§es, roubo, tržfico e consumo de drogas, gangues, violència fìsica e sexual etc. Diversas escolas compreenderam que essas quest§es nâo podem ser resolvidas apenas por meio de protestos6 e solicitaç§es de mais policiamento, que ë necessžrio um esforço da pr�pria instituiçâo para tornar-se um ponto de encontro da comunidade para refletir, discutir e procurar soluç§es para os problemas que atingem a todos.
Integrar os alunos nesse processo pode evitar que essas quest§es tâo graves sejam banalizadas devido a sua repetiçâo dižria, permitindo que reflitam sobre o papel da estrutura social na manutençâo dessa condiçâo de vida e adotem posiç§es que possam contribuir para que esses problemas se modifiquem ao longo de suas vidas.
Resgatar simbolicamente, por meio do desenho, da narraçâo ou da dramatizaçâo, o modo como os alunos vivem esses problemas em seu cotidiano pode ser uma forma de integrar a disciplina de artes em um projeto transdisciplinar sobre essas quest§es, confrontando as alternativas do canibalismo e da solidariedade7 a partir da discussâo das obras de Brian Maguire e de seu enfoque sobre a misëria e a marginalidade, procurando criar condiç§es simb�licas de inclusâo por meio dos retratos, de sua exposiçâo na Bienal e de sua devoluçâo aos lares das crianças retratadas.
Dessa forma, o exercìcio de observaçâo da obra pode propiciar condiç§es para que os alunos desenvolvam tambëm uma nova forma de perceber sua participaçâo nas relaç§es sociais. Esse olhar sup§e integrar Ç vida de cada um atitude participativa na discussâo e procura de soluç§es para os problemas da comunidade.
Anotar a participaçâo dos alunos durante as atividades de observaçâo, discussâo e criaçâo, registrando o processo individual de construçâo do conhecimento, ë a melhor forma de avaliar a compreensâo dos conceitos abordados neste percurso educativo, proposto a partir das obras de Brian Maguire.
 

5. Canibalismo
Brian Maguire indicou para acompanhar sua obra no catžlogo de Representaç§es Nacionais desta XXIV Bienal um texto de Jonathan Swift, "uma proposta modesta para evitar que os filhos dos pobres sejam um fardo tanto para os pais quanto para o paìs, e o fazer com que elas [as crianças] sejam benëficas ao povo", que ironicamente prop§e resolver o problema social dos marginalizados aproveitando-os como alimento, gerando recursos para a sociedade: "Minha intençâo estž longe de limitar-se a cuidar apenas das crianças dos mendigos declarados; ë de alcance bem maior, e deverž abranger todas as crianças de uma certa idade, que nasceram de pais efetivamente tâo pouco aptos a sustentž-las quanto aqueles que pedem por nossa caridade nas ruas. (...) Foi-me assegurado por um mui ilustre americano de minhas relaç§es em Londres que uma criança jovem, sadia e bem-alimentada, com um ano de idade, ë um alimento muito delicioso, nutritivo e saudžvel. (...) Que das jž estimadas 120 mil crianças, 20 mil sejam reservadas para criaçâo (...) Que as demais 100 mil possam, com um ano de idade, ser colocadas Ç venda, (...) tenras e gorduchas para uma boa mesa. Uma criança servirž para dois pratos durante uma reuniâo de amigos. (...) Esse alimento serž bastante requintado e, portanto, muito apropriado para os senhores proprietžrios, que, como jž devoraram a maioria de seus pais, parecem merecer o melhor direito Ç posse das crianças (...)".

Jonathan Swift : (Dublin, 1667-1745): reitor de St. Patricks, escritor conhecido pelo livro "Viagens de Gulliver" (1726). Em seus textos combate as injustiças sociais com ironia e satiriza a corte, os partidos e os representantes do Estado.
 

6. Protestos
Segundo Fayga Ostrower, "no contexto da sociedade de consumo, as coisas se viciam". De um lado existe um acesso a informaç§es, sâo muitas as oportunidades oferecidas, mas, de outro, "um processo que aliena as pessoas de sua espontaneidade criativa e de seu potencial sensìvel, um verdadeiro processo de dessensibilizaçâo das pessoas. Num bombardeio ininterrupto por meio dos diversos canais de persuasâo cultural e meios de comunicaçâo - bombardeio que vai da casa Ç rua, Ç escola, ao trabalho, ao lazer, e ao qual o indivìduo estž sendo exposto praticamente desde o momento em que nasce - procuram-se impor os valores do consumismo como önicos valores reais, önica meta de vida e önica forma de realizaçâo social. A curiosidade natural do jovem diante da vida, os anseios, as aspiraç§es e as necessidades do adulto, tudo ë sumariamente reduzido ao nìvel de mercadorias. (...) Ï nesse panorama cultural - num clima de alienaçâo e desestruturaçâo da personalidade acompanhando o bem-estar e o progresso material, e ainda com o dinheiro representando o önico parémetro para se aferirem realizaç§es espirituais - que devem ser vistas as vžrias tendèncias da arte contemporénea. S� assim tornam-se compreensìveis as contìnuas ondas de protesto e, sobretudo, o caržter de agressâo e violència desse protesto, chegando a formas m�rbidas de autodestruiçâo. Seria impossìvel que os artistas e sua produçâo estivessem fora das press§es da sociedade de consumo, ou mesmo de suas seduç§es".

 

7. Solidariedade
Alëm dos dois conjuntos de retratos, Mc Evilley comenta que "Outro elemento da exposiçâo ë uma önica grande pintura feita com tinta acrìlica, baseada no massacre de prisioneiros no Pavilhâo da Prisâo Estadual, onde policiais fuzilaram muitos dos prisioneiros em suas celas. (...) Uma forma de ver estes vžrios elementos ë como quadros de diferentes estžgios da vida. Primeiro os personagens sâo vistos como crianças, entâo como prisioneiros com seus retratos nos jornais, e finalmente como cadžveres ap�s o massacre da polìcia. (...) Por outro lado, Maguire sente que as crianças que tiveram algum tipo de orientaçâo no Centro Cultural tem menos chance de terminar na prisâo do que teriam se vivessem nas ruas. (...) Assim como o calor e o apoio de sua vida familiar as envolve, as paredes de seus lares abraçam seus retratos. Ï aqui que a intervençâo na tragëdia social desses très diferentes estžgios de vida pode acontecer. O que une os grupos representados ë que eles sâo socialmente invisìveis no Brasil. Ï sua invisibilidade que Maguire tenta corrigir, ao tornž-los visìveis em seus retratos. Ele declara: Desenhar ë um ato de amor".

 

4. Sugest§es de continuidade

Comparar os vžrios tipos de retratos feitos em diversas momentos da Hist�ria da Arte, caracterizando as relaç§es entre a sociedade de cada ëpoca e os retratos, pesquisando a hist�ria do retrato e das diversas funç§es que assumiu (mesmo que realizados com prop�sitos distintos da arte, como o retrato falado8); analisando as tëcnicas utilizadas e os elementos visuais que o artista escolheu para expressar as personalidades retratadas e seu contexto. Algumas atividades podem ser propostas a partir da comparaçâo entre os retratos de Brian Maguire e os de outros artistas da XXIV Bienal que criam retratos, mesmo que utilizem tëcnicas diferentes, ou com artistas de outras ëpocas, como Portinari e Leonardo Da Vinci. Os retratos oferecem representaç§es simb�licas das pessoas conforme as intenç§es do artista ao apresentar o personagem retratado e seu contexto. Os retratos de Leonardo Da Vinci, por exemplo, pretendem dizer algo de espiritual, tentam gravar a personalidade do retratado e seus sentimentos. Jž os retratos de Portinari podem ser vistos dentro do contexto de busca de uma imagem de legitimidade pela elite polìtica e intelectual brasileira do perìodo. A investigaçâo dos conteödos e valores simb�licos explicitados nos retratos permite que se revelem novas dimens§es nas imagens da vida pöblica ou domëstica, oferecendo informaç§es sobre seu cenžrio, sua indumentžria, adereços e caracterìsticas do pr�prio personagem. A partir dessa pesquisa, os alunos podem realizar em grupo um jogo em que os colegas tentam identificar a que ëpoca pertence o personagem de um retrato selecionado por outra equipe com base nas pistas oferecidas pelos elementos presentes na cena. Com isso, o professor pode trabalhar o conceito de antropofagia, identificando inter-relaç§es, apropriaç§es e diferenças culturais entre vžrias ëpocas.
Pedir aos alunos que criem outra coleçâo de retratos reunindo fotografias dos colegas, ou que façam desenhos que os retratem, para posteriormente montarem uma hist�ria sobre o grupo de sua sala de aula.
Coletar um conjunto de fotografias de propagandas de polìticos, distribuìdas fartamente durante a eleiçâo deste ano, realizando intervenç§es sobre seus retratos com tinta e outros materiais e comparando os resultados Çs imagens de Maguire.
Retomar os conteödos trabalhados a partir da observaçâo das obras de Brian Maguire com base nas letras de mösicas "rap" sobre quest§es sociais e banalizaçâo9 da violència no cotidiano, como as mösicas do grupo 'Racionais', de 'Gabriel, o Pensador', do grupo 'Pavilhâo 9' entre outros.
Comparar a referència de Maguire ao massacre no Carandiru com a instalaçâo "111" (1993), obra realizada pelo artista Nuno Ramos (Sâo Paulo, SP, 1960) sobre o mesmo tema, no Museu de Arte Contemporénea de Porto Alegre e em Sâo Paulo no Gabinete de Arte Rachel Arnaud, reapresentada na Bienal Brasil Sëculo XX, em 1994.

 

8. Retrato Falado
Gombrich comenta que "certamente ë possìvel ver todo retrato como um esquema de cabeça modificado pelos traços distintivos sobre os quais desejamos transmitir informaçâo. A polìcia Çs vezes emprega desenhistas para ajudar testemunhas na identificaçâo de criminosos. Eles desenham um rosto vago, esquemžtico, e orientam as testemunhas nas alteraç§es progressivas desse rosto padrâo. Elas respondem 'sim' ou 'nâo' Çs propostas de alteraç§es, tambëm padronizadas, atë que o rosto esteja suficientemente individualizado. De posse, entâo, desse retrato falado, a polìcia faz uma busca proveitosa nos arquivos. Esse relato da execuçâo de um retrato por controle remoto pode parecer forçado, mas pode muito bem servir de paržbola. Lembra-nos que o ponto de partida de um registro visual nâo ë uma certeza, mas uma conjectura condicionada pelo hžbito e pela tradiçâo. (...) Nâo deverìamos inferir desse fato que nâo existe semelhança objetiva? (...) A conclusâo ë tentadora, e ë recomendada ao professor de apreciaçâo da arte porque demonstra ao leigo quanto daquilo que chamamos de 'ver' ë condicionado por hžbitos e expectativas. (...) Se toda arte ë conceitual, entâo a questâo ë simples. Porque os conceitos, como as pinturas, nâo podem ser verdadeiros ou falsos. Podem ser apenas mais ou menos öteis Ç formaçâo de descriç§es".

 

9. Banalização
Segundo Trivinho, "ao banalizar a violència e as atrocidades, a civilizaçâo atual conseguiu, com uma aptidâo macabra, articular a morte chocante das esquinas e vazia das telas Ç morte olvidada no prato dižrio de refeiçâo. (...) Na cultura de massa, centenas de fotos, vìdeos e telenotìcias, provenientes de todas as partes do mundo, dep§em a favor da verdade, contra a monstruosidade de feiç§es inexprimìveis. (...) Na magia negra secular, desde o passado mais remoto atë hoje, em rituais formais e acompanhados com impassibilidade devocional pelos presentes, sacrificam-se pessoas, inclusive crianças, bem como animais quadröpedes, preferencialmente o boi e o bode. (...) O Estado, quando advoga para si o privilëgio legal da pena de morte, nivela-se Ç monstruosidade do crime daquele que condena, o homem que se alimenta de carniça nâo deixa de ter, zoo e antropologicamente falando, uma profunda semelhança com os tubar§es, leopardos e urubus".

 
Da esquerda para a direita: Pamela Viana da Silva, Elisabeth Andrade Castro Alves, Elizabete Silva da Souza, Alan Barros de Souza, Josë Roberto de Lima Silva, Neide da Silva Correia, Katia Correia, Ingrid Lopes da Silva. bottom l to r: [abaixo, da esquerda para a direita:] Marco Alencar dos Santos, Tabata Viana da Silva, Patrìcia Castro de Souza, Carlos Josë Alves, Clebson Barros da Silva, Fernandes Pereira da Silva, Catia Pereira dos Santos, Karen Cristina Santos Estero, Regivan Aparecido da Conceiçâo, Grislaine Aparecida dos Santos Cësar, Casa da Cultura, favela da Vila Prudente, Sâo Paulo 1998 carvâo sobre papel montado em tela [charcoal on paper mounted on canvas] 20 desenhos de 30x23cm cada.

Glossžrio

Deformaçâo: segundo Fayga Ostrower, "um certo grau de deformaçâo estž sempre presente em qualquer relato: ao contar algo que nos aconteceu, selecionamos e salientamos alguns detalhes e suprimimos outros. O mesmo ocorre com o artista ao interpretar a realidade: nâo a imita simplesmente, necessariamente a altera, criando novas formas de linguagem".
  Bibliografia

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