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Tem cores
Tem formas
Tem linhas
Tem figuras na pintura de Volpi

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Alfredo Volpi
Lucca, Itália, 1896
São Paulo, SP, 1988





"Casario de Santos"
1952 - têmpera sobre tela
116 x 73 cm
Coleção particular, São Paulo

O quê?

Proporcionar o exercício da leitura visual a partir da reprodução de uma imagem do artista Alfredo Volpi, chamando a atenção para a existência de elementos próprios à linguagem plástica - a linha, a forma e a cor - e permitindo, ao mesmo tempo, que os alunos estabeleçam relações de significado entre esses elementos e o texto visual como um todo.


Por quê?

Este percurso com as imagens de Volpi está sendo apresentado aqui como uma porta de entrada para o mundo das artes, pois acredita-se que, a partir do trabalho significativo com a obra de um artista, inúmeras e novas possibilidades de leitura visual passarão a acompanhar as crianças em suas novas visitas às exposições de arte de maneira geral.
Por meio de repetidas e cada vez mais aprofundadas observações desta obra, de outras pinturas de Volpi e de obras de outros artistas, as crianças poderão perceber que são os elementos da linguagem plástica presentes em suas obras que dão forma aos conteúdos apresentados. Espera-se, assim, que a visita à XXIV Bienal seja guiada pelo olhar curioso das crianças que procuram descobrir, em cada obra de arte, as particularidades que compõem o universo artístico.


Para quê?

Para aproximar as crianças da pintura de Alfredo Volpi, possibilitando leituras que gerem percursos de relações significativas entre os temas evidenciados no texto visual e os elementos constitutivos dessa linguagem.
Para que as crianças percebam que os elementos da linguagem plástica podem ser encontrados em toda obra de arte como elementos significantes que estruturam e organizam a composição plástica, estabelecendo relações entre os elementos visuais que observaram nas obras de Volpi e os presentes nas obras de outros artistas.
Para que as crianças possam constatar que cada uma das obras de diferentes artistas contém elementos significativos da vida de seu criador e de sua maneira singular de construção artística.

 
Como? (Quando? Onde?)

De diferentes maneiras o educador poderž propor e encaminhar atividades para alcançar os objetivos acima descritos. Algumas sugest§es que poderâo ajudž-lo a organizar sua açâo serâo aqui fornecidas, sempre deixando claro que o educador pode e deve criar novas formas de intervençâo sempre que julgar necessžrio e enriquecedor para a educaçâo visual de seus alunos.
 

1. Educação visual
Segundo Dëcio Pignatari, "os problemas visuais de Volpi e dos concretistas sâo comuns - principalmente os da estrutura dinémica -; ainda que os meios de ataque Ç realizaçâo da obra sejam diversos, Volpi se atem a meios mais artesanais. Por outro lado, Volpi ignora o que sejam, teoricamente, 'gestalt', 'topologia' e coisas que tais: esse fato constitui um excelente elemento para a comprovaçâo da teoria da pura visualidade - um dos princìpios que informam o movimento Concretista. Mas nem por isso ë Volpi um primitivo, um ingènuo ou um equivocadamente influenciado: sua educaçâo e cultura visuais, sua capacidade de rigor na organizaçâo de formas - olho crìtico - fazem de Volpi um dos artistas mais conscientes e conseqÆentes na evoluçâo formal da pr�pria obra" (Projeto Construtivo Brasileiro na Arte). Walter Zanini comenta ser "�bvio que o endereçamento da obra deste pintor para uma abstratizaçâo crescente, na dëcada de 50, deve-se ao ambiente definido sobretudo a partir da I Bienal. Entretanto, os fatores puramente plžsticos, que agiram na determinaçâo de sua pintura, obedeceram ao menos em proporçâo igual Ç l�gica evoluçâo interior da linguagem".

 
Percurso de leitura

Em relação às sugestões de leitura das obras de arte descritas nesse material, elas foram elaboradas de forma a respeitar a faixa etária de cada grupo de crianças, isto é, suas possibilidades singulares, de acordo com o grau de desenvolvimento. Para isso, as atividades de leitura foram divididas em dois segmentos: o primeiro engloba crianças de cinco a sete anos e, o segundo, de oito a dez anos.
Vale ressaltar, entretanto, que esse documento considera que a divisão de atividades em faixas etárias é, de certa forma, relativa. É fato conhecido que as crianças que trabalharam desde cedo em atividades com leituras visuais dispõem de um vocabulário visual mais amplo e, freqüentemente, têm maiores possibilidades associativas. Assim, conseguem com mais facilidade aprofundar relações significativas do que aquelas que raramente foram motivadas para isso.

 

2. Vocabulário visual
Na dëcada de 30, quando pintava quadros de espìrito popular, Volpi participou do Grupo Santa Helena, integrado por artistas de origens e objetivos semelhantes aos dele, como Fölvio Pennacchi e Francisco Rebolo Gonzales. Verificam-se entâo mudanças no trabalho do pintor. Segundo Olìvio Tavares de Araöjo, "ë na pintura volpiana dessa ëpoca que aparecem (...) evidente dinamismo na pincelada, maior liberdade gestual, valorizaçâo das especificidades pict�ricas, cor, textura e matëria". Aracy Amaral, curadora do artista nesta Bienal, comenta que "a partir do final dos anos 50 percebe-se em Volpi o refluir para um gestualismo visìvel, em que persiste a reduçâo cromžtica deliberada, mantendo a economia tonal e de elementos, porëm agora com composiç§es em que nos surpreende a audžcia no domìnio da forma sobre o espaço. (...) A partir dos anos 60 dir-se-ia que Volpi organiza suas composiç§es trabalhando sobre o espaço e nâo mais, como antes dos anos 50, a partir dos referenciais do mundo real. Assim, elementos de seu vocabulžrio de sempre - bandeirinhas, arcos de portas, bandeiras de portas, janelas, portas, em particular - passam a ser pretextos/motivos incansavelmente retrabalhados".

Fúlvio Pennacchi (Villa Collemandina, Itžlia, 1905 - Sâo Paulo, SP, 1992): ap�s estudar na Academia Real de Lucca, na Itžlia, este pintor veio para Sâo Paulo em 1929. Integrou o Grupo Santa Helena, trabalhando com Rebolo a partir de 1936. Era pintor de paisagens, tipos populares e cenas religiosas.
Francisco Rebolo Gonzales (Sâo Paulo, SP, 1902 - 1980): foi o primeiro dos artistas do Grupo Santa Helena a fixar-se no edifìcio com o mesmo nome por volta de 1934. Inicialmente empreiteiro de pinturas em prëdios e decorador, tornou-se pintor, retratando as cenas e as pessoas de Sâo Paulo.
 

Educação infantil

As crianças geralmente não se preocupam em compreender a pintura como um texto lógico e repleto de significados. Sua atenção está sobretudo direcionada para a busca e detecção de elementos figurativos ou abstratos da pintura. Se o educador sugerir que elas façam uma narrativa sobre aquilo que vêem, certamente elas construirão uma história baseada primordialmente em seus próprios interesses e desejos. Essas leituras visuais individualizadas poderão tornar-se mais socializadas se o educador criar oportunidades para que todos os integrantes do grupo possam manifestar suas impressões e trocar informações entre si, alargando, assim, a gama de elementos visuais detectados na obra de arte, bem como o contato entre as crianças.
Para essa faixa etária, dois momentos do processo de leitura podem ser trabalhados: 1) deixar que as crianças olhem livremente o objeto artístico escolhido; 2) criar condições para que cada criança possa verbalizar suas observações com o respeito e a atenção de todos, provocando a troca de informações e idéias entre elas. Para isso, o educador poderá animar a conversa lançando questões do tipo: "Por que tem tanta cor vermelha?", "Onde tem azul nessa pintura?", "Como seria passear nesse lugar?", "O que está acontecendo?" etc. Enfim, caberá ao educador despertar a curiosidade infantil e criar momentos de troca entre os integrantes do grupo, sempre tendo em mente que, nesse âmbito da criação, não existem respostas únicas, certas ou erradas, mas sensibilidade e diferentes possibilidades de observação e verbalização. Informações sobre o artista podem ainda ser fornecidas.

Ensino fundamental

Já as crianças do ensino fundamental costumam valorizar, na leitura de imagens, os temas abordados pelo artista e estabelecer relações com conceitos tais como beleza e realismo, por exemplo. Os processos associativos e os narrativos sobre as pinturas são mais elaborados nessa fase e o educador poderá, ao fim da leitura, enriquecer a análise fornecendo também informações sobre a vida e a obra do artista focado.
Os passos que precisam ser percorridos nesse segundo grupo englobam, além do olhar e do narrar, o descrever e o interpretar; isto é, as crianças são convidadas a destacar do texto visual aquilo que seus olhos observam - as linhas, as formas, as cores e as figuras -, mas também são chamadas a "voar mais alto" à medida que são motivadas a tecer interpretações sobre o que está sendo observado, de forma livre. Importa aqui o aprofundamento do processo associativo e dissociativo na elaboração de significados. O educador poderá conduzir as análises com questões como: "Mostre na imagem onde você vê isso que você está dizendo", "O que faz você pensar assim?" etc. Também será interessante propor diferentes trabalhos plásticos a partir dessas experiências visuais. Isso não quer dizer que as crianças devam copiar a obra do artista ou tratá-la como um mero problema de geometria, mas criar novas composições, elaboradas a partir dos conteúdos ou fragmentos das obras trabalhadas significativamente e de suas próprias idéias, unindo geometria e poesia.

 

3. As linhas, as formas, as cores e as figuras
Na fase de maturidade do pintor, ele transporta para o ateliè as fachadas dos casarios, reorganizando-as em composiç§es com reténgulos, quadrados, triéngulos etc. Ï por isso que, embora seja popularmente conhecido como o pintor de bandeirinhas, Volpi sempre afirmou: "Nâo pinto bandeirinhas". O que esse artista pinta sâo composiç§es geomëtricas cheias de linhas, formas e cores, construìdas a partir de m�dulos e composiç§es ritmadas em que o assunto ë o pr�prio jogo plžstico. Em entrevista a Sheila Leiner, Volpi declara: "Quando comecei a pintar, nem conhecia os impressionistas e peguei os mesmos problemas deles. Foi a natureza que me indicou isso. Quando se abandona a natureza ë que começa o expressionismo. De dentro para fora. Depois isso se transforma. A gente se desliga e entâo s� passa a existir o problema da linha, forma e cor. O assunto desaparece. Some a paisagem, some tudo. Minhas bandeirinhas nâo sâo bandeirinhas; sâo s� o problema das bandeirinhas. Problema de toda uma construçâo para resolver em pintura, as cores".

Expressionismo: Volpi usa aqui este termo em seu sentido mais genërico, de acentuaçâo do caržter expressivo na arte, e nâo como referència ao movimento artìstico europeu com o mesmo nome.
 

4. Geometria e poesia
No inìcio da carreira, os temas da pintura de Volpi sâo a paisagem que circunda a capital paulista e depois a da cidade de Itanhaëm, onde vai morar por algum tempo na companhia de Judite, sua esposa, que por motivos de saöde ë aconselhada a viver Ç beira-mar. Nessa primeira fase de produçâo das pinturas, seus trabalhos sâo figurativos de uma sensibilidade requintada, usa telas de pequenos formatos, cores suaves, pinceladas curtas. Na dëcada de 40, Volpi passa da pintura ao ar livre para a pintura no ateliè. Na sërie de casas que produz a partir da metade desta dëcada, distribui os planos na tela sem nenhuma preocupaçâo com as estruturas da perspectiva, reduzindo e simplificando os elementos da composiçâo. O pintor vai gradualmente transformando as portas e janelas em incis§es retangulares, e os telhados em reténgulos recortados e apoiados numa arquitetura de construç§es ritmadas. Uma nova fase, caracterizada pela radicalizaçâo da geometria, terž entâo inìcio e serž conhecida como a fase de afinidade concretista, a fase das composiç§es abstratas.

Abstratas: referem-se Çs obras dos artistas que, a partir do inìcio do sëculo XX, se dedicaram, seguindo diversos caminhos, Ç criaçâo de obras de arte por meio da articulaçâo dos elementos visuais, abandonando a tradiçâo ocidental de representaçâo figurativa da realidade.
 

Percebendo elementos das linguagens visuais

Sugere-se que o educador comece sua atividade ainda sem ter mostrado à classe a imagem da obra de Volpi por inteiro, propondo inicialmente aos alunos a observação e a exploração de cada um dos fragmentos da imagem selecionada (fragmentos estes que devem ser destacados da duplicata da imagem, distribuída junto com a imagem de apoio). Assim, as crianças serão levadas a perceber formas, linhas, cores, marcas de pincéis, materialidades e tamanhos dos diferentes fragmentos apresentados.
Continuando o trabalho com os fragmentos da imagem selecionada, o educador poderá distribuí-los às crianças propondo que elas criem, em grupo, diferentes composições com eles. Tendo em vista que até esse momento as crianças desconhecem a imagem do artista (ou pelo menos aquela que foi escolhida para o exercício), elas terão a liberdade de criar inúmeros trabalhos seguindo sua imaginação e criatividade. Feito isso, a imagem da pintura de Volpi será apresentada às crianças, que serão convidadas a manifestar verbalmente suas impressões sobre ela, bem como a estabelecer relações entre esta e as composições que acabaram de ser realizadas. Esse exercício de associar, comparar e relacionar formas e cores, buscando encontrá-las na reprodução da imagem do artista, possibilitará um aprofundamento do olhar sobre a obra apresentada, como também da leitura dos diferentes elementos visuais presentes na pintura. Esse trabalho poderá ainda ser enriquecido com informações sobre a vida do artista e de suas demais obras, com dados históricos interessantes e acessíveis ao mundo infantil, com a discussão da importância da visita às bienais (e a todo tipo de exposição) onde são encontradas as obras originais dos artistas etc.
Para ter fundamentos para trabalhar a percepção da cor, da forma e da linha na obra de Volpi, o professor poderá orientar-se pelos textos mediadores (apresentados nos quadros à direita da proposta deste percurso educativo), que fornecem algumas informações sobre o processo de produção do artista e seu caminho da observação à abstração.

 

5. Vida do artista
Segundo Kawall, Volpi "de manhã e à tarde, trabalha como um operário. Prepara caprichosamente cada tela, de entretela de linho puro ou linho cru, com gelatina de porco e gesso. O chassi de cada uma merece cuidados especiais, 'para não entortar'. A moldura, cortada por uma serrinha manual, fabricada por ele mesmo, é quase imperceptível. As tintas são diluídas numa emulsão de verniz e ovo, numa infusão complicada, a chamada têmpera-ovo, em que são colocados os pigmentos, importados, ou por ele mesmo preparados. Estes foram, antes, decantados e ressecados ao sol. Tudo é misturado por fim. Os pigmentos são comprados no mercado, puros, ou então preparados por Volpi - ele decanta terra, ferro, óxidos, ocres".
Em entrevista, Volpi responde a Sheila Leirner:
"- A arte é uma paixão para você?
- É uma coisa natural. Está em mim mesmo. Como é que eu posso ter uma paixão? Em mim mesmo?
- Então, você tem paixão por quê?
- Pela vida.
- Em que sentido sua vida particular se misturou em seu trabalho e vice-versa?
- É tudo uma coisa só. A vida é o trabalho e o trabalho é o que dá vida. Trabalhar nunca envelhece".

 

6. Da observação à abstração
Volpi trabalhou na cidade de Sâo Paulo como pintor de paredes; adolescente, pintava a �leo paisagens das redondezas da cidade. Como artista, segue um percurso que vai da criaçâo de pinturas a partir da observaçâo atë uma produçâo geomëtrica abstrata. Seu caminho ë similar ao dos artistas que declararam a completa independència da arte em relaçâo Ç representaçâo de modelos da natureza, movimento de depuraçâo da visualidade que ocorre na Hist�ria da Arte europëia de Cëzanne a Kandinsky e Mondrian. Mžrio Pedrosa comenta sua sërie de fachadas, premiada na II Bienal de Sâo Paulo, em 1953: "A estada de meses na Itžlia lhe abriu caminho para sua atual pintura aparentemente primžria, mas na realidade fina no jogo dos meios-tons, sensìvel de matëria, sžbia e moderna na manipulaçâo dos planos que se justap§em com independència quase arquitet–nica, embora se conciliem com a necesidade da figuraçâo em si mesma esquematizada das fachadas das casas pobres. (...) O que hž de 'primitivo' no artista nâo ë nenhuma intençâo de ingenuidade (...) ë antes a atitude espiritual e estëtica que o faz, passando por cima dos altos nomes da Renascença, preferir os pintores quase an–nimos que a precederam".

Cézanne (Paul Cëzzanne, Aix-en-Provence, França, 1839 - id., 1906): artista que influenciou diversos artistas modernos de destaque com sua atitude de pesquisa formal, indicando caminhos que conduziram Ç abstraçâo.
Kandinsky (Wassily Kandinsky, Moscou, Rössia, 1866 - Neuilli-sur-Seine, França, 1944): artista responsžvel pela criaçâo das primeiras obras nâo figurativas dentro da tradiçâo da pintura europëia, realizadas em 1910, ano em que escreveu o livro "Do espiritual na arte".
Mondrian (Piet Mondrian, Amersfoort, Holanda, 1872 - Nova York, Estados Unidos, 1944): este pintor percorreu um caminho significativo - da figuraçâo Ç abstraçâo. Entre seus textos fundamentando os princìpios da arte abstrata, destaca-se "O neoplasticismo", de 1925.
 

O olhar em construção

Será a partir desse trabalho exploratório tátil/visual que o educador poderá aprofundar as possibilidades de leitura visual das crianças, incorporando ao repertório em análise a comparação e a identificação dos elementos visuais presentes em outras obras (figurativas ou abstratas) de Volpi, bem como em obras de diferentes pintores também presentes nesta exposição (por meio da visita à Bienal ou das vinte imagens de obras expostas nesta XXIV Bienal que fazem parte do Material de Apoio Educativo).
Novas perguntas que despertem o interesse das crianças sobre as demais obras da Bienal e que provoquem, ao mesmo tempo, reflexão sobre os temas e os elementos da linguagem visual destacados por elas, ampliando seu conhecimento da maneira como o artista cria, poderão ser articuladas pelo educador a partir de questões como: "Será que vocês vão encontrar em todas as pinturas desta mostra os mesmos elementos visuais que vocês descobriram nas imagens do Volpi?".

 

7. Como o artista cria
A hist�ria da produçâo artìstica de Alfredo Volpi ë notžvel. Como filho de imigrantes italianos ele trabalhou, desde a adolescència, pintando nas casas do começo do sëculo, com todo requinte e delicadeza, os frisos e flor§es tâo em moda na ëpoca. Ï esse trabalho operžrio que vai marcar, de forma ìntima e profunda, toda sua produçâo futura, seu "saber fazer" indiscutivelmente singular. Como diz Olìvio Tavares de Araöjo, "a pintura ë, para ele, o resultado de uma consumaçâo artesanal, do correto de uma tarefa autoproposta: 'Ï questâo de resolver. Nâo existe inspiraçâo. Ela existe num poeta que de repente diz um verso'. Um dia, insisti com Volpi para que me explicasse como e por que ia escolhendo cada uma das cores que sucessivamente aplicava numa tela. Sua resposta: 'Mas vocè nâo vè? S� podia ser esta. Vocè p§e a primeira cor. Olha. Aì p§e a segunda. Olha de novo. Se estž certo vocè vè. Se estž errado, vocè percebe e apaga. E começa tudo de novo'".

 

Somos todos artistas

Acredita-se que todo percurso pode ser avaliado, não para qualificá-lo de bom ou ruim, bonito ou feio, mas para valorizá-lo e interiorizá-lo por uma reflexão final. O que deve guiar a avaliação diz respeito tanto àquilo que foi aprendido quanto ao processo individual e coletivo vivido pelas crianças. Sugere-se que o educador lance mão de novas atividades propondo, por exemplo, um painel que sintetize o caminho percorrido, um texto coletivo ou ainda a construção de novas imagens que possam expressar aquilo que foi vivido pelo grupo.
A partir das respostas das crianças, o professor poderá verificar se elas conseguem perceber a presença dos elementos da linguagem visual nas obras de Alfredo Volpi e se compreendem que são eles, arranjados num espaço/suporte, que comunicam as idéias contidas no trabalho do artista. Também poderá ver até que ponto elas já estão aptas a comparar aspectos das obras desse artista com aqueles presentes nas de outros artistas, percebendo o quanto a forma e o conteúdo estão inter-relacionados.
Diferentes propostas de avaliação ainda poderão ser programadas pelo professor, tendo em vista que esses momentos significam sempre uma nova oportunidade para a reflexão e fixação dos conteúdos abordados. Por exemplo, pode-se solicitar às crianças que destaquem, nas obras de outros artistas da Bienal, linhas, formas e cores semelhantes, ou extremamente diferentes, daquelas utilizadas por Alfredo Volpi, possibilitando, dessa maneira, que elas descubram a singularidade do processo criativo de cada artista. A partir das indicações gerais cada professor poderá elaborar a avaliação mais de acordo com seu próprio modo de trabalhar.

 

8. Cores
Volpi declara a Kawall: "S� pinto Ç luz do sol. (...) Nâo uso pigmentos industriais, que criam mofo, e que com o tempo as cores do quadro perdem a vida". Segundo Kawall, Volpi "testa cada tinta. Se a cor se altera, joga tudo fora. E se as cores permanecem alguns dias bem fiëis, lž estž Volpi colorindo com pinceladas curtas e desordenadas suas telas famosas. Ali estâo as cores preferidas de um dos maiores coloristas da pintura mundial: roxo-terra, verde-esmeralda, azul-de-cerölio, azul-ultramar, violeta-cobalto, vermelho e amarelo-cždmio". Em 1944, Sërgio Milliet escreveu sobre o artista: "Ninguëm melhor do que ele coloca uma nota vibrante vermelha ou amarela num öltimo plano e aì a mantëm presa, com segurança, dentro de uma barreira sabida de verdes frios pastosos ou terras amortecidos. Ninguëm melhor do que ele baralha e abafa um primeiro plano em benefìcio da luminosidade do segundo, contrariando com desenvoltura os cénones acadèmicos da perspectiva aërea. Ninguëm melhor do que ele desobedece expressivamente Çs regras aceitas. E isso pela razâo muito simples de que as conhece bem. Hž muita malìcia nessa sua atitude e profunda consciència do que se faz realmente necessžrio considerar na pintura" (A. Volpi, "Grandes artistas").

Cânones acadêmicos: as normas de criaçâo adotadas como modelo para o ensino das artes pelas academias, baseadas nos modos de criaçâo de artistas jž consagrados pela sociedade ao longo do tempo.
 

Sugestões de continuidade

Estudar o percurso artístico de Volpi - da figuração para a abstração -, realizando uma leitura comparada de obras de diferentes períodos de sua carreira, encontradas na visita à XXIV Bienal ou em catálogos sobre a obra do artista. A obra "Xadrês branco e vermelho", reproduzida em preto-e-branco no verso da imagem que acompanha este Material de Apoio, pode ser utilizada para iniciar essa comparação.
Com o objetivo de conhecer e analisar mais profundamente o percurso de produção do artista, o educador poderá propor às crianças que, ao observar as demais obras do pintor presentes na exposição, tentem descobrir quais foram feitas antes e quais foram realizadas depois da imagem que está sendo trabalhada. Esse tipo de exercício, a ser realizado durante a visita à Bienal, e seus resultados poderão ser organizados depois em um texto ou em um painel coletivo que reorganize as impressões deixadas nas crianças.
A partir da experiência vivida pela sugestão deste percurso educativo, o professor poderá fazer cópias coloridas das demais imagens do conjunto do Material de Apoio, criando outros jogos de fragmentos de obras para utilizar com seus alunos. Procure selecionar fragmentos que permitam aos alunos reconhecer os diversos elementos que constituem o texto visual.

 

9. "Xadrês branco e vermelho"
Em 1957, Dëcio Pignatari escreveu um artigo relacionando Volpi ao Concretismo em que fazia o seguinte comentžrio sobre sua obra "Xadrès branco e vermelho": "A pura estrutura dinémica de seu extraordinžrio quadro de xadrez branco e vermelho, em que um fen–meno de refraçâo, por interferència de elementos (que se reconciliam no centro do quadro retangular: incidència do olho), confere a um mesmo branco duas qualidades diversas. Esta obra ë, exatamente, uma obra concretista, e das mais estupendas, ainda que nâo interessa, provavelmente, saber em que 'ismo' se enquadra sua obra". Frederico Morais diz que Volpi, "intuitivo, foi desde cedo considerado um mestre pelos jovens de 1950. Desde que arrebatou, em 1953, (...) o prèmio da II Bienal de Sâo Paulo. (...) Contra os modelos internacionais, Volpi surgia para os integrantes do movimento como o önico exemplo de um concretismo pict�rico puramente nacional. (...) Observaria com agudeza a polèmica do momento, absorvendo-a e devolvendo-a em trabalhos de excepcional concepçâo. Como no 'Xadrès branco e vermelho', 'Ladrilhos' e 'Bandeirinhas verdes sobre fundo rosa', nos quais, sem qualquer preocupaçâo matemžtica para a formulaçâo compositiva - formas sobre um plano chapado, estžtica em aparència, neste perìodo -, ele consegue, atravës da pura intuiçâo, unir o artesanal da execuçâo Ç construçâo mais rigoro a partir da cor justaposta em economia mžxima de elementos" ("Projeto Construtivo Brasileiro na Arte").

Concretismo: movimento artìstico iniciado em Sâo Paulo em 1956, com a publicaçâo do "Plano piloto da poesia poncreta". Propunha afastar a criaçâo artìstica dos significados subjetivos, concentrando-se nos elementos plžsticos puramente formais (cor, linha, forma).

Glossžrio

Frisos e florões: detalhes arquitetônicos das construções em alvenaria do início do século, estas construções empregavam em sua criação e manutenção uma vasta gama de ofícios artesanais, supridos pela mão-de-obra dos imigrantes europeus e pelo Liceu de Artes e Ofícios.

Gestalt: "teoria da forma", doutrina que considera os fenômenos perceptivos como conjuntos em que o todo determina a compreensão das partes.

Grupo Santa Helena: grupo de artistas paulistas que se reunia no palacete Santa Helena, desenvolvendo durante as décadas de 30 e 40 pinturas que retratavam cenas da vida e da paisagem dos arredores de São Paulo.

"Ismo": Pignatari refere-se aqui à obsessão de querer enquadrar a produção de um artista dentro de determinado estilo para conseguir compreendê-lo, rotulando a obra sem realmente olhar para ela.

Têmpera-ovo: técnica tradicional de pintura que usa a clara de ovo como aglutinante (cola) para criar artesanalmente uma tinta opaca. As técnicas de pintura são diferenciadas segundo o tipo de aglutinante utilizado: a pintura a óleo usa o óleo de linhaça, a aquarela a goma arábica etc.

  Bibliografia

AMARAL, Aracy. Volpi: construção e reducionismo sob a luz dos trópicos. "Catálogo da 24a Bienal de São Paulo", 1998.
AMARAL, Aracy (Org.). "Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950 - 1962)" Rio de Janeiro/ São Paulo: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro / Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1977.
AMARANTE, Leonor. "As Bienais de São Paulo, 1951 - 1987". São Paulo: Projeto, 1989.
ARAÚJO, Olívio Tavares de. Dois estudos sobre Volpi". São Paulo: Ministério da Cultura/Funarte 1986. (Coleção Contemporânea 2.)
KAWALL, Luis E. M. "Artes Reportagem". São Paulo: Centro de Artes Novo Mundo, 1972
KLINTOWITZ, Jacob. "Volpi: 90 anos". São Paulo: SESC, 1989.
PEDROSA, Mário. "Mundo, homem, arte em crise". São Paulo: Perspectiva, 1975.
ZANINI, Walter (Org.). "História geral da arte no Brasil". São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983.

Catálogos e coleções

"Volpi, 89 anos". Dan Galeria, 11/04/1985 à 30/01/1985.
"Volpi, 90 anos". Museu de Arte Moderna de São Paulo, 23/07/1986 à 20/08/1986.
"Grandes Artistas: A. Volpi". São Paulo: Art Editora Ltda./Círculo do Livro, 1984.

Jornais e revistas:

"Jornal da Tarde", 13 abr. de 1986. Aracy Amaral: "A ceia de Volpi".
"O Estado de São Paulo". 31 maio 1988. Caderno 2. Sheila Leirner: "Volpi Simplicidade, a sua grande sabedoria".
"Isto É - 10 anos". Volpi: os 90 anos do maior pintor brasileiro. 23 jun. 1986.
"Arte & Educação em Revista Ano I". N. 1 Out. 1995, Porto Alegre: Rede Arte na Escola/Polo UFRG, p.27.