Apresentação
A ação
cultural e educativa proposta pelo Núcleo Educação
desta XXIV Bienal de Arte de São Paulo tem como objetivo facilitar
o acesso ao universo da produção artística, especialmente
à arte contemporânea, criando condições para
que um público diversificado viva experiências significativas
ao se relacionar com as obras, expandindo seu conceito de arte.
Os professores se
destacam dentre esse público como alvos prioritários de
nossa atenção, por seu papel na elaboração
e difusão do conhecimento de arte. Nesse sentido, o Núcleo
Educação pretende oferecer oportunidades para o desenvolvimento
das competências profissionais dos professores, especialmente dos
que trabalham com a arte nas escolas, na expectativa de participação
ativa dos mesmos.
Fornecendo subsídios
às propostas do Núcleo Educação, é
colocado à disposição da rede de ensino um conjunto
de vinte reproduções de obras expostas na XXIV Bienal, articuladas
a Materiais de Apoio Educativo para o Trabalho do Professor com Arte.
Estes Materiais
pretendem instigar entre professores e especialistas uma discussão
sobre as formas de incorporar os conteúdos oferecidos pela Bienal
nas propostas de ensino da rede escolar.
Os Materiais Educativos
apóiam as propostas que orientam o Núcleo Educação
em seu contato com professores e especialistas de educação
da rede de ensino. Serão utilizados:
nos cursos de formação
de monitores e como orientação para ações
da monitoria dentro do evento;
como referência
para os professores discutirem suas propostas de ensino em encontros,
palestras e cursos realizados pelo Núcleo Educação
com professores e especialistas de educação da rede escolar
pública;
em sala de aula, como
orientação para atividades de arte, independentemente da
possibilidade de visita dos alunos à exposição;
como propostas de aula,
preparando uma visita posterior à exposição com seus
alunos;
como referência
para explorar a mostra com seus alunos, com ou sem a ajuda dos monitores;
como forma de reflexão
e aprofundamento cultural para professores e alunos, retomando a experiência
da visita à Bienal a partir da realização das propostas.
Fundamentos
de arte e educação
Cada Material de Apoio
Educativo para o Trabalho do Professor com Arte desenha percursos educativos
com obras de arte desta XXIV Bienal, articuladas a alguns dos conceitos
e processos que o Núcleo Educação selecionou como
fundamentos de sua atuação.
As obras de arte
apresentam ao olhar enigmas intencionais de sentidos variados: plásticos,
poéticos, críticos, culturais, temporais, locais, universais...
Falar sobre a experiência que vivemos com a arte, tentando "responder"
a esses enigmas, não é uma questão de acerto ou erro:
cada forma de olhar tem sua validade. As discussões sobre as diferentes
interpretações possibilitam compartilhar significados e
ampliar nossa visão de mundo. Para ampliar conceitos de arte e
suas possibilidades de ensino, o professor precisa ser capaz de assimilar
as dúvidas manifestas por seus alunos, assim como utilizar as próprias
dúvidas para orientar a criação de seus projetos
de ensino.
O Núcleo
Educação apresenta a experiência com a arte, como
processo de leitura e revelação, como um desafio, demandando
uma atitude que envolve parar, olhar, sentir e questionar, investigando
pistas e procurando decifrar enigmas, invocando uma atitude interrogativa,
curiosa, que pode permitir ao indivíduo reconhecer-se como construtor
de significados em sua relação com a obra de arte e com
o mundo.
O indivíduo
pode se transformar em seu encontro com a obra quando há possibilidade
de estabelecer e compartilhar relações pessoais de significado
na experiência com a arte e a cultura. Desenvolvendo olhar ativo,
percepção imaginativa, pode assumir uma atitude de participação
individual e grupal mais densa nas transformações culturais
do mundo em que vive.
Apresentar o conceito
de curadoria é uma forma de tornar visível os critérios
de seleção que orientam a organização de uma
exposição. Por meio de alguns dos percursos sugeridos nos
Materiais de Apoio e na visita à exposição, os professores
podem experimentar com seus alunos roteiros (percursos temáticos)
que reúnem conjuntos de peças relacionadas por conceitos
ligados a seus conteúdos formais, expressivos, culturais, sociais,
históricos, materiais e poéticos. Discutindo as obras e
procurando descobrir como se relacionam, os participantes podem estabelecer
critérios para estruturar seus conhecimentos de arte e também
para organizar suas próprias curadorias.
A curadoria da XXIV
Bienal destacou o conceito de antropofagia como metáfora dos processos
de construção de identidade cultural, extrapolando sua dimensão
histórica como momento de busca por emancipação e
atualização dos artistas modernistas brasileiros. Segundo
o curador geral Paulo Herkenhoff "a Antropofagia é o momento
histórico de grande densidade no Modernismo brasileiro, mas admite
também precedentes, paralelos e diálogos com a Europa e
outras culturas. (...) Como prática simbólica, o 'canibalismo'
compreende que somos formados a partir do outro, algo que está
na base da Antropofagia como conceito dinâmico incidente em diversos
campos de cultura, ontem e hoje. A Antropofagia é exercício
de identidade".
Adriano Pedrosa,
curador-adjunto e editor de publicações da XXIV Bienal,
propôs o conceito de "glocalização" (globalização
+ localização) para colocar em debate a necessidade de reflexão
sobre os riscos do desaparecimento de manifestações regionais
valiosas no processo de globalização. Essas manifestações
são valiosas para lembrar, perceber, discutir e ter consciência
de nossa cultura plural, sincrética, definida na interação
entre manifestações originadas de diversas culturas, mas
não isenta de conflitos.
A ação
educativa desta Bienal procura criar condições para apoiar
a formação de uma consciência transcultural, crítica
e poética, pela arte. Essa consciência é transcultural
porque vai além da consciência cultural, alimenta-se do respeito
pela diversidade cultural, indispensável para a discussão
da identidade cultural plural do brasileiro. Começa a ser formada
quando reconhecemos questões e valores culturais semelhantes aos
de nosso meio cultural, característicos do viver do ser humano
em comunidade, manifestos de formas diversas nos meios de expressão
escolhidos por cada cultura. Crítica e poética, porque seu
desenvolvimento permite uma mudança de atitude perante a arte,
o mundo e suas inserções recíprocas, no sentido de
perceber-se imerso no universo de relações entre arte e
cultura e ao mesmo tempo criador destas relações, que fundamentam
nossa leitura/visão de mundo e orientam nossas ações.
O conceito de densidade,
selecionado como paradigma da XXIV Bienal pelo curador-chefe Paulo Herkenhoff,
aponta para o aprofundamento de cultura sobre arte em níveis cada
vez mais ricos de significados. O Núcleo Educação
apropria-se do conceito ao promover cada encontro com a arte buscando
instaurar um movimento de mergulho e aprofundamento em significados que
enriqueçam o fluxo da experiência.
A proposta de leitura
da obra de arte adotada pelo Núcleo Educação como
referência foi formulada pelo professor Luiz Guilherme Vergara,
apoiada na fenomenologia, na teoria do conhecimento elaborada por Paulo
Freire e na abordagem triangular da doutora Ana Mae Barbosa. O processo
de aprendizado e leitura do mundo se manifesta, se adensa, em três
momentos contínuos na experiência do indivíduo com
a obra: o de estranhamento, reação primeira do olhar ao
mirar o "não-eu", instigando a curiosidade e o desejo
de compreensão; o de "ad-miração", que
retoma as revelações e as interrogações do
primeiro olhar, explorando e interpretando os significados presentes na
obra de arte e em seu contexto, possibilitando assimilações
individuais e culturais mais densas; e o da resposta poética, que
surge do perceber sua interação com os processos simbólicos
de produção dos discursos artísticos e de desejar
participar de modo poético e/ou crítico na produção
de situações comunicativas/artísticas.
Assumindo propostas
como a do educador Paulo Freire para um aprendizado existencial fundamentado
no diálogo, coloca-se a necessidade de um contínuo "saber-se
aprendiz" de seu ensinar. Esse saber revela-se na experiência
de estranhamento do educador frente às diversas propostas de ensino
de arte, encaminhando-o a descobrir como ensinar de um modo significativo,
adequado a suas referências existenciais e às necessidades
socioculturais contemporâneas.
A regulamentação
da nova Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino, assegurando a presença
da arte no currículo, e a divulgação dos textos dos
"Parâmetros curriculares nacionais - Arte" pelo Ministério
da Educação a partir do final de 1997, tornam mais presente
a discussão das propostas de ensino de arte em todo o país.
As propostas contemporâneas de ensino de arte ampliaram-se além
do processo criativo do fazer e do experimentar, integrando conhecimentos
e práticas oriundos do fruir/apreciar, do criticar, da estética
e da História da Arte. Enfatizamos que esses diversos saberes e
fazeres não exigem uma articulação hierárquica
numa seqüência determinada. Essa orientação foi
introduzida no Brasil no final dos anos 80 pela doutora Ana Mae Barbosa,
por intermédio da Abordagem Triangular.
Para realmente conseguir
permitir condições de acesso de todos à cultura artística
contemporânea, propósito do Núcleo Educação
desta XXIV Bienal, é necessário criar diferentes articulações
entre as práticas e os conceitos artísticos, e os métodos,
os procedimentos, e as atividades educativas criados para conhecê-los.
Essas articulações se concretizam em percursos educativos
para conhecer a arte, propondo usos diversificados de Materiais de Apoio
articulados a cada um dos aspectos do fazer/saber arte.
Planejar e realizar
percursos educativos para conhecer arte
Para esta XXIV Bienal,
o Núcleo Educação projetou diversos percursos educativos
para conhecer arte, divulgados pelos Materiais de Apoio Educativo para
o Trabalho do Professor com Arte, articulados ao conjunto de vinte reproduções
de obras de arte expostas.
O conjunto de artistas
e obras foi selecionado de modo a oferecer por meio dos materiais de apoio
uma visão geral da concepção da Bienal, incorporando
artistas do Núcleo Histórico, do núcleo de Arte Brasileira
Contemporânea das curadorias de "Roteiros. Roteiros. Roteiros.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." e das Representações
Nacionais.
Além dos
membros da equipe do Núcleo Educação, arte-educadores
de diversas regiões do país vinculados à Rede Arte
na Escola foram convidados para a elaboração dos Materiais,
como forma de ampliar o diálogo e diversificar as propostas de
ensino de arte.
Estes Materiais
de Apoio Educativo apresentam, em seu conjunto, exemplos de diversas possibilidades
de leituras de obras de arte, propostas de atividades, textos de referência,
dados biográficos sobre os artistas estudados, glossário,
sugestões de bibliografia para pesquisa e de desdobramentos da
proposta. Esses textos acompanham o conjunto de reproduções
de obras expostas na Bienal, mas também podem ser utilizados tendo
como referência as obras disponíveis para visita no espaço
expositivo e no espaço virtual da exposição no site
da XXIV Bienal (http://www1.uol.com.br/bienal/24bienal).
Esses instrumentos
sugerem roteiros de percursos educativos, por uma, duas ou mais obras
e artistas. O interesse de professores e alunos é desperto por
meio de pistas e atalhos, que mapeiam possibilidades para interagir com
a arte. Os roteiros estruturam percursos educativos que articulam conceitos
de arte, material de pesquisa e os métodos de ensino/aprendizagem
da arte considerados significativos pelo Núcleo Educação.
Cada material é estruturado segundo um caminho específico,
incluindo sugestões para percorrer outros caminhos em seu final.
Os percursos são
indicados como sugestões para inspirar os professores a criarem
seus próprios roteiros de aula e a refletirem sobre como estruturar
projetos de ensino e aprendizagem de arte.
Seguindo a orientação
da doutora Maria Fusari, consultora do Núcleo Educação,
o planejamento dos percursos propostos foi articulado em torno das seguintes
questões: quem elabora, para quem, o que, por que, para que, com
o que, como, quando e onde. Essas questões procuram estabelecer
uma relação de diálogo entre conteúdo e método,
entrelaçamentos, considerando os diversos aspectos da didática
como processos em progressão. Citando as doutoras Maria Heloísa
Ferraz e Maria Fusari no livro "Arte na educação escolar",
definindo o que "se necessita saber em arte", "os métodos
de educação escolar em arte são os próprios
caminhos delineados no ensino e na aprendizagem estética para se
chegar a uma finalidade, isto é, ao conhecimento de arte. Mas só
podemos percorrer tais caminhos por procedimentos intencionalmente escolhidos,
dentro de um determinado posicionamento pedagógico".
Ao reconhecer a
importância de incluir no currículo das escolas de educação
infantil, ensino fundamental e médio os diversos fazeres e saberes
de arte (conteúdos), é importante articulá-los com
instigantes maneiras de desenvolvê-los nas aulas. Para isso, é
preciso analisar os diversos métodos e instrumentos sugeridos pelos
especialistas como referências, subsídios para pensar suas
propostas pessoais/profissionais de ensino de modo criativo, sem perder
de vista a própria experiência e as necessidades socioculturais
de cada localidade.
Na área de
arte, que destaca especialmente as questões de aprendizagem relacionadas
a percepção, crítica e criação estética,
os alunos precisam do envolvimento criativo do professor na formulação
e na realização profissional de suas propostas para também
se envolverem no aprendizado e desenvolverem plenamente sua capacidade
criadora.
Cada professor de
arte realiza uma atividade criadora quando pesquisa e seleciona informações
pertencentes ao acervo cultural da humanidade e as organiza de forma a
estabelecer relações significativas para si e para seus
alunos. Outro momento de criação é manifesto na forma
como o professor estrutura e realiza sua proposta de ensino artístico
e estético, tendo consciência de seu papel como criador,
atribuindo sentido pessoal a seu ensinar.
O professor também
cria ao adaptar e integrar de múltiplas formas os conteúdos
de arte e os Materiais de Apoio na elaboração do projeto
e no desenvolvimento do trabalho educativo de arte na escola com seus
alunos, assimilando e transformando segundo a própria experiência
pessoal e profissional suas leituras da exposição e das
reflexões elaboradas pelos curadores e pelas propostas educativas
do Núcleo. Ensino de arte é criação aberta
de projeto e ação educativa.
Os Materiais divulgados
procuram oferecer uma diversidade de exemplos que estimulem a realização
de propostas com um envolvimento criativo do professor e buscam encaminhá-lo
a refletir sobre sua proposta de ensino. Para facilitar esse processo,
o Núcleo Educação procurou estruturar cada material
como se fosse um roteiro para a preparação de uma aula,
ou unidade, próximo do processo de trabalho com o qual o professor
já está habituado.
Recomendamos ao
professor ler, experimentar e avaliar esses Materiais, empenhando-se em
ampliar as possibilidades de uso por meio da pesquisa e da seleção
de outros textos e imagens que considere adequadas para estruturar seus
procedimentos educacionais. Para facilitar esse processo, procure coletar
todas as informações sobre o evento divulgadas durante sua
realização pelas diversas mídias (jornal, televisão
etc.).
Cabe ao professor
recriar o Material de acordo com o percurso educativo que deseja estabelecer
com seus alunos: experimentando as atividades propostas e adaptando-as
a seus interesses e a suas circunstâncias reais; reavaliando os
objetivos definidos em cada Material de Apoio e verificando sua retomada
em cada uma das questões que estrutura seu percurso educativo;
selecionando informações e acrescentando o que descobrir
em sua própria pesquisa.
Ao adequar a proposta
de percurso educativo ao contexto do local onde ensina, definindo para
os alunos pré-requisitos dentro dos campos do saber e do fazer
arte, e ao imaginar sua continuidade em novos caminhos, o educador pode
projetar e articular seqüências de Percursos Educativos para
Conhecer Arte, refletindo sobre as possibilidades de estruturação
de um currículo de arte.
Sugerimos ao professor
criar um diário para coletar referências de textos e imagens
que descobriu e anotar as idéias para outras propostas educativas
que possam ser desenvolvidas em suas próprias aulas. Essas idéias
podem surgir durante os momentos de adaptação desta proposta
a seu contexto: na pesquisa; no planejamento da aula; na vivência
de sua realização; na avaliação de seus resultados.
Anotá-las é dar um primeiro passo para ser capaz de planejar
e escrever seus próprios percursos educativos.
Além de analisar
o cumprimento dos objetivos definidos e a compreensão dos conceitos
de arte, é fundamental avaliar o modo como experimentou essa proposta
e como este processo sugeriu idéias para suas aulas. Os procedimentos
de avaliação das ações propostas procuram
registrar e acompanhar mudanças de atitude do professor e dos alunos.
É uma atividade integrada dentro de cada tópico deste roteiro.
Essas avaliações podem mostrar se há necessidade
de mudanças no percurso educativo que percorreu em aula, orientando
os rumos dessas modificações.
A avaliação
qualitativa dos processos e produtos trabalhados em cada atividade permite
retomar continuamente o planejamento do curso, acompanhando a ampliação
das possibilidades de interpretação pelos alunos das práticas
sociais vividas na área de arte, gerando sínteses e novos
pontos de partida para aulas de arte.
Diálogo
sobre o criar ensino de arte
A mesma atitude de
abertura, de encontro e de troca que é proposta ao espectador frente
à obra de arte, propomos ao educador em seu contato com os Materiais
de Apoio Educativo. Propomos a interação com estes instrumentos
como um diálogo, com o intuito de aprofundar-se e encontrar modos
de transformar esta experiência numa vivência com significado
pessoal e profissional, capaz de mobilizar seu processo de criação
de propostas para trabalhar a arte com seus alunos.
O modelo adotado
para os Materiais de Apoio é considerado apenas uma opção,
especialmente adequada às propostas do Núcleo Educação
desta XXIV Bienal. Certamente não é o único modo
de atuar em processos de fazer e saber arte na escola básica, mas
uma forma de facilitar um diálogo que envolverá centenas
de pessoas.
Pretendemos estimular
uma atitude de pesquisa e reflexão sobre a atividade do professor
por meio da divulgação e uso dos Materiais de Apoio, das
experiências realizadas a partir deles na rede escolar de ensino
fundamental e de sua discussão nos encontros promovidos com os
professores da rede de ensino pública pelo Núcleo Educação.
Os Materiais de
Apoio Educativo para o Trabalho do Professor com Arte podem ser encontrados
pelos professores interessados na Sala Educação, na XXIV
Bienal de São Paulo.
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