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Um entre Outros
Este eixo da exposição Arte Contemporânea Brasileira: Um e/entre outros/s está centralizado numa arte envolvida com questões do abandono social. Distintamente da arte engajada política dos 60 e 70, esta produção contemporânea recusa a vassalagem ideológica. A abordagem de uma agenda política e a construção da linguagem são questões inseparáveis. Duas importantes referências históricas marcam esta área: a primeira é uma crônica de Clarice Lispector, "Mineirinho", onde a escritora indaga sobre a responsabilidade do indivíduo em relação à sociedade, marcada pela indiferença. A segunda é o Bólido 18-B-331 (homenagem a Cara-de-cavalo), 1967, obra de Hélio Oiticica exibida no Núcleo Histórico da XXIV Bienal, que correlaciona questões de marginalidade social, repressão política e revolta individual.
Na pauta de XXIV Bienal de São Paulo estão questões envolvendo grupos sociais ou indivíduos que muitas vezes são devorados pelo abandono social. A instalação Fantasma, de Antonio Manuel, retrata um sobervivente de uma chacina, violência freqüente nas favelas brasileiras, envolto numa sala pontuada por inúmeras manchas negras que enganam os olhos num forte jogo entre o espaço real e o percebido. A obra de Maurício Dias e Walter Riedweg discute as migrações internas no Brasil e as disparidades econômicas, que criam uma espécie de colonialismo interno. Dois grupos de fotografias de Vik Muniz lidam com meninos marginalizados socialmente, discutindo sua situação individual e social. Num primeiro grupo de fotografias, imagens de crianças são construídas com açúcar, como índice de seu contexto de classe (são filhos de trabalhadores de canaviais de açúcar caribenhos) e sua condição psicológica a despeito da dureza de suas vidas; num segundo grupo, crianças de rua são retratadas através de lixo urbano, apontando para o modo como a sociedade lida com estes indivíduos. A fotógrafa Cláudia Andujar apresenta fotografias de índios Yanomâmis, com sua afetividade e dacadência no contato com o homem brancos. Alguns Yanomâmis praticam um canibalismo endógeno, isto é, no seio do próprio grupo social, através da ingestão de cinzas dos mortos queridos para que sejam incorporados ni fuindo espiritual comum. Rochelle Costi apresenta fotografias que são registors de quartos de paulistanos de diferentes classes sociais, retratos íntimos eloqüentes, ainda que a figura esteja concretamehte ausente. O Mapa Mudo de Ivens Machado é um mapa do Brasil feito com cacos de vidro verde cravados sobre cimento - a imagem evoca ao mesmo tempo o luxuriante verde de nossas florestas e os altos muros das ricas residências bem protegidas, aqui um símbolo para as fronteiras sociais e políticas tantas vezes intransponíveis do país. Emanuel Nassar expões uma coleção de bandeiras dos municípios de seu estado natal do Pará; a precariedade de seu design e confecção estabelece um contraponto mordaz sobre nacionalismo e regionalismo em tempos de globalização. Rubem Grillo trabalha o processo de xilogravura como um modelo ético da produção da imagem numa época marcada pelas novas tecnologias. Artur Omar apresenta a Antropologia da face gloriosa, 99 retratos fotográficos que formam um painel poético e político (ainda que inevitavelmente imcompleto) do Brasil contemporâneo.
Paulo Herkenhoff
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