(continuaçâo)

Mudança de cenário. São Paulo, 1975

Fugindo de um temporal, descreveu Maria Moris Hamourg, Polke e alguns amigos acabam por entrar num bar de terceira categoria. O ar lá fora está pesado e carregado de eletricidade, a atmosfera dentro do bar é enfumaçada, carregada de tensão de outro tipo, alcoolizada, erotizada, brutalizada. Os homens que matam o tempo juntos ali e fazem uma gracinha extra para os estranhos agem além das normas sociais e sexuais, e provocam o jovem artista. Tudo se transforma em turbilhão diante de seus olhos. Polke tenta ressuscitar este turbilhão de elementos de incerteza na câmara escura. O que seus sentidos, sua consciência e sua câmera captaram neste bar, ele tenta reencenar como fusão de tomada fotográfica, luz e impressão. Um tipo de écriture automatique na câmara escura. Lá, ele tenta reter o fluir, misturar-se e dissipar-se das energias do lugar, quer invocar mais uma vez um momento de vida. Para as fotos, Polke utiliza papel técnico, mais usado para plantas e menos para fotografias. É muito fino e flexível, fazendo com que a imagem se materialize mais no e menos sobre o papel.

"Não se vê quem está no escuro", diz Brecht na Ópera dos três vinténs. Visto desta maneira, o escurecimento das fotos é a forma adequada de lançar luz sobre o fato de que os homens que Polke observa com a câmera neste bar vivem à margem da sociedade. Como se fotos pudessem "aclarar" alguma coisa! Polke, o pessimista, nega o conteúdo esclarecedor da fotografia de documentário. Novamente aparece aqui sua desconfiança em relação às imagens impressas. O que a fotografia documenta é obscuro em si.

O tema dos grupos marginais e outcasts da metrópole aparece várias vezes no trabalho de Polke desse período. Ele simpatiza com alcoólatras e sem-teto, não só devido à sua própria experiência de estudante sem recursos, mas também porque ele aqui se defronta com a questão existencial do sentido da vida. O que somos? A vida como risco, living on the edge. É aí que o perigo se esconde, onde normas e instâncias de controle, como a consciência, por exemplo, são suspensas temporariamente: na embriaguez das drogas e do álcool, na existência à margem da sociedade. Ou além da cultura européia ocidental cristã, como por exemplo no Afeganistão, por onde ele viaja em 1974. E como no caso de muitos jovens de sua geração, que estão em busca do sentido das coisas, um romantismo social anarquista e boêmio se mistura com o interesse por rituais "arcaicos" e com o desejo de ter experiências transcendentes, para talvez encontrar em algum lugar a resposta à pergunta: que tipo estranho de animal é o ser humano?

Parece que, no final do século XX, os mitos dos artistas estão sendo descarregados no depósito de lixo da história, para que um ou outro pensamento esparso torne a desenterrá-los, deglutindo-os, e, fortalecido por este alimento, ganhe novos mitos, que esperam ser contados e engolidos. De modo que, no final, a existência inteligente só possa ser canibal e nada mais.