Oppenheim e Oursler: conexões


Dennis Oppenheim nasceu em 1938. Tony Oursler nasceu em 1957. Um intervalo de tempo -18 anos é a diferença de idade entre os dois-faz-nos pensar que comparar suas práticas torna-se tarefa relativamente possível, se levarmos em conta o temido e rechaçado processo de globalização. Esse é o contexto em que suas obras podem ser lidas: os dois são americanos, vivem em Nova York e no cerne de suas atuações a questão central é a existência frente ao consumo do nosso tempo.

Os dois, sem dúvida, nesse hiato de tempo que determinaria a distância entre suas vidas, aproximam-se, criando quase que um sincretismo de sentido em suas práticas, onde a densidade e a intensidade das suas poéticas ocorre a partir de um processo de contaminação e resistência: de um lado, absorvem a cultura híbrida decorrente da expansão urbana-os processos impostos pelos meios de comunicação de massa, a velocidade com que a indústria cultural constrói e retoma o contato simultâneo entre emissores e receptores e a sociedade do espetáculo-de outro lado, resistem, desenvolvendo uma prática artística que articula a cultura popular contemporânea com a tradição moderna e com aspectos sócio-políticos.

É curioso observar que, embora não se conheçam, as suas atitudes frente à obra também os aproximam: os dois colocam o espectador em um ambiente onde o clima é próximo a um sonho, onde a percepção sensória é o fio condutor dos significados e da dimensão simbólica gerada em suas poéticas. A metáfora, a desconstrução do pensamento linear, a teatralidade, a ritualização e a magia estão presentes na produção de ambos.

Obviamente, o hiato de tempo aqui assinalado determina diferentes impasses em relação a seus fazeres artísticos. Dennis Oppenheim vem da minimal-art dos anos 60 e, nos anos 70, o ataque à arte purista, formalista, passou a ser a gênesis do seu impasse. Com o desenvolvimento de suas performances, o minimalismo deixa de ser o enfoque básico e o fazer artístico passa a ser questão central em seu discurso.

Enquanto artista dos anos 80, Tony Oursler, por sua vez, critica e ironiza a pop art dos anos 60, bem como a linguagem televisiva e os meios de comunicação de massa.

Metáforas e nonsense

Seja nas esculturas de Oppenheim, ou nas vídeoinstalações de Oursler, a utilização de um substituto, o boneco, vai constituir a metáfora. Em Attempt to raise hell [Tentativa de criar o inferno] de Dennis Oppenheim, um boneco sentado recebe pancadas de um sino na cabeça. O som do sino que bate a cada 60 segundos é ativado por ímãs, e atravessa a sala da instalação, repercutindo no espaço e no cérebro. É como se o artista estivesse batendo a cabeça contra um objeto sólido, como que impossibilitado de passar por ele, produzindo ruídos. O boneco, convém notar, é réplica da imagem do próprio artista, e essa auto-referência pode ser entendida como um ato de autocanibalização, quase uma penitência, uma torturada apropriação de si mesmo, que evoca a razão e a forma de produzir arte. Ação simulada, atuação simbólica. Esse nonsense, esse tangenciar do absurdo, revela o tragicômico em sua obra e surpreende o espectador através do impacto.

A mesma atitude pode ser percebida na produção de Oursler. Se o fazer artístico·questão típica dos artistas dos anos 60/70·é a tônica do discurso de Oppenheim, em Oursler essa questão não é central. É a investigação de diferentes meios que caracteriza a sua produção: a linguagem televisiva conjugada com o teatro, o trabalho do ator e a utilização de bonecos geram metáfora. A utilização da palavra completa cada obra de Oursler. Mas o nonsense e o absurdo transparecem no modo como utiliza o som: o sentido das palavras é desconstruído através do uso da metonímia.

 

Misticismo

A instalação System for dramatic feedback [Sistema para feedback dramático], 1994, exemplifica a tônica da poética de Oursler: o reflexivo está intimamente ligado à análise e interpretação de seus conteúdos e os aspectos surrealizantes, a alegoria e o simbolismo são presenças conjugadas a situações insólitas, imprevisíveis, onde tempo de duração e repetição são componentes básicos de um modo de trabalhar que, ao mesmo tempo em que propõe a reinvenção da arte figurativa, vale-se da apropriação, da estrutura narrativa e da metafísica·criando um sentido religioso, incorporando um tom místico ao trabalho. De formação católica, ao mesmo tempo em que critica os caminhos da igreja, "o artista reconhece que através dela adquiriu um lado místico que se contrapõe ao tecno-materialismo do nosso tempo".1

Em Dennis Oppenheim é a preocupação existencial que determina o misticismo. A partir da morte de seu pai, no início dos anos 70, o artista interessa-se pelo xamanismo e pela magia. Utilizando o surrealismo como instrumento de auto-referência, passa a realizar experiências que recuperam vivências do passado, removendo importantes aspectos psicoterapêuticos. E o faz a partir da apropriação de gestos e desenhos dos seus próprios filhos, reconhecendo a importância dos arquétipos. O caráter alegórico contido em sua obra possui conteúdos simbólicos, em que a narrativa e a ironia aparentes são ficções que remetem ao seu ser. Sua arte é produtora de consciência e é autobiográfica, estabelecendo a metáfora das suas crenças e fé.





1. Elisabeth Janus, A conversation with Tony Oursler, Exposição Salzburger Kunstverein, 1994, p.4“5.